
Reagindo à polêmica causada por Divaldo Franco, que tornou-se amigo de João Dória Jr., definiu Jair Bolsonaro como uma "esperança para o Brasil", rejeitou a comunidade LGBTQ e o marxismo e definiu Sérgio Moro como "enviado do Plano Superior Divino", o "médium" baiano José Medrado procurou blindar o amigo conterrâneo da melhor forma que lhe é possível.
Em artigo publicado no dia 23 de outubro de 2019, no jornal A Tarde, de Salvador, respondendo a uma matéria da Veja de São Paulo creditada a 24 de outubro, mas lançada com cinco dias de antecedência, José Medrado desmentiu que o direitismo de Divaldo Franco tivesse valor doutrinário para o "espiritismo" brasileiro. Diz um trecho do artigo:
"Tem causado no meio espírita repercussão com controversas, as declarações do médium Divaldo Franco, no último fim de semana à revista Veja São Paulo, como vemos no site, com a manchete: “Médium de direita”. Ali afirmou, segundo as informações de Ana Carolina Soares, que “Bolsonaro representa uma esperança”, e continua “apesar de eu não aprovar o seu discurso a favor da tortura”. Com todo respeito que o companheiro de doutrina merece, mas entendemos que a exceção não deve ser pincelada apenas sob esta questão, à luz da doutrina espírita, mas muitas outras, como a apologia do armamento, bem como o enxovalhamento dos princípios da teoria de gênero, que mal-intencionadamente associou ao conceito de ideologia, a fim de deturpar a base conceitual do estudo acadêmico bem fundamentado".
O que José Medrado se esquece, como o integrante do "movimento espírita" brasileiro que, se considerando unificado, apesar das divergências, toma Francisco Cândido Xavier como referência maior - até mais do que o ultrabajulado Allan Kardec - , o que significa que as ideias conservadoras de Divaldo Franco encontram respaldo doutrinário brasileiro.
Devemos parar de ilusão e perceber que Espiritismo só é progressista na sua forma original francesa. Ativistas espíritas como Dora Incontri e Sérgio Aleixo seguem a linha francesa, e escreveram vários textos contrários à forma "catolicizada" que a Doutrina dos Espíritos recebeu no Brasil. Dora também alertou para o conservadorismo de Chico Xavier, que apoiou a ditadura militar e o AI-5.
O "espiritismo" brasileiro, que usa o eufemismo do Kardecismo, é que ganhou bases bastante conservadoras a partir do "médium" mineiro, mas antecipadas pelos ideias de Jean-Baptiste Roustaing que a Federação "Espírita" Brasileira acolheu com mais entusiasmo do que o cientificismo kardeciano, este impulsionado pelas influências do Iluminismo.
Tudo isso encontra respaldo nas ideias doutrinárias de Chico Xavier. A defesa do trabalho exaustivo, da Teologia do Sofrimento, da "cura gay" (ainda não sob esse nome), da conformação com a desgraça, tudo isso são pautas ultraconservadoras, similares às que Divaldo Franco expressou, e elas estão presentes nos livros doutrinários de Xavier, a título de "valiosas lições de vida".
Quem duvida disso é bom ler esses livros e não ficar interpretando o óbvio como se fosse uma metáfora. Não adianta brigar com a realidade através do pensamento desejoso. O direitismo do "espiritismo" brasileiro é fato, é realidade confirmada pela expressão escancarada de suas ideias e o reacionarismo de Divaldo encontrou precedente nas ideias que Chico Xavier sempre defendeu. É impossível escapar disso.
FILME MORALISTA
A propósito, o cineasta Clóvis Mello, animado com o (morno) sucesso do filme Divaldo - Mensageiro da Paz, que dirigiu e teve um elenco de astros da Rede Globo, pretende agora roteirizar e dirigir um novo filme, usando um livro de Divaldo Franco, Sexo e Consciência, de 2013. Clóvis anda tão entusiasmado que cometeu esse exagero de definir como "científico" o conteúdo do livro:
"Meu sonho é tirar os filmes com a temática espírita da prateleira dos religiosos. Não se trata de fé. O que Divaldo apresenta são fatos científicos".
O referido livro fala de questões óbvias sobre bebida, sexo e drogas. Mas são abordagens moralistas, e os fatos científicos apenas aparecem aqui como a água que aparece jorrando de um bebedouro. Ninguém está querendo dizer que está "estudando Ciência" quando se está com sede e bebe água num bebedouro de um estabelecimento comercial, médico ou de ensino.
A definição de que "Divaldo apresenta fatos científicos" é, nesse sentido, bastante risível, até porque, nos livros, Divaldo Franco se aproxima mais de devaneios igrejistas do que nas entrevistas da TV e nas palestras, nas quais pelo menos tenta enganar com uma retórica de falso cientificismo.
Ora, todo mundo que tem mais de dois neurônios sabe que um filme como Sexo e Consciência, ainda que se sentisse admiração pela sua trama, será um dramalhão moralista. Os filmes "espíritas", aliás, são muito religiosos, até se mostrassem uma equipe de físicos realizando testes com bactérias.
Afinal, não são os "espíritas" brasileiros, a partir do exemplo de Chico Xavier, e, por associação, de Divaldo Franco, que se empenham tanto em pôr a Fé acima da Razão, apenas aceitando o conhecimento científico nos limites que não ameacem os âmbitos da "fé espírita"? Clóvis Mello tem que engolir a ideia de que os filmes "espíritas" são sempre religiosos. E dos mais igrejistas. Essa sim é uma tese cientificamente confirmada, pela análise semiológica de suas narrativas.
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