O que faz as esquerdas fracassarem é que elas cultuam os mesmos "heróis" da direita. A educação social é conservadora e muitos ideólogos e palestrantes de esquerda, de uma forma ou de outra, sofreram a influência da mídia hegemônica, sobretudo durante a ditadura militar.
As esquerdas são um fenômeno nascente no Brasil. Tem menos de cem anos de existência, e pouco mais de 15 anos de algum crescimento político. Só que seus erros, não raro bastante preocupantes e tolos, se devem por posturas adotadas que parecem, nas paixões do momento, causas nobres, mas depois são identificadas como perigosas armadilhas contra as forças progressistas que a elas aderiram.
Hoje o grande problema que se observa em setores das esquerdas é um apego doentio a uma figura bastante conservadora que foi Francisco Cândido Xavier. Movidas por paixões religiosas que fazem as esquerdas se renderem a Chico Xavier seduzidos pela fascinação obsessiva que domina muitos de seus seguidores e apoiadores, elas se enfraquecem com tamanho apoio a alguém que, apesar de estar associado a uma atraente simbologia, sempre apoiou ideias ultraconservadoras.
As esquerdas, tão empenhadas em identificar e combater as armadilhas mais sutis do poder midiático, não conseguem se informar que o Espiritismo que se tem no Brasil é desfigurado e criminosamente deturpado, da mesma forma que não conseguem aceitar que o "médium" Chico Xavier - na verdade, anti-médium, por querer ser, já em seu tempo, o "centro das atenções" - era um reacionário de carteirinha.
Tenhamos paciência, não é porque fulano arrasta multidões que ele se tornará necessariamente um progressista. Tivemos Monteiro Lobato flertando com o nazi-fascismo e elogiando a Klu Klux Klan. Nas últimas décadas, o craque Pelé, o cantor Roberto Carlos e a atriz Regina Duarte adotaram posturas bastante conservadoras. Mais adiante, ídolos musicais como Roger Rocha Moreira (Ultraje a Rigor), Bell Marques e Zezé di Camargo também mostraram posições reacionárias sob fachada "moderna".
Não podemos aderir ao vício masoquista de ficar inventando desculpas para relativizar, mesmo com ressalvas das mais contraditórias (como dizer que Chico Xavier foi forçado a apoiar a ditadura ou que o homem-religioso é muito diferente do homem-humano), desculpas que só servem para manter as pessoas na zona de conforto das paixões religiosas, as posturas sombrias de um ídolo.
Deixemos disso. O que as esquerdas não querem admitir é que Chico Xavier sempre foi um reacionário e ele teria sempre caminhado junto com setores conservadores da sociedade brasileira, que nos anos 70 apoiaram a ditadura, no final dos anos 80 defenderam Fernando Collor, nos anos 90 e 2000 votaram a favor do PSDB e, agora, defendem Jair Bolsonaro com medo da "maré vermelha" atingir o Brasil.
Em vez de atentar pela realidade - Chico Xavier apoiaria o bolsonarismo de qualquer maneira, embora reprovasse os atos extremos de seus apoiadores - , o que se vê nas esquerdas é uma atitude infantil de moldar a imagem do "médium" conforme seus desejos pessoais.
ACEITAÇÃO DAS ADVERSIDADES "EM SILÊNCIO E SEM QUEIXUMES": A BANDEIRA CONSERVADORA DE CHICO XAVIER
Juntando, como peças soltas que não se combinam e são ligadas por um cordão frágil e fácil de se romper, a imagem idealizada de Chico Xavier, construída pela parceria da FEB com a Rede Globo (que moldou o "médium" como um "filantropo de ficção novelesca"), com um certo otimismo petista, as esquerdas supõem que o "médium" iria apoiar Fernando Haddad para presidente da República, usando como pretextos a "identificação com princípios cristãos de caridade e respeito humano".
Mas a ditadura militar e o direitismo apelam para um paradigma de "respeito humano" e "caridade" que mais condizem ao "movimento espírita". Se o povo brasileiro for submisso e obediente ante os arbítrios do regime militar, ele não sofre repressão. O começo da ditadura militar só foi violento para quem se opunha ao regime, se você for um carneirinho e aceitar a perda de direitos sociais dos mais diversos, você fica em paz num regime de exceção.
É por isso que Chico Xavier seria capaz de apoiar Jair Bolsonaro. Seria capaz porque Bolsonaro representa os valores sociais que o "médium" aprendeu com gosto no seu meio familiar em Pedro Leopoldo, e que sempre os defendeu até o fim da vida. Anti-comunista e anti-petista, Chico apoiaria Jair até se a hipótese for "votar no menos ruim", porque Chico Xavier nunca foi com a cara de Lula, e teria medo de que, a seu ver, o Brasil mudasse sua sede do Planalto para a prisão na sede da Polícia Federal em Curitiba.
Chico Xavier adota bandeiras ultraconservadoras: contra o aborto em toda situação (se a mulher foi engravidada pelo estuprador, que se case com ele ou estabeleça "diálogos" para criarem ambos o filho), e posturas machistas, racistas e homofóbicas foram observadas na obra do "médium", que recorria ao uso dos nomes dos mortos para disfarçar o individualismo de suas opiniões, como foi no caso de Humberto de Campos.
Isso é fato, e tem provas. Em Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, de 1938, negros e índios são descritos como se fossem "animais selvagens". Em O Consolador, de 1941, há um relato machista que declara o movimento feminista como "perigoso" e, com um sarcasmo irônico, recomenda que o "melhor feminismo" seria a mulher se dedicar "ao lar e à prece". Em Sexo e Vida, de 1970, os homossexuais eram definidos como portadores de "confusão mental" em relação à encarnação em que vivem.
LEONEL BRIZOLA ADVERTIU: SE A GLOBO ADOTA UMA POSTURA, AS ESQUERDAS ADOTAM UMA POSTURA OPOSTA
O político Leonel Brizola (1922-2004) deu um conselho que as esquerdas nem sempre acolheram com prudência e firmeza. A respeito dos valores defendidos pela Rede Globo de Televisão e a abordagem dos fatos promovida por essa corporação midiática, o político gaúcho que encerrou sua vida radicado no Rio de Janeiro, deu o seguinte conselho:
“Quando vocês tiverem dúvidas quanto a que posição tomar diante de qualquer situação, atentem… Se a Rede Globo for a favor, somos contra. Se for contra, somos a favor!”
No final dos anos 1970, a Rede Globo adotou Chico Xavier como um ídolo religioso que a emissora acolheu para fazer frente aos "pastores eletrônicos" Edir Macedo e R. R. Soares. Católica, a Globo no entanto apostou no "movimento espírita" por ser este um "Catolicismo à paisana", com um conteúdo ainda mais medieval. E trabalhou o mito de "filantropo" de Chico Xavier com base no roteiro que o inglês Malcolm Muggeridge fez para promover o mito de Madre Teresa de Calcutá.
Isso significa que a imagem que hoje se tem de Chico Xavier é uma grande ficção bem construída. Um pretenso filantropo, com um aparato tendenciosamente montado com paisagens celestiais, cenários floridos etc, para promover adoração entre os diversos setores da sociedade. A máquina manipuladora da Globo influi até mesmo numa parcela de seus detratores, que fazem o tipo "odiar o professor mas adorar seus ensinamentos".
Chico Xavier nunca fez caridade. Sua "caridade" era apenas um espetáculo ostensivo de Assistencialismo, que ajudava pouco e não combatia os privilégios abusivos das elites. Além disso, não era uma iniciativa de Chico Xavier, que não contribuiu ele mesmo com essa "caridade", que era exercida por terceiros (que compravam mercadorias e doavam objetos), sendo o "médium" a "cigarra" que se promovia às custas do trabalho das "formigas".
Além disso, as "cartas mediúnicas" eram um apelo sensacionalista que continha várias armadilhas: a produção de factoides pitorescos com supostas mensagens de pessoas mortas, alimentando assim as atividades e o prestígio da imprensa marrom, e a desculpa da "vida futura" para se conformar com mortes prematuras e, de maneira subliminar, aceitarmos também as mortes das vítimas da repressão da ditadura militar, apoiada, com muito gosto, pelo "médium" (veja o Pinga Fogo da TV Tupi).
Chico Xavier era e, agora postumamente, continua sendo o protegido da Rede Globo. Isso significa que as esquerdas, diante do conselho de Brizola, deveriam manifestar repúdio e não apoio a ele, e não ficar fazendo pensamento desejoso aqui e ali para relativizar, ao sabor das convicções pessoais, os pontos mais obscuros do "médium", procurando impor ideias agradáveis ao doloroso realismo.
Não há como relativizar. Chico Xavier sempre esteve associado a um contexto ultraconservador. Sua formação social foi conservadora. Sua concepção de "paz" (baseada na submissão e na servidão), bastante conservadora. Seu anti-esquerdismo, notório e notoriamente convicto. Sua plataforma moral, baseada na Teologia do Sofrimento e no apelo dos sofredores aguentarem calados as adversidades da vida, também são de um conservadorismo tão retrógrado que salta aos olhos.
As esquerdas sempre contraem algum azar, algum mau agouro, quando cultuam Chico Xavier. Essa adoração é tomada de emotividade tão cega que as pessoas que adoram o "médium" e, por isso, sofrem algum azar, se comportam como masoquistas aceitando o próprio prejuízo, se comportando como verdadeiros idiotas por conta de uma adoração cega movida por paixões religiosas que lhe fazem prisioneiros da fascinação obsessiva por um "médium".
E aí lembramos o quanto a sociedade é tão complacente, de maneira patética, aos "médiuns". Nos meios sociais, sabemos que, quando um amigo de infância comete traições, a pessoa se irrita e rompe com esse amigo. Se uma esposa trai o marido, este se enfurece, e, em certos casos, comete vingança sangrenta. Se um filho trai os pais, estes se revoltam e lhe dão castigo severo. Mas se um "médium" trai as pessoas, elas se contentam, até felizes, com a traição a que se tornam vítimas, chegando a acreditar que "merecem viver tal traição".
Pois Chico Xavier traiu muitas e muitas vezes, inclusive na responsabilidade que ele teve ao assumir um compromisso de representar o Espiritismo. Muito mais próximo de Roustaing do que de Kardec, o "médium" mineiro traiu também ao assumir identidades fake de autores mortos, um recurso muito fácil porque os mortos não estão aí para reclamar e as regras de direitos autorais são mais flexíveis.
Chico até foi réu por usar o nome de Humberto de Campos, mas foi beneficiado pela seletividade da Justiça, que é flexível para os privilegiados sociais, como os ricos, os famosos, os poderosos e os religiosos. E olha que tinha provas para incriminar Chico Xavier, pois o "espírito Humberto de Campos" (ou "Irmão X") que aparece nos livros é ridiculamente fake. Mas se nem as esquerdas admitem essa dura realidade, então a coisa fica complicada.
Se as esquerdas quiserem salvar o Brasil da tragédia bolsonarista, elas deveriam dar seu primeiro passo rompendo com Chico Xavier, que, queiram ou não queiram, é expressão de uma sociedade extremamente conservadora. Deve-se romper, sem ódio, mas com muita firmeza, como quem se livra de um brinquedo e abandona ele. Mas deve-se também admitir pontos sombrios e até reacionários na trajetória do "médium" e reconhecer que ele foi um vergonhoso deturpador da causa espírita. Deve-se repudiar Chico Xavier pelos equívocos que ele fez em prol de um Brasil mais conservador.
Romper com Chico Xavier é um ato de desapego, é romper com um dos apegos mais doentios e mais obsessivos, e ninguém sai perdendo rompendo com essa idolatria movida por fascinações e paixões religiosas. Essa ruptura é necessária para que as esquerdas, cultuando uma figura ultraconservadora, não contraiam para si o mau agouro e não tenham o azar de, mesmo com o máximo de esforço e habilidade, perder as eleições para o candidato fascista.
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