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Se Chico Xavier fosse progressista, não haveria a ascensão de Jair Bolsonaro



É um dever questionarmos, até com certa severidade, o mito de Francisco Cândido Xavier. Questionar sem ódio, mas também sem medo, sem relativismos e sem complacências, com o rigor de quem não mede palavras para identificar erros, quando estes são muito graves.

Vale lembrar que esse apelo de questionar rigorosamente Chico Xavier não vem de evangélico alucinado nem de qualquer moleque intolerante da Internet - até porque o dito "espiritismo" brasileiro é uma das religiões não só toleradas no país, mas também blindadas pelas classes dominantes que adoram essa "filantropia de fachada" que traz mais adoração ao "médium" do que resultados sociais concretos - , mas da própria obra espírita original.

É só ler Erasto, que recomendava rigor no repúdio e no combate aos deturpadores dos ensinamentos espíritas. E mais: ele lembrava que eventualmente os maus espíritos (ou, no contexto brasileiro, os maus médiuns) trazem "coisas boas" (as ditas "mensagens de amor e paz", por exemplo), mas Erasto recomendava, neste caso, uma cautela ainda mais redobrada, porque é aí que as mensagens trazem, no seu bojo, mistificações e ideias retrógradas, irreais ou levianas.

Chico Xavier personifica muitos dos aspectos negativos que a literatura kardeciana previu com antecedência. Também não foi sem aviso que o Brasil se rendeu à imagem adocicada do "médium", essa imagem fantasiosa que lembra mais a de "fada-madrinha" de calças e ternos velhos, feita sob medida para um Espiritismo que foi rebaixado, no nosso país, a um festival de contos de fadas para adultos, cujo conteúdo remete ao puro igrejismo medieval.

São textos empolados, uso de nomes ilustres para causar impressão no grande público, e até mesmo indícios de trabalho fake, pois a "psicografia" de Chico Xavier não consegue esconder distorções preocupantes em relação aos aspectos pessoais dos autores mortos alegados. Diferenças aberrantes de estilo, assinaturas que não batem com as deixadas em vida, igrejismo excessivo em mensagens que mais parecem merchandising religioso etc.

Em muitos casos, os textos são muito prolixos, a linguagem forçadamente culta, a prevalência de visões importadas do Catolicismo medieval é explícita, contrariando a linha iluminista do Espiritismo original. Tudo de Chico Xavier poderia ser considerado deplorável, mas como ele é blindado pelas elites, elas o fizeram o "espírito de luz" cuja imagem adocicada ainda ilude muitas multidões.

JAIR BOLSONARO É REFLEXO DE CHICO XAVIER

Vários aspectos unem Chico Xavier a Jair Bolsonaro, um fato que deixa muitos chiquistas assustados. Mas, se observarmos bem os históricos de cada um, verá que é verdade. Ambos se ascenderam como personagens exóticos e arrivistas, que se projetaram em episódios marcados por muita confusão e revolta.

Chico Xavier causou confusão com o livro Parnaso de Além-Túmulo, um pioneiro da literatura fake brasileira. O livro apresenta problemas de estilo em relação aos autores mortos alegados e tem até confusão de pastiche (Antero de Quental soando como paródia de Augusto dos Anjos) e teve o estranho procedimento de sofrer cinco reparações editoriais em 23 anos, uma atitude muito estranha para um livro que se supõe "obra acabada de benfeitores espirituais".

O próprio fato do livro trazer um número grande demais de autores, algo "bom demais para ser verdade" e completamente impensável em termos de espiritualidade (se observarmos que, se na Terra é difícil chamar todos os ex-colegas de infância para um reencontro de muitos anos depois, imagine no mundo espiritual com mortos de diferentes procedências), e o fato de trazer um elenco de mortos famosos também faz do livro reprovável pelo próprio Allan Kardec, se tomasse conhecimento de tal obra.

A confusão de Chico Xavier se agravou quando ele resolveu mexer com o nome de Humberto de Campos, depois que este escreveu uma resenha irônica sobre Parnaso de Além-Túmulo. Chico teria detestado a resenha e resolveu apelar, aproveitando que o escritor maranhense morreu para inventar um sonho para forçar a FEB a aceitar a pretensa parceria, na verdade uma usurpação do nome do escritor em obras ditas espirituais.

O presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, vendo potenciais de sucesso comercial, tomou gosto pela farsa e passou a escrever, com Chico Xavier, os textos que os dois creditariam ao nome do escritor maranhense, com o objetivo de promover sensacionalismo. Humberto de Campos é um dos nomes que mais apresentam irregularidades de estilo e personalidade na obra dita "psicográfica" de Chico Xavier.

Jair Bolsonaro também se ascendeu aprontando confusão, em 1987, 55 anos após o primeiro livro de Chico Xavier. Indignado com os salários de sua classe, os capitães do Exército, Jair planejou uma série de atentados em quartéis, sem provocar vítimas, que seriam um apelo aos generais para aumentar os vencimentos desses militares.

E se Chico Xavier, com seus fakes literários, causou revolta nos meios literários, e nunca houve alguém que confirmasse a veracidade de tais obras. A FEB, tendenciosamente, levou como "autentificação" apenas posturas de abstenção trazidas por nomes diversos como Monteiro Lobato (simpatizante da extrema-direita), Apparicio Torelly (Barão de Itararé), patrono da mídia progressista e Raimundo de Magalhães Júnior.

No entanto, nomes como os críticos Osório Borba e João Dornas Filho, além de escritores como Malba Tahan, denunciaram o embuste "psicográfico", com argumentos muito fortes para serem desqualificados. Afinal, a lógica e o bom senso nunca foram companheiros da vida de Chico Xavier.

Bolsonaro teve a mesma coisa. E, o que é mais irônico, figuras de alto poder na ditadura militar, como Ernesto Geisel e Jarbas Passarinho, que consideravam Jair um "bunda suja" (jargão militar para membros de mau comportamento e péssima reputação). Jarbas afirmou que Jair Bolsonaro "só não perdeu o posto de capitão por causa de um general amigo". Jair foi colocado na reserva, e foi começar sua carreira política, em 1988.

JUSTIÇA SELETIVA E BLINDAGEM MIDIÁTICA

O que também une Chico Xavier e Jair Bolsonaro é a justiça seletiva. Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral andou apenas fazendo declarações "austeras" contra a onda de fake news que favorece Bolsonaro e as declarações do filho, o deputado federal eleito Eduardo Bolsonaro, de que se deve fechar o Supremo Tribunal Federal, não agindo de imediato para puni-los e cancelar a aprovação para o segundo turno do presidenciável do PSL.

Em 1944, o juiz João Frederico Mourão Russell, suplente na 8 Vara Criminal do então Distrito Federal (Rio de Janeiro), adotou uma postura típica da nossa justiça seletiva, parcial e tendenciosa. Com o prestígio de um Sérgio Moro, uma atuação de um misto de Alexandre de Moraes com Gilmar Mendes, Mourão Russell, diante do processo dos herdeiros de Humberto de Campos, julgou a ação judicial "improcedente".

Isso liberou Chico Xavier para usar os mortos que quiser, mas ele tomou cuidado para criar um pseudônimo para o "Humberto de Campos" inventado por ele e Wantuil: Irmão X. O juiz Mourão Russell desconheceu, ou simplesmente desprezou, que o processo deveria ser orientado para que a Justiça reconhecesse os fakes literários que eram os livros do pseudo-Humberto.

Em casos assim que não envolvem políticos envolvidos com o trabalhismo, o esquerdismo e, mais recentemente, o chamado lulo-petismo, a Justiça age com medo, fica cheia de dedos, se faz que desconhece o assunto ou minimiza a gravidade de certos crimes, quando seus acusados são pessoas de um dado prestígio social. Lembremos que o prestígio religioso de Chico Xavier, em 1944, era considerável e comparado, em status, a um figurão da alta sociedade.

A blindagem midiática também é um ponto em comum. O mito "bondoso" que se conhece de Chico Xavier foi uma estratégia bem montada pela Rede Globo de Televisão, que organizou tentativas prévias de promover idolatria ao "médium" pela ação individual de Wantuil e, depois, pela ajuda de produtores da TV Tupi e de chefes de redação de O Cruzeiro.

A Globo também blinda Jair Bolsonaro e finge ignorar que ele é um político de extrema-direita, que ameaça cancelar direitos históricos conquistados pelo povo brasileiro. Bolsonaro é tratado como um "democrata comum" e esse tratamento é comparado ao do mundo capitalista que, diante da ascensão de Adolf Hitler na Alemanha, definiu o político nazista como um "democrata moderado".

Jair Bolsonaro e Chico Xavier já estão sendo considerados o yin e o yang de uma ideologia brasileira marcada pelo apreço do sensacionalismo, ao grotesco e à pieguice, marcado pela emotividade exagerada, pelo baixo senso crítico, pelo desprezo à lógica e pela adesão a pretensos salvadores da pátria. Embora seja assustador juntar os dois, porque um simboliza o "ódio" e o outro, o "amor", eles estão associados a uma mesma simbologia movida pela catarse e pela cegueira dos instintos.

É como se o Brasil estivesse apegado numa infância irrecuperável, na qual temos o "boneco de pano" que é Chico Xavier e o "soldadinho de chumbo" que é Jair Bolsonaro. As pessoas estão mergulhadas no mesmo universo de realidade virtual, onde circulam livremente fake news, sobretudo no WhatsApp. E redutos como WhatsApp e Facebook também são paraísos para psicografias fake como as do "médium" Adriano Correia, assim como os memes que exaltam Chico Xavier.

São as mesmas sintonias. E tem gente pensando que Chico Xavier é "progressista" ou até mesmo "comunista", ele que sempre vibrou como um "pé-frio" para as personalidades e movimentos progressistas ou de esquerda.

Chico Xavier sempre foi um reacionário, em toda sua vida, e provas consistentes constatam isso, para desespero de seus seguidores. Uma delas são as declarações dadas no programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em 1971, nas quais Chico fazia comentários que não soariam diferentes se saídos da boca de Jair Bolsonaro. Isso derruba de vez as fantasias que, com muita persistência, envolvem o "médium" e tentam se fazer prevalecer sobre a realidade, apenas por serem mais agradáveis.

Por isso é que, no Brasil em que Chico Xavier é uma das pessoas mais adoradas, não houve um esforço vibratório para evitar a ascensão de Jair Bolsonaro. Não houve sequer um preparo energético, com preces ou coisa parecida, e nem uma educação emocional para evitar esse desastre eleitoral em marcha.

Em vez disso, nota-se que o ideal de Chico Xavier era sempre a defesa da Teologia do Sofrimento: pedir para os oprimidos aguentarem as desgraças em silêncio. Isso é ótimo para governos autoritários, mas muita gente caiu na pegadinha de achar que isso é "pensamento progressista". Esquecem da sutileza do discurso de Chico Xavier, capaz de ferir com um punhal usando palavras suaves. Muitos o associam a flores no jardim, mas a verdade é que ele está mais para espinhos ou ervas daninhas.

Daí que Chico Xavier é um "pé-frio" para as forças progressistas que se deixam seduzir pela imagem do "velhinho de peruca e óculos escuros que vestia ternos brancos". Imaginam que o lema "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" estaria voltado para a volta do PT ao poder. Grande engano.

O que se nota é a identidade absoluta entre o lema "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", de Chico Xavier, e o lema bolsonarista "Brasil, acima de tudo, Deus, acima de todos". Até o fato da primeira oração do período gramatical estar associado ao ufanismo, e a segunda oração, à religiosidade, são de uma similaridade surpreendentes. Chico não previu a ascensão de Bolsonaro, mas teria gostado do perfil dele, embora reprovasse os excessos violentos de seus apoiadores.

Consta-se que o lema de Chico Xavier era um projeto fascista. Isso causa tristeza em muitos, mas devemos parar para pensar: o projeto de um país comandando o mundo, através de um poder político e de uma religião, é sempre perigoso. O enunciado não vai abrir o jogo, e muitos acreditam que a tal "pátria do Evangelho" será um paraíso pacifista. Não. Será um novo Império Romano, um novo Catolicismo medieval, que irá impor seu arbítrio através do banho de sangue de seus opositores.

Por isso é que, se Chico Xavier tivesse sido mesmo um progressista, a sua adoração teria feito condições psicológicas em todo o Brasil para evitar a ascensão de Jair Bolsonaro. Ele nem teria chegado ao segundo turno e os brasileiros teriam ouvido melhor os alertas dessa ameaça fascista que ameaça governar o país com uma surreal ditadura instalada pelo aparato do voto popular.

A ascensão de Jair Bolsonaro, às vésperas da "data-limite" de 2019 e nos clamores dos "espíritas" sobre o que acreditam ser "o começo da regeneração" e "o início da pátria do Evangelho", sinaliza que Chico Xavier sempre foi um sujeito conservador e a tal "pátria de amor e luz" é na verdade um projeto fascista no qual um país e uma religião se colocam acima dos demais e, com isso, seus opositores serão punidos violentamente para garantir a supremacia absoluta desse projeto.

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