
HOMENAGEAR ALLAN KARDEC COM FILME SOBRE CHICO XAVIER SERIA O MESMO QUE HOMENAGEAR LULA EXIBINDO O FILME DA OPERAÇÃO LAVA JATO.
Folha de São Paulo, BBC Brasil, Canal Brasil. Esses e outros veículos pisaram na bola e marcaram gol contra ao tentarem homenagear Allan Kardec, recorrendo ao deturpador Francisco Cândido Xavier, cuja obra literária era o completo oposto aos postulados do Espiritismo original.
No caso do Canal Brasil, que exibiu os filmes Chico Xavier - O Filme e Menina Índigo (na carona da patética tese das "crianças-índigo", que só é levada a séria no Brasil, mas surgiu como farsa esotérica nos EUA), foi como homenagear Lula exibindo o filme Polícia Federal - A Lei é Para Todos, sobre a Operação Lava Jato. Ou então comemorar a redemocratização do Brasil exibindo o filme pró-ditadura, 1964 - Entre as Armas e os Livros, que causou uma grande confusão no Cinemark.
Todos usaram como pretexto os 150 anos de falecimento do pedagogo de Lyon, que foi em 31 de março de 1869, aos 65 anos incompletos, para reabilitar o demagogo de Pedro Leopoldo, que anda em séria crise de reputação, principalmente pela associação ao "médium" goiano João Teixeira de Faria, o João de Deus, que é acusado de vários crimes.
Chico Xavier, sabemos, abençoou João de Deus, em 1993, quando o goiano já praticava das suas nos bastidores. Como é que o "mestre visionário" não percebeu, mesmo em precária intuição, que estava abençoando um embuste, isso os chiquistas não conseguem explicar, e agora a Federação "Espírita" Brasileira, como quem livra de um anel precioso para preservar os dedos, descartou João de Deus, que quase foi adotado pela mesma instituição.
É terrível ver que há muitos Ulisses que preferem se afogar seguindo o canto-de-sereia do que se amarrarem no mastro para manter sua dignidade. Aqui os cantos-de-sereia não são trazidos pelas sereias, mas por um sinistro velhinho de aparência frágil mas muito, muito esperto. Se nem nossos semiólogos, que tem em Chico Xavier um imenso paiol de bombas semióticas para ser desmontado, conseguem resistir a essa traiçoeira tentação, é assustador.
CADÊ O LIVRO DE ATTILA PAES BARRETO?
Um livro que deveria voltar à tona é o fundamental O Enigma Chico Xavier Posto à Clara Luz do Dia, do jornalista Attila Paes Barreto. Importante documento de jornalismo investigativo, o livro de 1944 mostra o lado oculto do suposto médium, acusado de fraudes nas suas pretensas psicografias.
O livro aponta que as "psicografias" expressam o estilo pessoal de Chico Xavier, por mais que ele tentasse inventar diferenças aqui e ali, com a ajuda de dirigentes e editores da FEB. Attila também mostra seu trabalho de informar ao inicialmente deslumbrado escritor Agrippino Grieco que a suposta "obra espiritual" de Humberto de Campos era uma farsa.
A obra foi lançada, aliás, no calor do processo judicial dos herdeiros do autor maranhense contra Chico Xavier e contra a FEB, que estava na etapa do julgamento. O evento, que se ocorresse num país menos ingênuo, daria na prisão de Chico Xavier, foi no entanto beneficiado pela seletividade da Justiça, que inclui o prestígio religioso entre os privilégios sociais passíveis de impunidade.
Dessa forma, o juiz-suplente da 8ª Vara Criminal do Distrito Federal (então a cidade do Rio de Janeiro), João Frederico Mourão Russell, de repente "incorporou" o espírito lava-jateiro com sete décadas de antecedência, e disse que a ação judicial é "improcedente" e ainda cobrou custos advocatícios à coitada da viúva de Humberto, dona Catarina Vergolino de Campos.
Chico Xavier teve o sinal verde para fazer a festa. E, a partir dele, todo mundo pode pegar o morto que quiser, se passar por ele somente sob a condição de passar uma mensagem religiosa, para assim afastar qualquer desconfiança, pois num país de gente crédula como o Brasil, basta um farsante falar sobre Jesus Cristo, caridade e fraternidade para todo mundo acreditar nele e até juízes e policiais se aproximarem dele só para pedir conselhos e dar abraços e cumprimentos amistosos.
Mas o que João Frederico Mourão Russell se esqueceu é que a obra "psicográfica" que levava o nome do escritor maranhense era uma farsa. O estilo pessoal de Humberto de Campos estava tão ausente nas "psicografias", só havendo pálidas e raras semelhanças, que a gente perguntava se, sob seu nome, Chico Xavier não estava realizando (com seus parceiros terrenos da FEB) pastiches não do autor maranhense, mas dos quatro evangelistas, tamanho é o conteúdo bíblico dessas obras.
SE ESTIVESSE VIVO, ALLAN KARDEC TERIA REPROVADO HOMENAGEM
Poucos percebem que Allan Kardec reprovaria essa homenagem que mais parece lembrar de Chico Xavier do que do próprio Codificador. A "homenagem" apela para o ufanismo barato e, por isso, dá preferência ao deturpador, que sempre foi um beato católico dos mais ortodoxos, apesar de sua suposta paranormalidade.
Ora, pessoal, Kardec tinha o que fazer para ficar pensando qual país teria a missão para "promover a fraternidade". Além disso, essa lorota da "pátria do Evangelho" já foi tramada pelo Império Romano do Oriente, na pessoa do imperador Constantino, e deu no sanguinário período da Idade Média, com a Igreja Católica queimando hereges que se recusavam a aceitar seus "princípios sagrados".
A verdade é que a obra de Kardec apresentava alertas sobre diversos aspectos negativos que estariam associados aos maus médiuns: textos empolados, ideias mistificadoras, uso de nomes ilustres para enganar as pessoas etc. E tudo isso, de maneira surpreendente, se encaixa nas terríveis traquinagens de Chico Xavier, que se aproveitou de sua aparência, inicialmente de caipira esquisito, depois da de velhinho frágil, para promover suas carteiradas.
Ver que nossa imprensa não consegue investigar nem questionar, transformando suas reportagens em press-releases da FEB, estando mais a serviço de interesses religiosos (que envolvem, também, lucro, sob a desculpa de "doar para a caridade") do que ao interesse público, é preocupante.
E o pior é que houve tempo em que havia mais questionamentos na imprensa. Havia mais investigação, contestação, dúvidas. E olha que a informação não era tão acessível nem abrangente como hoje em dia, o que é lamentável. Com todos os recursos para mostrar aspectos estranhos em Chico Xavier, a nossa mídia se rende à tentação de seus apelos sedutores ligados a imagens traiçoeiras do "bombardeio de amor" (love bombing).
Se João de Deus assediou e estuprou mulheres e fez ameaças diversas a elas e a homens que decidiram denunciá-lo, Chico Xavier pode ter cometido assédios que, na aparência, soam física e psicologicamente menos violentos, mas, ainda assim, muito mais traiçoeiros e perigosos, porque chegam a travar o cérebro de muita gente boa. As paixões religiosas são verdadeiros pântanos da perdição.
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