Um texto que provavelmente foi publicado numa dessas coletâneas de "histórias lindas" sobre Francisco Cândido Xavier mostra, por acidente, a perversidade do "médium" em relação a um esfomeado que, desesperado, quer levar três cestas básicas, em vez de uma. Tomado de seu juízo de valor, o "médium" que condenava a maledicência dos outros apareceu maldizendo o pobre coitado. Vejamos essa passagem, publicada nas redes sociais:
"QUEM ENGANA É O ENGANADO
Chico Xavier, certa vez, quando fazia a distribuição de cestas básicas em um bairro carente, chegou uma mulher gritando e dizendo: - Chico, Chico! O fulano, já passou 3 vezes na fila para pegar a cesta básica. Ele não precisa.
Chico, com um sorriso no rosto disse:
- Deixe, minha filha! Ele está treinando para a encarnação futura.
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Chico, sabiamente quis dizer que, ninguém engana ninguém, nós enganamos nós mesmos. Pois, nossas ações podem nos dar vantagens materiais hoje, mas nos darão desvantagens espirituais no futuro.
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As vezes, somente diante da dor e do sofrimento, despertamos para o progresso material e espiritual.
Se este despertamento não acontecer nesta vida acontecerá numa próxima encarnação.
Podemos enganar muitas pessoas, mas nunca a lei divina. Então, façamos a nossa parte.
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Aquele que nos enganar é o grande enganado. Está plantando o que terá que colher.
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Sabiamente explicado".
Só a cegueira emotiva dos chiquistas - consideramos "chiquista" todo aquele que, independente do credo e do envolvimento beato, dá alguma consideração a Chico Xavier - diz que sua atitude foi "sábia", quando a verdade é que Chico Xavier, com seu cinismo sorridente, sugere rogar para o infeliz uma "encarnação futura" cheia de pesadas dívidas morais.
Os chiquistas, que adoram serem enganados por Chico Xavier - que deu seu péssimo exemplo traindo os postulados espíritas originais em prol de uma catolicização a níveis e padrões medievais - , se esquecem do desespero do sujeito que, entrando na fila três vezes, necessita arrecadar mais comida do que aquela "quantidade necessária" distribuída para ele.
Chico Xavier agiu com muita perversidade, insensibilidade e desrespeito humano. Em seu julgamento de valor, alegava que o sujeito pegava três cestas básicas somente para si. Ignora o "médium" - cuja imagem pessoal de "pobreza e humildade" é mais falsa do que uma nota de R$ 3 - que o sujeito fazia isso porque estava desesperado, com uma família muito numerosa para sustentar.
Mas aí vemos o quanto a farsa da "caridade" e da "bondade infinita" de Chico Xavier foram derrubadas em poucos minutos, desmascarando o grande farsante, o grande oportunista que o "médium", ou melhor, o anti-médium (ele queria ser o centro das atenções, não o intermediário entre os vivos e os mortos) sempre foi.
Chico Xavier não teve o menor interesse em oferecer ajuda para o infeliz, nem em perguntar por que ele queria "mais do que o necessário". Ele preferiu deixar ele cometer seu "abuso", não por generosidade, mas por uma permissividade traiçoeira, resmungando com sorriso cínico que o miserável, ao "treinar para a encarnação futura", estava "se preparando", segundo o juízo de valor de Xavier, para "suportar, na vida futura, as consequências drásticas dos atos na vida presente".
E Chico Xavier nunca faria esse comentário quando as elites do poder financeiro cometem roubos abusivos, travestidos da "legalidade capitalista". A eles, embora Chico Xavier diga, pela letra morta (ou "desencarnada"?), que os muito ricos são "os miseráveis da alma" a "acertar contas na vida futura", os comentários são muito mais delicados e amenos.
E vamos admitir que a "caridade" de Chico Xavier nunca foi grande coisa, sendo um precedente da filantropia fajuta que Luciano Huck - que assumidamente se afirma como seguidor do "médium" - pratica hoje, sendo pretensas ações de bondade que só trazem como real efeito a promoção pessoal do suposto benfeitor, enquanto os pobres são tratados de forma pior que a de um animal doméstico recebendo umas poucas rações animais.
Só que aí perguntamos: e o Chico Xavier, também não fez o mesmo para alcançar degraus para a pretensa santificação de sua pessoa? Ele não tinha o conforto e a vida social em bons termos para se contentar em viver no anonimato? Mas sua ganância metafísica julgava que, fingindo renunciar da riqueza financeira (na verdade, ele a transferiu para os chefões da FEB), iria conquistar as riquezas do Céu, como se elas fossem iguais às da Terra.
Chico Xavier foi um grande enganador, um farsante dos mais preocupantes e vergonhosos. E como todo farsante, ele adorava julgar os argueiros nos olhos dos outros, ou mesmo a lucidez de quem ia contra os seus interesses pessoais.
No primeiro caso, o desespero do miserável, no episódio acima citado, que na sua inocência queria pegar mais do que lhe era oferecido por saber muito bem que os mantimentos se esgotavam em pouquíssimos dias - enquanto os festejos da "caridade espírita" duram até um ano em relação ao ato paliativo realizado - , era visto como "ato de enganador". Muito cruel Chico Xavier, com sua insensibilidade risonha, fazer um julgamento de valor contra um pobre homem!
No segundo caso, temos a justa desconfiança dos amigos de Jair Presente que estranharam as linguagens, seja igrejista ou neurótica, das supostas psicografias que carregavam o nome do finado companheiro. Desmentindo a imagem de "mansidão infinita", Chico Xavier se irritou e respondeu de forma ríspida que a desconfiança dos amigos do jovem engenheiro era "bobagem da grossa".
Esse texto que aqui publicamos mostra o quanto a "bondade infinita" de Chico Xavier é conversa para boi dormir, pois, se ele não impediu um miserável de pegar mais cestas básicas, mesmo assim o "bondoso médium" investiu em maledicência, com uma sutileza tão astuciosa que nem parece um comentário ofensivo. Mas é, e dos piores. Daí que os piores venenos que existem são justamente aqueles que são doces e saborosos.
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