
Virou um fenômeno triste considerar que o Brasil considera a ignorância uma "virtude". A Internet está cheia de gente ignorante, escrevendo aquilo que não sabe, tentando justificar sua burrice com falsas argumentações revestidas de um verniz "intelectual" - as pessoas ignorantes têm aquela mania de cobrar dos outros uma "explicação científica" da realidade que desagrada a gente ignorante - , com direito a "referências bibliográficas" nos blogs e tudo.
O Brasil vive uma série de dilemas. As transformações do mundo estão sendo renegadas pelos brasileiros. O golpe político de 2016, aliado à vitória eleitoral do impensável Jair Bolsonaro - que há três décadas era somente um militar desordeiro que ameaçava explodir quartéis - , mostrou que a sociedade brasileira tornou-se psicopata, no desespero de recusar as mudanças ocorridas no planeta.
Se chegamos ao ponto de muitos brasileiros se irritarem quando se fala que um velho feminicida, pelos seus descuidos pessoais à saúde, está morrendo - eles preferem processar o pulmão e o câncer por "tentativa de homicídio" do que admitir a fragilidade física de um machista, preço cobrado pela Natureza aos vícios por ele cometidos - , então o Brasil virou um grande hospício.
É lamentável que, enquanto em países como Polônia, Suécia, República Tcheca e Coreia do Sul, o surrealismo trágico é obra de ficção, aqui no Brasil esse surrealismo é a realidade. O que vemos muitas vezes é gente "administrando" sua estupidez e burrice com arremedos de argumentação intelectual, exigindo "fundamento científico" excessivamente severo para fazê-los tirar de suas fantasias de um "mundo caótico onde dá para sobreviver".
Quantas atrocidades intelectuais são publicadas nas redes sociais, nos fóruns do UOL, BOL e G1, ou mesmo na mídia alternativa? Quantos sábios frustrados vivem no terreno baldio de suas convicções e que, quando encaram um texto que vai contra esse "mundo encantado de uma imperfeição suportável", exigem "rigor lógico acima da Lógica" para admitir o fim de suas ilusões. De preferência, com fórmulas matemáticas e cálculos científicos muitíssimo complicados.
Além disso, existe uma contradição séria desses "intelectuais de Facebook", que no Espiritismo ganham a forma dos "isentões espíritas" e seu apetite desmedido de argumentar para ter a posse da "palavra final" (ou seja, a "posse da verdade", que eles nunca assumem no discurso).
No caso de Francisco Cândido Xavier, só para citar o próprio "espiritismo" brasileiro, os "isentões" aceitam que aspectos que lhes são positivos e agradáveis sejam aceitos sem qualquer fundamentação científica. Sobre sua suposta caridade, que nunca contribuiu para um Brasil melhor - e isso confirmamos com a crise que quase nunca se supera há quatro décadas (as tentativas de superação vieram fora do âmbito chiquista, vindo do Partido dos Trabalhadores) - , as pessoas aceitam tudo sem qualquer fundamentação.
As pessoas se limitam a dizer ideias vagas e soltas: "Chico Xavier ajudou muita gente", "Milhares de pessoas foram beneficiadas pelo médium", "A caridade de Chico Xavier aliviou a vida de muitos brasileiros", "Chico Xavier enxugou lágrimas de muitas famílias", "Chico Xavier só viveu pelo amor ao próximo". Tudo vago, tudo impreciso, tudo sem qualquer confirmação.
Ninguém pergunta quantas pessoas REALMENTE foram ajudadas. Ninguém pergunta quanto dinheiro foi aplicado, ninguém pede o rigor dos dados, mesmo quando se trata de progresso humano, coisa que a gente nunca viu por iniciativa de Chico Xavier e que muitos aceitam pela palavra vaga, pelo rumor emocionalmente exaltado, pela falta de objetividade nessas alegações.
Claro, quando tudo é agradável e não ameaça a tranquilidade das pessoas, nem precisa exigir qualquer fundamentação. Mas quando a tranquilidade é ameaçada, se exige tanta fundamentação, tanto rigor acadêmico, que chega a ser uma espécie de "pós-lógica", quando a Razão precisa ser mais complexa, quando só o inexplicável explica o que está em desacordo com a lógica.
Sabemos que os "isentões espíritas" nem estão aí para o rigor da lógica de Allan Kardec. Os "isentões", que se gabam de ter em mãos "a visão mais objetiva da realidade", mesmo com seus pontos de vista equivocados, acham que Kardec "excedeu demais na lógica" e preferem acreditar que tem coisas que escapam do raciocínio lógico. Vai que eles acreditam que é possível tomar um chopinho em Nosso Lar, não é mesmo?
As pessoas estão presas em valores culturais próprios da época do governo Ernesto Geisel e tentam a todo custo preservar esse "patrimônio" ideológico. Surtam quando veem que isso não é possível e daí vemos internautas "falando grosso" cobrando rigor excessivo em qualquer raciocínio questionador, de forma que fatos aberrantes só tenham que ser explicados pelo inexplicável e pelo incompreensível. Como a "psicografia" de Chico Xavier que, segundo o acadêmico Alexandre Caroli Rocha, é um "problema matemático".
As pessoas estão apegadas a um sistema de valores marcado pela mediocridade, com suas cotas de prejuízos, sordidez, tragédias e retrocessos considerados "suportáveis", por mais nocivos que pareçam. Abrir mão dessa cota de malefícios chega a ofender muita gente, que depende dessa parcela de aspectos negativos para "dar graça" às suas vidas, garantir um caráter mais pragmático e dar a falsa impressão de que somos todos "gente como a gente".
O maior problema no Brasil é esse: tem gente falando demais sobre aquilo que não sabe, e se impondo como "verdade absoluta", embora um discurso bem construído tente desmentir essa ideia. Devemos rever esses valores que tentam sobreviver à custa de falácias, fake news, ataques de ódio na Internet, desculpas pedantes e coisa parecida. Há muita burrice travestida de inteligência, num país em que é virtude ser ignorante e é maravilhoso sofrer retrocessos. Isso tem que acabar, ainda que doa para muita gente acostumada com esse "complexo de vira-lata" de suas vidas.
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