Onde estão os "indignados"? Fora os ensandecidos que invadiram a Câmara dos Deputados para pedir a volta da ditadura militar, não se observa uma única indignação. Pelo contrário, se Neymar é ameaçado de ser preso por corrupção, as mesmas pessoas que pediram "fora Dilma" meses atrás torcem pela absolvição do jogador. Também, vestiram a camisa da CBF...
É o país que sonha com a volta do Vasco da Gama na Série A - ou, melhor dizendo, diante de um futebol carioca extremamente ruim, será a Série A que cairá para a Segundona - e que lê "livros para colorir" que agora vem com nova obra de "não-ficção", a tal de "Animais Fantásticos", se somando às bobagens literárias que as pessoas leem, como youtubers, minecrafts, vampiros e coisa parecida.
Pessoas que contraditoriamente se enraiveciam só de ver Dilma Rousseff na tela da televisão, batendo panelaços e gritando "vadia corrupta" hoje estão felizes nas ruas e contam piadas sem prestar atenção no fedor do lixo que está ao lado. Compram produtos em lojas que exploram trabalho análogo ao da escravidão (Riachuelo, McDonald's etc) e saem felizes da vida ligando o celular para ver mais uma bobagem "divertida" no WhatsApp.
O Brasil está pegando fogo e as luzes das chamas são confundidas com a iluminação das boates. A crise política dos últimos meses é extremamente pior do que quando Dilma estava no governo e isso não é uma visão eminentemente esquerdista. Isso porque o grupo político que retomou o poder é bem mais corrupto do que a suposta corrupção que se atribui oficialmente ao PT.
Um surto de sadomasoquismo acontece no Brasil e as pessoas acham que tem que extinguir empresas públicas e entregar nossas riquezas para empresas estrangeiras. A retomada ultraconservadora reanimou machistas, racistas, escravistas e elitistas em geral, que não medem escrúpulos para expressar seus preconceitos e defender ideias retrógradas como redução de salários.
Mas é o mesmo pessoal que aceita ver corruptos no poder, e ainda sente esperança em vê-los consertando o Brasil e livrando o nosso país da crise. Romero Jucá, Geddel Vieira Lima, Aécio Neves, José Serra, Geraldo Alckmin e mesmo o presidente Michel Temer estão enrolados em gravíssimos casos de corrupção, com provas documentais e tudo, e não só gozam de impunidade como mantém a simpatia de uma boa parcela da população.
As pessoas estão com uma moral tão estranha que internautas despejam ataques racistas violentos contra negros, ignorando que isso é um crime inafiançável. Pais e mães considerando aceitar como genros homens que haviam matado antigas namoradas ou esposas também é uma tendência chocante no Brasil de hoje.
Matar esposas ou namoradas virou um "diferencial" de tal forma que a imprensa e parte da sociedade têm medo de imaginar um feminicida desses falecer de câncer ou infarto, mesmo com 80 e tantos anos de idade. O que a tal "defesa da honra" deixou como legado.
A onda de convulsão social que vive o Brasil, quando há indignação demais por nada e resignação demais também por coisa nenhuma, deixa as pessoas numa espécie de Síndrome de Riley-Day social, de uma falta de percepção da realidade em volta, e uma fuga dos problemas de tal forma que, no mercado literário, as obras que mais vendem são aquelas que renegam qualquer compromisso de lazer, quando, na melhor das hipóteses, prevalecem livros de poemas inexpressivos, arremedos ruins de Carlos Drummond de Andrade.
Temos explosões de crises violentas no governo Temer que poderiam, se o Brasil fosse um país sério, botar o povo para fazer gigantescas passeatas nas ruas, dessas que transformam a carioca Av. Pres. Vargas e a paulistana Av. Paulista em verdadeiros "tapetes" humanos, rogando a saída imediata de Temer, a realização de eleições diretas e exigindo punição até para os tecnocráticos políticos do PSDB, partido mais sujo do que pau de galinheiro.
Mas isso não acontece. As pessoas encaram a corrupção do PMDB e PSDB como se fosse uma esquete de palhaços de circo. Acham ridículo, mas vão para a cama dormir tranquilas. Pouco importa a "sangria" que Romero Jucá tem medo que ocorresse na Lava Jato (ou seja, a investigação de políticos desses dois partidos) ou se Geddel Vieira Lima provocou a queda de um ministro porque este não aceitou um acordo de especulação imobiliária.
As coisas são graves. Gravíssimas. Mas para uma população que aceita comprar picolé de R$ 10, torce pela absolvição de Neymar e pela volta do Vasquinho para a Série A do Brasileirão, tanto faz botar um corrupto no poder, que promova medidas de demissão em massa - como se prevê em empresas públicas como Caixa e Banco do Brasil - , que venda nossas riquezas para empresas estrangeiras, que diminua salários e elimine encargos trabalhistas etc.
Essa onda de resignação em massa é terrível, diante de crises violentas. Não se trata de mostrar força para aguentar as piores situações, mas um sentimento masoquista de que todo retrocesso é bem vindo. Se na saída de casa as pessoas se resignam com a abominável pintura padronizada, pegando um ônibus pensando ser outro, porque tudo tem a mesma pintura, pouco importando se mudou empresa, nome de empresa ou se o ônibus provocará um grave acidente no caminho, então a coisa é séria.
Temos que aceitar limites. Não vamos aceitar prejuízos sucessivos às nossas vidas por uma suposta capacidade de superação. Daqui a pouco vamos dormir em camas de pregos como o básico do nosso conforto na hora do sono. Depois da queda de Dilma Rousseff, a resignação popular atinge níveis de um masoquismo quase suicida.
Até nossas desilusões devem ser reguladas, e talvez a volta do Vasco da Gama para a Série A do Brasileirão importasse muito menos do que a manutenção dos salários e encargos e o banimento da PEC dos Gastos Públicos. Os brasileiros têm que reaprender sobre o que realmente querem e precisam na vida.
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