A concessão do título de "herói da Pátria" a Francisco Cândido Xavier é uma operação psicológica que busca reforçar as paixões religiosas e a emotividade tóxica que permite abafar as tensões sociais e esquecer da necessidade de tirar o presidente Jair Bolsonaro do poder.
Solicitada por um deputado bolsonarista, Franco Cartafina - através do que hoje é conhecida a Lei 14.201/2021 - que deu conta do seu recado quando disse SIM para a PL da Grilagem, ou seja, que libera os latifundiários de obter abusivamente mais terras para concentrar o seu poder, a petição para que Chico Xavier entrasse no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria desmascara o suposto humanismo, pelo contexto em que o título foi concedido.
Independente de quem esteja presente no tal "livro de aço", como é conhecido o referido volume, o que importa observar no dito "senso comum" é que o contexto da concessão do título nada tem de humanista nem de qualquer virtude espiritualista que fosse cogitada.
No contexto atual, de um bolsonarismo resistente e resiliente, quem são os "heróis da Pátria"? Paulo Freire, Irmã Dulce, Profeta Gentileza, Dom Paulo Evaristo Arns (que faria hoje cem anos)? Não, de jeito nenhum.
No contexto atual, "heróis da Pátria" são Borba Gato, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o general Emílio Garrastazu Médici, o também general Duque de Caxias. Supostos heróis que ficam entre um ufanismo militar ou justiceiro e um assistencialismo religioso de baixíssimos resultados sociais.
As próprias alegações para a concessão do título a Chico Xavier são muito vagas e a defesa de sua suposta caridade é sempre superficial, com alegações imprecisas, sem um pingo de provas e sem qualquer tipo de fundamentação ou embasamento. São coisas do nível desse parágrafo com texto meramente especulativo publicado pela matéria do G1 a respeito do evento:
"(...) Até hoje, a figura do médium é associada a mensagens de fé, amor e esperança, obras de caridade e divulgação da doutrina espírita mundo afora.
Ele é considerado um dos maiores médiuns da história, com intensa dedicação à psicografia. Expoente da Doutrina Espírita no Brasil, lançou mais de 400 livros espíritas e cedeu os direitos autorais de todas as obras para instituições de caridade. Chico Xavier foi indicado ao prêmio Nobel da Paz na década de 1980".
Textos assim carecem de embasamentos, provas, de qualquer objetividade. São alegações trazidas pelo apelo emotivo, e em muitos casos trazem até mesmo informações erradas, como tratar como virtude a "divulgação da doutrina espírita mundo afora".
Primeiro, Chico Xavier não divulgou a Doutrina Espírita pelo resto do mundo. Fora do Brasil, ele só é reconhecido por colônias de brasileiros que fazem lobby em meios espiritólicos da Europa e EUA, como um baixo clero de uma religiosidade de ultimésima categoria. Chico Xavier não tem, no exterior, um pingo da popularidade que ele tem hoje, se bem que ele já começa a "derreter", como um "Sérgio Moro do espiritualismo".
Além disso, se lermos O Livro dos Médiuns, veremos que muitos dos pontos reprovados pela obra kardeciana correspondem a muitas práticas de Chico Xavier. Em outras palavras, ele ensinou pessimamente e teria sido melhor que ele não tivesse divulgado a doutrina, porque ele fez tudo errado. Até a "profecia da data-limite" seria rejeitada com severidade pela referida obra.
O próprio livro kardeciano alerta para espíritos levianos que costumam ser bastante escrevinhadores. O livro fala dos desencarnados, mas a ideia se aplica também aos encarnados, que são espíritos com corpo. A mania de escrever um excedente de textos é de natureza de espíritos mistificadores e de natureza moral inferior, que usam esse recurso para dominar as pessoas, forjando falsa sabedoria, intimidando os leitores com falsos alertas morais e explorando a fé humana de maneira mais traiçoeira possível.
Daí que os mais de 400 livros de Chico Xavier são um lixo que deveria ser incinerado em algum grande forno, se as pessoas tiverem um pouco de escrúpulos e de lucidez. Não dá sequer para doar nem para vender, porque se tratam de aberrantes documentos da mistificação mais perversa, na medida em que pede para os oprimidos sofrerem calados as piores desgraças.
A concessão do título de "herói da Pátria" é um festival de novas bombas semióticas, mas desta vez já não conseguindo mais esconder a comparação entre o chiquismo e o bolsonarismo. A aproximação formal do "movimento espírita" com Jair Bolsonaro é uma realidade que se confirma mais e mais, o que confirma a semelhança dos mitos de Chico Xavier e de Jair Bolsonaro, que sancionou feliz da vida a iniciativa de Cartafila.
Em primeiro lugar, o contexto de "herói" tem uma carga ideológica voltada ao ultraconservadorismo bolsonarista, que gosta de palavras desse tipo. Seria uma glorificação de pessoas supostamente guerreiras, mas que na verdade zelam para a manutenção do status quo e a falsa resolução de desigualdades sociais, ora pela violência genocida, ora pela caridade paliativa.
Estamos sob um estado de espírito (olha o trocadilho) em que o conservadorismo político se torna dominante, a despeito de uma ingênua e crédula Erika Kokay, deputada federal do PT que, ao passar pano em Chico Xavier, foi como se a parlamentar estivesse escrito em sua testa "Bolsonaro 2022".
Não há como usar como desculpa a presença de figuras progressistas, como Zuzu Angel e Leonel Brizola, só para dizer que a concessão do título a Chico Xavier não tem a ver com reacionarismo. O contexto atual é o do bolsonarismo, e é este contexto que faz com que um "médium de direita" seja considerado "herói da Pátria", pela vontade pessoal de um parlamentar do PP de Uberaba.
É claro que tem tanta gente conservadora que, ao prestar alguma consideração a Chico Xavier, tenta fugir de qualquer rotulação de direitista, e Franco Cartafina - que só votou "não" à minirreforma trabalhista porque já basta o que foi feito na reforma trabalhista de Temer, se precarizar demais o mercado fica sem consumidor - é um desses exemplos que agora carregam a imagem de "humanista" até mesmo de setores ingênuos e tolos das esquerdas.
A ideia do título é para abafar as tensões sociais e "segurar" Jair Bolsonaro dentro de um clima de paz forçada. Com isso, tem-se a figura de Chico Xavier, que já serviu de cortina de fumaça para as tensões da ditadura militar, há mais de 40 anos, e agora é utilizado sob o mesmo fim, anestesiando uma considerável parcela de brasileiros.
A iniciativa também visa barrar a ascensão de Luís Inácio Lula da Silva, considerado favorito nas pesquisas eleitorais, e que Chico Xavier, pioneiro antipetista, já rejeitava em vida. Seria um meio de abafar a gravidade do bolsonarismo com a evocação de um ídolo religioso que distrai e aliena as massas, impedindo que os protestos populares, já muito raros, se ampliem cada vez mais.
Devemos lembrar, mais uma vez, que a concessão de título de "herói da Pátria" a Chico Xavier só serve mesmo para perpetuar e manter a emotividade tóxica das paixões religiosas, que promovem a adoração cega e fanática ao "médium". Nada tem a ver com humanismo nem progressismo, mas de um processo de promover o fundamentalismo religioso à brasileira. E nada como esta operação psicológica (PsyOp) tramada por um deputado direitista de Uberaba, um dos maiores redutos bolsonaistas de Minas Gerais.
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