Nosso país é ultraconservador e dotado de estranhos "heróis", que incluem ídolos religiosos, políticos do tempo da ditadura militar, tecnocratas e até machistas de perfil bem moralista, os quais temos medo de perder, como se fossem nossos tios queridos.
Todos morrem, mas os feminicidas são os únicos que "não podem morrer". Eles que mais descuidam da saúde, sofrem pressões morais violentas por todos os lados, fragilizam suas almas alternando raivas explosivas e depressões abatedoras, e nós temos que acreditar que eles são feito ciborgues aos quais nem uma doença incurável consegue abatê-los.
Há 40 anos exatos, um caso de machismo violento aconteceu em Armação de Búzios. O empresário Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, então com 42 anos, assassinou, com dois tiros, a socialite Ângela Diniz, a "pantera de Minas Gerais", que chegou a fazer uma sessão de moda para a revista A Cigarra, nos anos 60.
O motivo alegado era o da "legítima defesa de honra" e Doca, machista irredutível, acusava a mulher de "irresponsável" e promíscua. Doca foi preso mas, sob a habilidosa atuação do advogado Evandro Lins e Silva, foi condenado à prisão em regime semi-aberto, em 1981.
Ele havia sido tabagista inveterado - em 2006, em suas últimas entrevistas, ele afirmava que continuava fumando, só que "com menos frequência" - e no passado usava cocaína e se embriagava com álcool. Antes que algum moralista se revoltasse com qualquer alegação de fragilidade de Doca, lembramos que seus melhores amigos já se preocupavam com seu tabagismo (provavelmente o equivalente a três vezes o total consumido por José Wilker), já em janeiro de 1977.
Doca, no entanto, causou um prejuízo ainda mais grave. Matou uma mulher alegando motivos moralistas ligados ao machismo e à família, se livrou da cadeia e, com isso, inspirou uma onda de assassinatos conjugais que se reflete até hoje, porque, a cada assassino, marido ou namorado, impune, surgem outras ondas de feminicídios conjugais (durante anos definidos como "crimes passionais"). O jornalista Pimenta Neves teria se inspirado em Doca para matar sua namorada, em 2000.
Hoje há sérios rumores de que Doca e Pimenta estão no fim da vida. Suas idades são consideradas elevadas, 82 e 79 anos, e os respectivos históricos de intenso tabagismo e overdose de remédios, pelas razões lógicas da biologia, lhes fazem os organismos numa fragilidade extrema. Tal constatação de tragédia não é fruto de ódios ou calúnias, mas da natureza do corpo físico e sua falência diante dos descuidos da saúde.
Por alguma sorte, Doca Street não morreu no final dos anos 80, porque o que ele consumiu de nicotina e cocaína, que causava preocupação intensa de seus amigos mais íntimos, poderia ter causado um óbito na casa dos 55 anos de idade. Nessa época, o pai da atriz Maitê Proença, que assassinou a mãe dela em 1970, se tratava de câncer e, abalado com o sucesso da filha em comparação com seu crime, se suicidou em 1989.
Rumores indicam que Doca já sofre algum tipo de câncer, provavelmente de pulmão, desde o fim dos anos 80. Indício disso foi a tentativa de doar um rim a um sobrinho, em 1994, que foi em vão, porque o sobrinho faleceu com a rejeição do órgão doado.
Outro indício foi o esforço que os advogados fizeram para evitar a produção do filme Quem Ama Não Mata, no qual já haviam sido escolhidos os atores para fazer Doca e Ângela, respectivamente Alexandre Borges e Deborah Secco.
Pimenta Neves já havia sido noticiado, não pelo Estadão que o teve como chefe de redação, mas pelo portal IG, que em 2016 estava sofrendo de diabetes e suspeitas de câncer na próstata. Há quem diga que, pela ingestão excessiva de remédios, Pimenta já sofra de falência múltipla dos órgãos. O assassino de Sandra Gomide não seria mais forte que Heath Ledger.
Infelizmente, somos duramente criticados quando expomos as tragédias e fragilidades dos feminicidas conjugais. Acham que é raiva da impunidade deles. Não é. O fato é que, como eles cometem assassinatos sabem do risco desses atos, eles sofrem as consequências emocionais fortíssimas e pesadas, diante de um ato irreversível e que causa prejuízos gravíssimos à sociedade.
"Também morre quem atira", é o que diz o verso final de "Hey Joe", na versão do grupo O Rappa de uma canção do compositor Billy Roberts que, em sua letra original, se dirigia justamente a um homem que havia assassinado uma namorada por ciúmes doentios e havia fugido para outro lugar.
Pelas pressões emocionais, os homens que assassinam suas próprias namoradas, noivas e esposas e, às vezes, colegas de trabalho etc, são os que mais sofrem riscos de sofrer infartos fulminantes, acidentes de trânsito (sobretudo quando combina bebida e volante) e câncer. É só comparar os relatos médicos que indicam que os machistas que não cometem esses crimes já sofrem esses mesmos riscos. Imagine se cometessem.
Em tempos de convulsões sociais, então, os feminicidas desse tipo, conjugal ou afetivo, são jurados de morte em potencial, diante desse clima de ódio terrível, reprovável mas infelizmente muito frequente, que faz com que internautas ameacem de morte tais assassinos, que poderiam apenas viver o resto dos dias na cadeia. Um homem de São Paulo que mata a namorada pode ser morto por um internauta do Piauí, bastando este ler o jornal e se sentir atraído ao ver a foto da vítima.
São esses assassinos que produzem suas tragédias. Tirar a vida da própria mulher não é como quebrar um copo, as consequências são extremamente danosas e irreversíveis. E se o homicida inspirar atos semelhantes, pelo seu exemplo de impunidade, mais grave ainda, porque, para uma parcela de machistas doentios, o feminicida que saiu da cadeia é visto como "símbolo de sucesso e ascensão social".
Mas o Brasil é machista e seu moralismo é bastante seletivo. Muitos se arrepiam de imaginar que Doca e Pimenta podem morrer a qualquer momento, embora o país já tenha perdido gente muito importante e adorada. Perdemos Renato Russo, Elis Regina, Lauro Corona, Ayrton Senna.
Mais recentemente, Domingos Montagner era o galã admirado da TV e, num determinado dia, morreu afogado durante um mergulho arriscado. Perdemos quase todo o time da Chapecoense, criando uma baita comoção e tristeza. Mas não nos preparamos quando aquele burguês que assassinou a mulher pode morrer com 40 e poucos anos de um simples infarto. Nem a imprensa, que evita noticiar tais ocorrências, mesmo se o morto foi notícia nacional no último julgamento.
Essas pessoas se assustam quando temos que nos despedir de Doca e Pimenta, ou talvez imaginar que um promotor Igor Ferreira - que apresentou indícios de fraqueza extrema e abatimento físico, segundo relatos de testemunhas quando ele, que mandou matar Patrícia Aggio Longo, em 1998, estava foragido - possa também nos deixar de repente.
Só que são essas mesmas pessoas que torcem pela morte de petistas ou que fazem cara de desdém quando o "condenado" por um câncer maligno ou um infarto é um músico de rock. E o pior é que assassinar uma mulher vira um "diferencial" para as pessoas de repente se preocuparem com a tragédia. Se Pimenta Neves não tivesse cometido assassinato, ele poderia ter morrido ontem que as pessoas continuariam calmas e tocando a vida de certa forma.
Claro que devemos pensar o machismo com muito cuidado. Sem raivas, sem ódios, sem vinganças. A tragédia do feminicida é um efeito natural de seu ato, em muitos casos motivado pelo próprio descuido da saúde, como uso de drogas ou álcool, ou por uma fúria intensa que massacra o coração e injeta adrenalina no sangue.
Em outro sentido, sabendo da existência da reencarnação, o feminicida que porventura falecer prematuramente não deveria se desesperar, porque, em vez de tentar recuperar um nome "sujo na praça", poderia ter reencarnado em uma vida nova, recomeçada do nada e prevenindo erros. Se Doca Street tivesse morrido em 1989 e reencarnado dois anos depois, seria um jovem de 25 anos vivendo novas experiências, com outro nome e sem o peso de um velho nome apodrecido por um erro grave.
FUMAR CIGARRO - UM VÍCIO DE DOCA STREET POR TODA A VIDA.
Essas questões são muito complexas e o ideal, também, é rever a natureza das relações amorosas, já que a maioria esmagadora das relações conjugais estimuladas por nosso sistema de valores nunca valorizam a afinidade de personalidades. Pelo contrário, em nome das conveniências e da fantasia politicamente correta de "superar as diferenças", a sociedade empurra a formação de casais sem afinidade que, nos piores casos, quase sempre terminam de forma tensa e, às vezes, trágica.
A imprensa fez cobertura do caso Doca Street e Ângela Diniz como um fato passado e sem desdobramentos mais recentes. Quando muito, cita-se as entrevistas dele, que lançou o livro Mea Culpa há dez anos, dadas na época. Embora não parecesse, as coberturas feitas por jornais como O Globo e Folha de São Paulo soam como requiém a um machista que, aos olhos da sociedade plutocrática e moralista que retomou o poder este ano, é o "brasileiro que não pode morrer".
Mas se perdemos gente muito importante em 2016 - até mesmo um Leonard Cohen, com a mesma idade de Doca Street, 82 anos, se declarou "pronto para morrer" após lançar o último álbum - , porque o medo de tanta gente de, ao menos, se preparar para se despedir dos feminicidas?
Por ironia, morreu há poucos dias um Luís Carlos Ruas ("ruas", em inglês, significa streets), vítima de espancamento por dois homens já presos. Ruas havia defendido um travesti que estava sendo perseguido pelos dois valentões. Ironicamente, Street havia matado a esposa por suspeitá-la de ter um caso lésbico, e mais tarde a vítima teria uma homônima famosa, a Ângela Diniz que usaria o sobrenome risonho de Rô-Rô.
E isso ao longo dos anos em que o machismo mais agressivo se simbolizou num empresário cujo apelido combina o cais das águas com o asfalto das ruas e que matou a esposa a poucos quilômetros do túmulo de Casimiro de Abreu, poeta ultrarromântico que representou o oposto do macho agressivo e garanhão, pois ele havia sido um jovem sensível, humanista e saudoso da inocência da infância.
O jeito é orarmos por eles, nesse preparo para a partida, e desejarmos sorte para eles reencarnarem com novos nomes, talvez sem o status social da encarnação recente, mas com mas dignidade e o esquecimento dos atos gravíssimos da vida em encerramento.
Temos que nos despedir de Doca Street, de Pimenta Neves e outros machistas que já veem obsoletas as motivações de "defesa da honra" que os protegiam nos seus crimes. Hoje os crimes que eles cometeram são considerados hediondos e já não recebem mais o respaldo da sociedade. Esse machismo sanguinário, por mais que impulsione novos crimes, vive o seu crepúsculo social.
Vamos, portanto, nos despedir de Doca Street e desejar, de coração limpo, a ele muita boa sorte quando iniciar uma nova encarnação. O Brasil deve dar adeus a Doca Street.
#ÉFAKE: NOTÍCIA DIZENDO QUE DOCA STREET ESTÁ "MUITO ATIVO NAS REDES SOCIAIS" É FALSA
Reportagem de O Globo citando sobre os dez crimes que chocaram o Rio de Janeiro vieram com uma informação infundada a respeito de Doca Street. A matéria, de 22 de outubro de 2015, alegava que o empresário, aos 80 anos, estava "muito ativo nas redes sociais". Pura fake news, mesmo trazida por um órgão de imprensa oficial. A informação é #FAKE por diversos motivos:
1) Doca Street, doente por causa do alto consumo de cigarro e, no passado, de cocaína, não tem a energia física para uma plena atuação nas redes sociais, estando, a essas alturas, interessado mais em repouso;
2) Como um machista das antigas nascido nos anos 1930, Doca, de um tempo em que a TV engatinhava e o mais próximo que havia da Internet era o código Morse (telégrafo) de uso entre militares, não teria hoje o mesmo interesse pelo uso de Internet do que a geração de seus netos e bisnetos, seja por não ter a mesma vitalidade, seja porque não se identifica muito com a atual tecnologia digital. Não é qualquer Cid Moreira ou Renato Aragão com apetite para as redes sociais que surge a todo momento, ainda mais nos porões do machismo mais retrógrado;
3) Doca não iria de jeito algum entrar nas redes sociais, para não ser surpreendido por notícias ou comentários desagradáveis, direta ou indiretamente ligados à sua pessoa e ao crime que cometeu em 1976. Ele não tem energia física nem psicológica para encarar haters. Se youtubers como Whindersson Nunes sofrem depressão ao encarar as redes sociais, por que um velho feminicida nascido nos anos 1930, por sinal muito doente, seria capaz?
A essas alturas, se Doca visse uma mensagem de haters, poderia sofrer infarto, AVC ou mal súbito e morrer por isso. É esse motivo que o fez acionar advogados para barrar a pré-produção do filme Quem Ama Não Mata, sobre o assassinato de Ângela Diniz e a processar a Rede Globo por uma reportagem em 2005;
4) Em parte, Street é representado nas redes sociais pelo assessor de imprensa que trabalha em sua empresa (concessionária de automóveis). É muito comum que assessores de imprensa representem seus patrões nas atividades das redes sociais. É o assessor que está "muito ativo nas redes sociais", escrevendo informações de caráter profissional ou análise dos fatos da atualidade;
5) Em outro contexto, familiares também representam Doca nas redes sociais, com algum parente atuando em nome ele quando faz postagens de assuntos de natureza pessoal e familiar.
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