DEFINIDA COMO UMA DAS MAIS ELEGANTES DA SOCIEDADE MINEIRA, JÔ SOUZA LIMA FOI MAIS TARDE ASSASSINADA PEO MARIDO ROBERTO LOBATO, QUE FOI ABSOLVIDO POR "LEGITIMA DEFESA DE HONRA", TESE CONSIDERADA INCONSTITUCIONAL PELA JUSTIÇA BRASILEIRA.
A última tábua de salvação da reputação dos feminicidas foi derrubada por uma votação unânime pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. A tese da "legítima defesa de honra", que tanto livrou da cadeia os homens de vantajosa posição social que mataram suas próprias mulheres, agora não tem a menor serventia jurídica.
Os feminicidas ainda se mantém com sangue de barata, acreditando que não será levada a sério a condenação a 30 anos de prisão em regime fechado, a possibilidade de indenizar familiares da vítima e perder a guarda dos filhos, se for o caso. Se bem que a pena de prisão deveria ser ampliada para 50 anos de prisão, ainda que o aumento da expectativa de vida não beneficie muito os feminicidas, que, o máximo, tendem a viver apenas 80% da expectativa de vida de um brasileiro comum, que é de 76 anos (a de um feminicida considerado "saudável" é de 61 anos).
Aliás, os próprios feminicidas têm que lidar com a tragédia, que o moralismo da sociedade brasileira - ainda marcada, até hoje, por preconceitos e ilusões conservadores oriundos da ditadura militar - julga impossível, pois, numa sociedade marcadamente patriarcalista, não se pode dizer que um machista, ainda mais um feminicida, possa morrer de grave doença ou mesmo falecer mais cedo.
Já foi vergonhoso a sociedade reagir com surpresa o falecimento de Doca Street, que, dizia-se, foi "infartado" pela repercussão de um podcast sobre sua vítima, Ângela Diniz. Doca, na verdade, teria escondido um câncer contra o qual lutou por mais de três décadas, tendo que buscar outras fontes de renda para não zerar sua grande fortuna, fontes que iam da produção de um livro (que encalhou) até um processo judicial contra a Rede Globo, por conta de uma matéria sobre o famoso crime, passando por fake news de que Doca, aos 81 anos, teria virado "influenciador digital".
Numa época em que as fake news invadiram a imprensa corporativa, inventouse que Doca Street, octogenário, estaria "muito ativo na Internet", sugerindo que ele teria criado um canal nas redes sociais. Mas isso era impossível, uma vez que Doca estaria fisicamente frágil e psicologicamente abalado para enfrentar haters na Internet.
Doca, que já estava visivelmente envelhecido desde os tempos em que vivia nas orgias de álcool, cigarro e drogas como a cocaína, e continuou fumando até pelo menos em 2006, era a expressão de como o machismo tóxico pode fazer com os homens. Em 1976, Doca, aos 42 anos, parecia mais velho e doente do que o jornalista Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, no final da vida, morto por infarto aos 45 anos.
O semblante de luto de familiares de Doca Street, entre 2017 e 2019, sugere que o assassino de Ângela Diniz teve o câncer espalhado pelo corpo e agravado o mal de Alzheimer, do qual Doca usou o termo eufemístico dislexia, em entrevistas dadas em 2006 para a imprensa. Doca e familiares adoravam usar eufemismos. No livro Mea Culpa, Doca falava numa "leve pneumonia no pulmão esquerdo, prontamente curada". Era quimioterapia contra um câncer. Quando Doca morreu, os familiares diziam que ele "não estava doente". Na verdade, não estava doente de Covid, mas sofria de câncer, Alzheimer e problemas cardíacos.
Dos quatro famosos feminicidas idosos, também pode ter morrido o empreiteiro Roberto Lobato, empresário mineiro ligado à construção pesada que, genro de um político mineiro, se casou com a bela Jô Souza Lima. Ela chegou a figurar entre as dez mais elegantes de Minas Gerais, segundo edição de janeiro de 1960 da revista A Cigarra, os Diários Associados. Em 09 de julho de 1971, em processo de separação, Lobato assassinou a ex-mulher e, poucos anos depois, foi absolvido pelo júri por ser réu primário e alegar "legítima defesa da honra" (aquela desculpa "minha ex-mulher gritou comigo e eu a matei").
Em 2015 teria havido uma suposta reaparição de Roberto Lobato, num encontro entre empresários da construção pesada, que foi publicado em periódicos especializados em Belo Horizonte. No entanto, até pela idade avançada que se atribuiria ao empreiteiro - provavelmente um homem de, em média, de 30 a 35 anos em 1960, supondo que ele fosse mais velho que a jovem Jô na época - , pode ser que seja o filho do mesmo nome, Roberto Lobato Fiho, que tenha comparecido no evento. Já começa a se projetar, também, no setor, o jovem Roberto Lobato Neto, de 37 anos de idade.
Presume-se, hoje, que o assassino de Jô Souza Lima já esteja falecido há um bom tempo, embora nenhuma noticia oficial ocorra a respeito. Para complicar, o nome "Roberto Lobato" é uma espécie de "Raimundo Nonato" de Minas Gerais, ou seja, é um nome tipicamente comum na região, como o outro nome é em relação ao Nordeste brasileiro. Há um "Roberto Lobato", vulgo Bertino, que teve seu óbito registrado na Internet e outro "Roberto Lobato", engenheiro e filantropo católico, que teve seu falecimento, aos 91 anos, noticiado no Facebook.
É um tabu falar da tragédia dos feminicidas, por conta da sociedade conservadora, patriarcal e supersticiosa que é a brasileira. O medo de ver um feminicida morrer envolve preconceitos e tabus diversos, que vão desde a famosa superstição de casas mal-assombradas que seriam "moradias" de antigos feminicidas, até a "misericórdia tóxica", mais preocupada em perdoar algozes e culpabilizar as vítimas, como são as religiões conservadoras, sobretudo o "espiritismo" brasileiro.
Para todo efeito, o homem que mata a própria esposa ou namorada, ou às vezes uma amiga desejada para um caso amoroso, é um "Deus que quebra um copo", pois a mulher é vista como mero objeto a se submeter ao jugo masculino. Ou então um "Super-Homem que mata a Lois Lane", pois o feminicida é sempre visto como um "forte" imune a problemas de saúde.
O feminicídio envolve sentimentos e condutas de uma masculinidade tóxica que mata a mulher "à vista" e o próprio homem assassino "às prestações". A fúria, a frieza e os consumos de álcool, cigarro e drogas afetam a saúde do feminicida, que também fica muito nervoso ao dirigir um carro.
Feminicidas recentes como o engenheiro Paulo Arronezi - cuja fúria ao matar a ex-mulher, no natal de 2020, por sorte dele não lhe causou um infarto fulminante, pois o contexto era para isso - e o ex-policial e advogado Jaminus Aquino, de Curitiba, são potencialmente tão sujeitos a mortes prematuras quanto o empresário e esportista João Paulo Diniz. Há forte risco de Arronezi e Jaminus morrerem de infarto, câncer ou males súbitos antes de completarem 70 anos de idade, embora fossem destinados a penas de prisão previstas para os 90 anos de idade.
Um dado a considerar é que outro feminicida, o ex-promotor de Atibaia, Igor Ferreira da Silva, que mandou um atirador matar a advogada Patrícia Aggio Longo, em 1998, apresentava uma estranha magreza, segundo testemunhas, na época em que ele era foragido e procurado pela Interpol. Preso e depois entregue à impunidade, ao sair da prisão o pai de Igor alegou que o filho "estava bem", uma alegação estranha, porque soa como um eufemismo para a frase "meu filho está fragilizado por uma grave doença e precisa repousar". Alguém diria que fulano estaria bem se realmente estivesse?
Hoje a sociedade brasileira entra em contradição até quando lida com tragédias. Encara com naturalidade e "superioridade de espírito" mortes de gente como o jornalista Paulo Henrique Amorim e o cantor Erasmo Carlos. Mas quando se trata do também jornalista Antônio Pimenta Neves e do também cantor Lindomar Castilho, ambos com idades de óbito, respectivamente 86 e 83 anos, as pessoas acham "absurdo" e, oficialmente, os dois "continuam vivos em previsão para morrer tão cedo".
Lindomar, conhecido pelo sucesso "Doida Demais" e um ídolo brega dos anos 1970, é ícone de um gênero com muitas mortes prematuras, como as dos ídolos Paulo Sérgio, Evaldo Braga, Carlos Alexandre, Mauro Celso e, recentemente, Cristiano Araújo e Gabriel Diniz, e contemporâneo de outros que, mesmo idosos, já faleceram, como Waldick Soriano, Wando e Reginaldo Rossi. O assassino de Eliane de Grammont anunciou aposentadoria em 2012, após tentar retomar a carreira sem sucesso, se contentando a ter seu sucesso musical como tema do seriado de comédia Os Normais, da Rede Globo.
Já Pimenta Neves, que ingeriu uma overdose de comprimidos que, por pouco, não o matou na época imediatamente posterior ao crime, tornou-se piada quando a imprensa noticiou, durante anos, que ele "tinha grandes chances de contrair um câncer na próstata", como se o assassino de Sandra Gomide estivesse "esperando por um câncer". Houve quem dissesse, por ironia, "Frank Zappa não teve chances de contrair câncer na próstata. Ele apenas teve e morreu por isso". Conta-se que Pimenta está não só com câncer, mas com diabetes crônica (que causou cegueira), hipertensão e falência múltipla de órgãos.
O tabu quanto à tragédia dos feminicidas também se justifica pelo crime ser "socialmente aceito". Ele remete a uma lógica da necropolítica, adaptando a lógica de Herodes, o monarca tirano que havia mandado matar bebês, segundo a Bíblia. A lógica da necropolítica brasileira é, antes de matar os "filhos", que se matem as potenciais "mães" primeiro, procurando reduzir a população de mulheres no Brasil para evitar o crescimento da população.
Daí o moralismo surreal do Brasil cujos feminicidas "são proibidos de morrer". E que cria um estereótipo risível de tragédia machista, em que o machista mais sujeito a morrer de males como câncer e infarto é aquele machista bonachão que trata a mulher como serviçal mas é incapaz de agredi-la ou matá-la. E há quem acredite, por outro lado, que o machista que comete feminicídio, como numa antropofagia, "soma" para si a energia vital e os anos de vida que a mulher morta deixou de ter. Vá entender esse Brasil...
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