JAIR BOLSONARO E CHICO XAVIER - Dois lados de uma mesma moeda reacionária.
A suposta "guinada" do "movimento espírita" para um apoio mais explícito ao governo Jair Bolsonaro, dando sequência ao apoio dado ao golpe de 2016 e ao governo Michel Temer, não pode ser entendida como um "acidente de percurso" nem como uma postura que, só para parafrasear um discurso recente do presidente, foi "decorrente do calor do momento".
Devemos admitir que o "espiritismo" brasileiro sempre foi conservador e esse conservadorismo foi reforçado, em 1932, com as primeiras obras de Francisco Cândido Xavier. O conservadorismo de Chico Xavier é uma realidade indiscutível e comprovada em diversas circunstâncias e no contexto da sociedade em que viveu, e mesmo o mais hercúleo esforço do pensamento desejoso em definir o "médium" da maneira oposta pode até ser muitíssimo agradável, mas não encontra respaldo na lógica nem na realidade dos fatos.
Chico Xavier foi criado numa sociedade ultraconservadora. Seu catolicismo, em que pese seus surtos de suposta paranormalidade, era tão ortodoxo quanto o daqueles que o excomungaram. Seu moralismo é tao retrógrado que se fundamenta na Teologia do Sofrimento, corrente radical do Catolicismo da Idade Média. Ninguém declarou essa constatação formalmente, mas as ideias de Chico Xavier estão em exato acordo com as ideias trazidas pelos que defendem a aceitação da própria desgraça e do próprio prejuízo humano como "atalhos" para "se chegar a Deus".
São ideias muito explícitas, das quais selecionamos as principais, só para os iniciantes terem uma ideia. E seus livros, desde Parnaso de Além-Túmulo até seus derradeiros escritos, revelam sempre aquele apelo ultraconservador: evitar reclamar da vida, não fazer críticas, não exercer o senso crítico e muito menos interromper a felicidade dos privilegiados ao alertar sobre seu sofrimento.
Chico Xavier defendia tanto a servidão que não dá para entender por que colunas a seu favor eram difundidas em jornais trabalhistas ou porque as esquerdas manifestaram alguma consideração por ele. Consideramos que essa ingênua postura das esquerdas apoiarem Chico Xavier se dá pela fachada de humildade e fragilidade que o "médium" tinha, e porque o "espiritismo" brasileiro se apresenta com um caráter "novidadeiro", mesmo quando foi uma das religiões utilizadas pela ditadura militar para enfraquecer o combativismo de católicos progressistas.
MAIORIA DOS QUE "ESQUERDIZARAM" O MITO DE CHICO XAVIER SÃO DE PESSOAS JOVENS, NÃO NASCIDAS NA ÉPOCA DO "PINGA-FOGO"
Hoje muita gente vê, com surpresa, Divaldo Franco manifestar seu apoio entusiasmado a Jair Bolsonaro. Outro bolsonarista, Carlos Baccelli, já é subestimado, uma vez que setores do "espiritismo" brasileiro depreciam essa pessoa, por questões particulares ou de caráter ideológico, pois este "médium" de Uberaba, além de não ser carismático, é explícito demais no seu reacionarismo. Os dois "médiuns" divulgaram mensagens pretensamente espirituais, respectivamente atribuídas a Marechal Deodoro e Dom Pedro II, convidando os bolsonaristas a comparecer às ruas no último Sete de Setembro.
No entanto, o reacionarismo dos dois é "fichinha" diante do reacionarismo radical que Chico Xavier, bem diferente da imagem de "fada-madrinha" que o sustenta no imaginário da maioria dos brasileiros, manifestou em 1971 e 1972.
O reacionarismo de Chico Xavier era explosivo. É uma constatação desagradável, porque vai contra sua imagem de "fada-madrinha" hoje cultuada até por simpatizantes "isentos". Mas é algo que a realidade dos fatos pôde registrar e o vídeo do Pinga-Fogo, programa da TV Tupi, sobreviveu entre tantos acervos televisivos que hoje são considerados perdidos.
No programa, em 1971, Chico Xavier exaltou os generais e dizia que as Forças Armadas estavam construindo no Brasil um "reino de amor" para o futuro. Por associação, entre os militares empenhados nessa missão "iluminada" estavam o tenebroso coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ídolo de Jair Bolsonaro, que era tão cruel que ele mesmo agredia os próprios presos políticos e levava crianças pequenas a assistirem às sessões de tortura desses detidos.
Chico Xavier, contrariando o mito humanista, defendeu o AI-5 com o mesmo apelo típico de todo direitista: o de que a repressão e a tortura seriam "necessários" para "combater o caos", eufenismo para ações radicais de oposição e combate à ditadura. No Pinga-Fogo, o "médium" repetia o discurso hidrófobo dos defensores do golpe de 1964, fazendo comentários duros contra camponeses, operários e, pasmem, até os sem-teto.
Para as esquerdas que pensam que Chico Xavier era alma-gêmea de Lula, devemos lembrar que, além do "médium" ter esculhambado outro ex-presidente, João Goulart, no Pinga-Fogo, de 1989 até o fim da vida, o dito "maior médium do Brasil" manifestava seu profundo horror em imaginar o petista governando o Brasil. Xavier morreu em 2002 sem precisar ficar horrorizado com o que iria ocorrer em 2003.
Chico Xavier defendeu tanto a ditadura militar que recebeu, da Escola Superior de Guerra, condecoração e espaço para palestras. A ESG nunca faria isso para quem não fosse colaborador da ditadura militar. Se isso foi feito para Chico Xavier, é porque o "médium" colaborou com a ditadura militar. A tese acadêmica de Ronaldo Terra soa, portanto, imbecil ao supor que Chico Xavier defendeu os generais por conta da "santidade do médium", até por não ter sustentação logica alguma.
A maioria das pessoas que não consegue admitir o reacionarismo de Chico Xavier, mesmo quando ele se torna explícito até na sua obra doutrinária, onde até mesmo a defesa do trabalho servil e da obediência cega aos superiores (mesmo quando eles se tornam abusivos), é em maioria muito jovem, mas pode ser também de gente um pouco mais velha, sob certas condições. Vamos mencionar esses tipos:
1) Os mais jovens, nascidos depois do Pinga-Fogo, não puderam vivenciar sequer o impacto que Chico Xavier causou com seu reacionarismo, nem mesmo através do contato com seus familiares mais velhos, e estão acostumados mais com a imagem do "Chico Xavier fada-madrinha" que a mídia passou a difundir de meados os anos 1970 para cá;
2) Pessoas que eram muito crianças quando houve o programa Pinga-Fogo também não tinham consciência plena do reacionarismo de Chico Xavier, devido à pouca idade e menor tempo de vivência, estando também sujeitas a acolher o mito de "fada-madrinha" que o "médium" passou a gozar depois;
3) Pessoas consideradas "leigas" e que eram adultas na época do Pinga-Fogo e que, apesar da formação conservadora, tinham uma visão positivista da religião, e imaginavam que o apoio de Chico Xavier à ditadura militar foi um "acidente de percurso" ou algo "decorrente do calor do momento".Imaginam que a atitude foi circunstancial e que o "médium" teria "aprendido e se arrependido" do ato, mesmo que nenhuma prova haja a respeito disso;
4) Pessoas com formação liberal e que, migrando para a esquerda em 2002, adaptaram o mito de Chico Xavier como "fada-madrinha" para pretextos supostamente esquerdistas. Independente de terem nascido na época ou depois do Pinga-Fogo, chegaram a definir Chico Xavier como "progressista" e uns, com certo exagero, até como "marxista", por conta de qualidades artificialmente forjadas, como a suposta caridade do "médium", muito glorificada mas sem prova alguma que fosse consistente.
Estes tipos mostram o quanto a memória curta permite que um suposto médium que, em vida, foi um dos reacionários mais radicais de toda a História do Brasil, tenha sua imagem reconstruída de forma artificial, produzindo um mito adocicado - e, nos últimos tempos, tido como "imperfeito, mas bom" - que faz com que Chico Xavier seja livrado de culpa dos surtos reacionários do "movimento espírita" nos últimos anos.
Só que essa absolvição é errônea, uma vez que, relembrando rigorosamente e detalhadamente os fatos, veremos que todo o reacionarismo atual do "movimento espírita" encontra sua fonte doutrinária justamente na obra e nos depoimentos de Chico Xavier, que, mediante uma leitura mais cautelosa dos livros, além dos limites dos memes agradáveis da Internet, se revela um dos mais convictos obscurantistas sociais que o Brasil teve em toda a sua História.
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