
Parece um disco riscado. As pessoas falam que o "espiritismo" brasileiro "pratica a caridade", que Francisco Cândido Xavier "até errou muito, mas pelo menos fez caridade" e blablablá. Mas ninguém mesmo consegue explicar essa "caridade", que, se tivesse realmente ocorrido, teria levado o Brasil aos padrões escandinavos de vida.
Não tem como escapar. Afinal, a grandeza com que se fala dos "médiuns", a partir do próprio Chico Xavier, mesmo quando se admite que ele "era imperfeito", sugere que sua "caridade" pudesse trazer progressos bastante significativos para todos. E, o que é mais grave, como Chico Xavier tem uma projeção que ultrapassa os limites do "espiritismo", esse resultado deveria seguir o mesmo sentido.
Só que não. E não podemos dizer, aqui, que os "médiuns" não têm a obrigação de trazer resultados profundos. Só que quem diz isso cai em contradição. Achar que progressos sociais são só compromissos de governantes, neste contexto, é bastante simplório, porque, se fala-se tanto que um "médium" pratica "caridade", que "ele dedicou a vida ao próximo", mas como seus resultados são ínfimos seus seguidores, com muita hipocrisia, dizem "o resto é com os governantes".
Vamos parar de palhaçada. A verdade é que se atribui a um "médium" esse compromisso de promover progressos sociais. O "médium" fala em transformações planetárias, progresso brasileiro, regeneração da humanidade, e seus seguidores, um tanto idiotizados, não conseguem explicar por que os resultados dessa "caridade que transforma vidas" são tão medíocres e há bem menos vidas "transformadas" do que supõem as alegações comemorativas.
No entanto, essa "caridade" é duvidosa em vários aspectos. Primeiro, porque, em vez de ser a tão alardeada Assistência Social (caridade com profundos resultados sociais e que mexe nos privilégios dos ricos), o que vemos é o Assistencialismo (caridade de baixos resultados sociais, pontuais e medíocres, e que não encaram as verdadeiras desigualdades sociais).
Segundo, porque não é o "médium" que pratica caridade. Ele apenas pede aos outros que ajudem o próximo e o "médium", como uma cigarra se promovendo com o trabalho das formigas, "assina embaixo". Foi assim com Chico Xavier, com o agravante de que ele usava a "caridade" como escudo para esconder e dissimular seus atos mais negativos, como a usurpação dos nomes dos mortos, principalmente quando lançou Parnaso de Além-Túmulo, pioneiro na literatura fake.
O terceiro ponto é aliás um detalhamento deste aspecto. Afinal, a "caridade" torna-se um meio de promoção social. As pessoas pobres são só "um detalhe", servem apenas como figurantes do espetáculo em que o "benfeitor" é endeusado até quando não consegue fazer sua "filantropia". Confunde-se o "tentar fazer" com os "resultados obtidos" e é fácil culpar os outros quando a "caridade do médium" não atinge as metas desejadas.
TEOLOGIA DO SOFRIMENTO
A verdade é que a "caridade" de Chico Xavier e similares, digamos, o conjunto da obra do "espiritismo" brasileiro, nunca passou de uma grande falácia. As ações sempre foram nos limites iguais ou inferiores aos quadros de "filantropia" dos programas de televisão. Daí que Chico Xavier personifica aquela imagem de "filantropo" que mais parece personagem de dramaturgia, dentro daqueles apelos emocionais piegas que festejam demais o quase nada que o "filantropo" faz.
Ninguém consegue perceber que não existe caridade que beneficia mais um suposto benfeitor do que os mais necessitados? Ou que não existe caridade na qual o suposto benfeitor é glorificado antes que resultados concretos fossem divulgados? Ou que não existe caridade cujo resultado é o próprio suposto benfeitor, alvo de adoração, tanto explícita quanto dissimulada (no caso de admitir que "médiuns" sejam "imperfeitos" e "falíveis")?
Além dos questionamentos que acima mostramos, há também um ponto grave na figura de Chico Xavier e seus pares: a defesa da Teologia do Sofrimento. Ninguém do "movimento espírita" disse assumir a defesa da Teologia do Sofrimento, já que tanto posam de "modernos", "avançados" e "progressistas". Mas suas ideias dizem muito, principalmente a apologia ao sofrimento humano, ao qual se pede a aceitação sob o pretexto de obter as chamadas "bênçãos futuras".
Agora vamos imaginar uma coisa: de um grupo de dez pessoas, digamos que o "espiritismo" brasileiro alega ajudar uma (mas dentro dos limites paliativos do Assistencialismo) e as demais nove são aconselhadas a "segurar a barra" diante de uma avalanche de desgraças e até tragédias.
Pois é essa proporção que acontece e isso é muitíssimo grave. Enquanto um punhadinho de pobres é assistido parcialmente pelos "espíritas", que lhe dão apenas donativos e uma relativa "emancipação social" nos limites do Assistencialismo religioso (e, ainda assim, tendo em troca a adesão "espontânea" ao "espiritismo" brasileiro), multidões são "consoladas" com a falácia de que décadas de sofrimento darão lugar à "eternidade de bênçãos".
Imagine os grandes danos que são causados por essa pregação. Pessoas que perdem projetos de vida pela tragédia repentina ou pelas adversidades acumuladas sem controle. Pessoas que precisam suportar as humilhações e agressões recebidas, sofrendo danos morais e até físicos. Pessoas que com dificuldade fizeram planos de vida que foram simplesmente descartados. Como é que uma "religião da caridade" ainda vai pedir para esses sofredores agradecerem a Deus pela desgraça obtida?
MITO DA "CARIDADE" DERRUBADO
Isso simplesmente derruba o mito da "caridade" tão associado ao "espiritismo" brasileiro, criando um agravante a todo o "movimento espírita", principalmente à figura de Chico Xavier, que se torna um desgraçado e mesquinho através de suas pregações, comprovadamente escritas em seus livros, sobre a ideia de "aceitar o sofrimento extremo sem queixumes".
A coisa é ainda mais grave. Em várias passagens, Chico Xavier falava até mesmo da esperança de encarar novos sofrimentos na próxima encarnação, e, em uma delas, chegou a atribuir a "responsabilidade espiritual" ao poeta ultrarromântico Casimiro de Abreu, no poema "A Terra", em Parnaso do Além-Túmulo, no qual se descreve uma "esperança para sofrer e lutar".
A gravidade só aumenta. Chico Xavier apelava para a defesa da servidão - análoga ao que se reconhece como escravidão (na ironia do "espiritismo" brasileiro ter nascido sob a suposta bandeira do Abolicionismo) e como trabalho análogo à escravidão (trabalho exaustivo) na "reforma trabalhista" - e do sofrimento em diversos tipos, apresentando posturas pessoais ultraconservadoras, nas quais as posições pessoais do "médium" eram creditadas a autores literários já mortos por dois objetivos bastante traiçoeiros.
Um é fazer com que as opiniões pessoais de Chico Xavier se tornassem "menos pessoais", dando um caráter de pretensa universalidade das mesmas, na medida em que, supostamente, benfeitores espirituais estariam corroborando com seu pensamento.
Já outro é usar os nomes mais prestigiados, como os grandes nomes da literatura brasileira, para "concordar" com Chico Xavier e induzir a opinião pública a aceitar suas opiniões pessoais, porque se acredita serem compartilhadas por pessoas consideradas letradas e transmissoras de saber, mesmo através da arte.
Só que essa segunda atribuição é, na verdade, um gravíssimo erro que Allan Kardec havia alertado, com muita antecedência, em sua obra. O pedagogo francês chamava a atenção do perigo de que médiuns de baixa evolução usassem nomes ilustres para forçar a aceitação de pontos de vista mistificadores, de forma a fazer a opinião pública ser induzida a pensar assim, devido ao suposto respaldo de ideias tão retrógradas.
Como é que o pessoal não percebe isso em Chico Xavier, que personificou os males que a literatura kardeciana original havia alertado com décadas de antecedência? E só o fato do "médium" brasileiro apelar para a Teologia do Sofrimento - de forma não assumida no discurso, mas explícita em sua prática - já é uma porção de pontos a menos para sua suposta caridade, porque simplesmente através de tais ideias, ele sonega ajuda a um gigantesco contingente de sofredores.
As "consolações" vinham no sentido da procrastinação, ou seja, o adiamento de um projeto de vida para o fim de uma encarnação ou para a encarnação seguinte. "Não se preocupe. Que são décadas de desgraça diante da eternidade de bênçãos que virá em frente?", é uma mensagem frequentemente usada pelos "espíritas". Ou então outra: "Que importa se você é humilhado por quase todo mundo, diante de seu verdadeiro admirador que é Deus?".
Fala-se de "Deus" como se fosse um homem, uma forma antropomorfizada do que Kardec definia apenas como "causa primária de todas as coisas". Algo que depende de estudos sérios, de análises, e não de especulações idiotas como a que Divaldo Franco disse certa vez, ao manifestar sua concordância à crença católica de que "Deus é um homem", ainda mais no sentido masculino e patriarcalista da palavra "homem".
Portanto, só essa análise toda mostra o quanto o "espiritismo" brasileiro não se compromete com a verdadeira caridade. Prefere defender que as pessoas suportem desgraças e infortúnios, sob a desculpa de que "na vida futura terão algo melhor". E só isso derruba também a reputação do deturpador Chico Xavier, que nunca se comprometeu de verdade com a causa espírita e a usou apenas para inserir nela conceitos alienígenas originários do Catolicismo medieval.
Daí que temos que admitir que Chico Xavier NUNCA praticou caridade, e que as supostas ações nesse sentido foram feitas mais para alimentar sua promoção pessoal, mesmo através da falsa humildade, da falsa modéstia e do vitimismo que se proclama triunfalista, além de servir de escudo para se livrar de acusações de responsabilidade pelos graves delitos que o "médium" fez sob o rótulo do Espiritismo.
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