O que faz os brasileiros aderirem a fenômenos que combinam aspectos pitorescos, promessas de atender a necessidades pragmáticas (ou seja, aquelas que atendem apenas a desejos imediatistas, simplistas e primários das pessoas e uma certa ideia confusa do que é novo ou velho?
É um mistério, mas ela se deve a uma deseducação emocional que a maioria da sociedade brasileira teve desde a ditadura militar, e que prega desprevenidos até setores das esquerdas no Brasil, que acabam cultuando ídolos de direita pelo falso "cheiro de pobre" que parecem exalar ou pelo suposto messianismo que acreditam ser progressista, mas não é.
O recente fenômeno de Jair Bolsonaro, um candidato sem projetos, sem propostas, sem confiabilidade, sem firmeza nem coisa alguma que se possa supor de um candidato elegível, revela o aspecto doentio de uma sociedade confusa que é a brasileira, que no exterior tem fama de "burra" e é considerada um dos povos mais ignorantes do mundo.
O que assusta é a indiferença do povo brasileiro com conselhos, revelações, esclarecimentos, alertas, tudo que os tire das zonas de conforto de sensações agradáveis, instintos catárticos, convicções pessoais há muito consolidadas. Uma confusão de valores que faz o povo brasileiro ser submisso mas, ao mesmo tempo, se autoproclamar emancipado, dizer que é "livre" na sua falta de liberdade, traz o risco de trazer um grave risco de implantar um regime fascista pelas urnas.
É um país estranho, cujo único brasileiro que a sociedade tem medo de ver morrer é o empresário Doca Street, famoso por um feminicídio que inspirou uma onda de atos similares, e que está velho, com 84 anos, e com indícios de doenças graves, porque ele fumou e bebeu muito no auge de sua vida e usou cocaína no passado. Ele fumou os mesmos cigarros que já mataram um grande número de famosos dos anos 70 (até prematuramente) e não podemos sequer dizer que ele está doente.
Essa paranoia fez até com que um jornal carioca inventasse que ele "está muito ativo nas redes sociais", como se um velho machista tivesse fôlego de jovem youtuber. Além disso, tal paranoia faz muitas pessoas até esquecerem um feminicida do passado, como aquele velho utensílio esquecido no porão de uma casa, mas que se revoltam quando alguém pede para se livrar desse objeto.
Já tivemos um outro feminicida high society, Leopoldo Heitor (que matou a socialite Dana de Teffé em 1961), morreu em 2001 aos 79 anos e não houve esse mimimi que a sociedade moralista e patriarcalista sente hoje. E olha que, pouco antes, outro feminicida (hoje também octogenário e muito doente), Pimenta Neves, já estava preso por ter matado a namorada e ex-colega de imprensa.
E isso num país que perdeu, com bem menos idade, um sem-número de personalidades valiosas. Um dos maiores poetas da história brasileira, Castro Alves, só viveu 24 anos. Gênios de grande valor como Mário de Andrade e Alberto Santos Dumont não chegaram aos 60 anos de idade. Um grande nome do teatro, Gláucio Gill, só viveu 33 anos. Tom Jobim e Vinícius de Moraes não chegaram aos 70. Por que tanta frescura quando se fala que um velho machista está no fim da vida aos 80? Se caso disséssemos que feminicídio cura câncer do pulmão, haveria reações tão paranoicas assim?
Vivemos um tempo em que a sociedade brasileira é esquizofrênica, passeando pelo erotismo libertino e, depois, pelo moralismo obscurantista, como quem passeia da Zona Norte para a Zona Sul de metrô. É um país em que Olavo de Carvalho, que carrega demais no moralismo, e a Mulher Melão, que carrega demais no erotismo, possuem, quase que rigorosamente, os mesmos seguidores.
Temos uma Justiça confusa, na qual as atuações do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal são contraditórios e parciais, não discernindo crimes pela sua natureza, mas somente pelo status do criminoso. Rigorosos demais em certos aspectos, são flexíveis demais em outros, e agem com relativa permissividade ou inflexibilidade conforme as conveniências do momento, geralmente favorecendo as elites dominantes, até em aberrantes crimes e infrações à lei.
Nessa sociedade de contrastes, mas também de paranoias e visões simplistas, muitos se assustam quando se diz, ultimamente, que Francisco Cândido Xavier, se vivo estivesse, apoiaria Jair Bolsonaro. Uma parcela de seguidores desabaria de lágrimas, alegando, com chorosa indignação; "Não é possível, Chico, homem bom...É invenção sua". Mas a observação é de um realismo chocante, porém contundente.
Construímos um imaginário que está arraigado e que faz as pessoas se revoltarem quando são aconselhadas a abrir mão desses valores ao mesmo tempo libertinos e repressores, onde combinam pornografia, cafonice, rebeldia punk, pavio curto, mas também preconceitos sociais, autoritarismo, falta de respeito humano, sensação de impunidade, religiosismo exagerado.
Chico Xavier foi um sujeito reacionário e ultraconservador. Está na sua educação familiar, que ele aceitou com bom grado e continuou seguindo até o fim da vida. Se a "namoradinha do Brasil" Regina Duarte é reacionária, "paquerando" o fascismo de Jair Bolsonaro, por que o "namoradinho" da fé religiosa, Chico Xavier, não pode ser?
Suas declarações no programa Pinga Fogo, na TV Tupi, são de um conservadorismo extremo. Não dá para entender por que as esquerdas e os ateus sentem algum apreço por Chico Xavier, creio que há muita gente tola nesse Brasil. Além disso, livros e depoimentos do "bondoso médium" também revelam um moralismo retrógrado que se fundamenta na Teologia do Sofrimento, que é uma corrente do Catolicismo medieval.
Os valores morais de Chico Xavier não são universais. Não estão acima do tempo, das ideologias, das gerações. São valores morais retrógrados: o sofrimento em silêncio, o desestímulo ao questionamento crítico (isso faz o "médium" ser antagônico aos ensinamentos espíritas originais), a submissão às imposições da vida, a paciência extrema diante da agonia e do sufoco e até um certo sentimento masoquista de gostar de sofrer infortúnios e ficar vendo passarinhos enquanto se dá mal na vida.
Esses valores são retrógrados. E Chico Xavier também era uma figura retrógrada, com ternos e peruca cafonas, com um apelo igrejeiro dos mais velhos, e uma personalidade que parece ter surgido de algum momento da República Velha. Um sujeito que parece nunca ter saído de 1910, seu ano de nascimento, mas que somente a esquizofrenia nacional que agora diz que Jair Bolsonaro "representa o novo" o definia como um "religioso futurista".
O recente desespero do "movimento espírita", aliás, anda tentando, de maneira alucinada, trabalhar a imagem de "profeta" em Chico Xavier, relembrando certas aventuras nesse sentido que, com toda a certeza, deixariam profundamente indignado o professor Allan Kardec. Essa mania de estabelecer datas definidas, prever evoluções rápidas, é ridícula, mas arrasta multidões no Brasil diante dessa perspectiva catártica de mudanças rápidas.
Claro, também é o espírito do tempo. Jair Bolsonaro promete acabar com a corrupção e a violência a bala. É uma perspectiva imediatista. Chico Xavier ia no mesmo caminho, fazendo a plateia idiotizada ir à loucura quando dizia que o mundo passaria por uma transformação rápida, com o arbítrio de Deus (outro "mestre" de Bolsonaro) instaurando o Armagedom, abrindo o caminho para o Brasil mandar no mundo com um projeto de supremacia religiosa.
Muitos de nós são tão ingênuos que não ouvem conselhos nem alertas diversos. A ideia do "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" é um projeto de supremacia política e religiosa bastante perigoso e ameaçador. Mas como é "o nosso Brasil", muitos vão dormir tranquilos, achando que essa supremacia político-religiosa é um projeto de fraternidade internacional.
Esquecemos do Império Romano e do Catolicismo medieval, que tiveram um enunciado de uma "pátria fraterna" a liderar o mundo, mas que se resultou num período sangrento, onde gigantescos derramamentos de sangue, de muitos hereges e outros supostos inimigos foram mortos porque se recusaram a reconhecer o império da "fé cristã" e suas imposições e dogmas.
O mundo nos alerta sobre as farsas que prevalecem no Brasil. O próprio Kardec surpreende alertando sobre fraudes e embustes que hoje se observam em Chico Xavier, mas a maioria das pessoas, com teimosia doentia e preocupantemente obsessiva, ignora isso. Esquecem que os livros de Chico Xavier possuem vergonhosos e gravíssimos desvios doutrinários e só isso tira praticamente 99% do mérito da idolatria que tanto se insiste, com apego obsessivo, em se fazer pelo "médium".
Hoje a comunidade internacional, não necessariamente de esquerda - o periódico The Economist, por exemplo, é dos mais anti-esquerdistas do mundo - , alerta para o perigo de Jair Bolsonaro, que, às vésperas da "data-limite" de Chico Xavier, corre o risco de ser eleito presidente da República.
Mas, também, Chico e Jair se unem, como dois lados da mesma moeda, como yin e yang da mesma aura mística conservadora, um simbolizando o "amor", outro o "ódio", mas igualmente vistos como pretensos salvadores da pátria, com seus mitos estimulando a catarse dos seus seguidores, a emotividade cega, o baixo senso crítico, a submissão dos seus apoiadores, a perda de noção da realidade, as fantasias sonhadoras de transformações abruptas, mas brutais.
A revelação de que o lema de Bolsonaro, "Brasil, acima de tudo, Deus, acima de todos" é apenas uma forma simplificada de dizer "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", surpreende até o menor esforço do pensamento desejoso tentar separar Chico de Jair, baseado em vagos paradigmas religiosos.
As frases são idênticas, e, como a frase de Chico Xavier é creditada, de maneira farsante, à autoria espiritual de Humberto de Campos (cujo espírito nunca se envolveu com o "médium"), a associação às fake news e usuários fake de hoje - cujos ambientes manifestam profunda idolatria a Chico Xavier - que endeusam Bolsonaro é certeira. Chico Xavier nunca se "sentiu tão à vontade" nos mesmos espaços digitais que se consome fake news e se concebe multidões de fakes na Internet.
A burrice brasileira é tão grande que ideias decadentes costumam ser defendidas a ferro e a fogo por internautas que chegam a reagir a quem discorda deles criando páginas ofensivas, roubando acervo pessoal para fins de difamação, além do linchamento moral feito nas redes sociais, com o "efeito manada" de usuários nem sempre afeitos a humilhar as pessoas, mas vão na carona no tipo "divertido" do agressor.
A pintura padronizada nos ônibus do Rio de Janeiro teve que ser extinta pela herança da visão pessoal do vice-prefeito Fernando MacDowell, depois de falecido. A despadronização foi, portanto, uma iniciativa do pastor da Igreja Universal, Marcello Crivella, enquanto nem o Movimento Passe Livre lutou contra os ônibus padronizados que deixavam diferentes empresas de ônibus sob um mesmo visual.
Achavam os moleques do MPL que bastava a passagem baixar, mas esquecem que pegar o ônibus errado, numa cidade cujo trânsito, congestionado, "gasta" o limite do Bilhete Único, exigiria uma segunda tarifa, em dinheiro vivo. Houve quem pedisse para eles colocarem a luta contra a pintura padronizada na pauta, e eles faziam ouvidos de mercador. Tomará que a despadronização elimine a mania dos "ônibus iguaizinhos" em todo o resto do Brasil.
Afinal, a realidade já é confusa demais para a pessoa sair de casa e, querendo pegar a empresa A, pega a empresa B e segue outro percurso, só por causa da pintura igualzinha. Isso causa perda de tempo, que nem se o Bilhete Único for usado nos limites de sua validade eletrônica conseguirá compensar. Enquanto os ônibus passam, aos poucos, a serem reconhecidos pela cor de cada empresa, vamos ver se arrumamos outras coisas de nosso desastrado Brasil. Espera-se que o fascismo perca nas urnas.
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