Notaram que há grandes mentiras circulando por aí como se fossem verdades indiscutíveis? Mentiras que, dependendo da pessoa envolvida, são feitas para exaltar ou depreciar, usando factoides, teses absurdas, meias-verdades ou boatos muito mal interpretados.
É um país surreal, o Brasil, e vemos duas pessoas com tratamentos bastante desiguais e injustos, em ambos os casos influenciados pelas aparências. É o caso do "médium" Francisco Cândido Xavier, tão glorificado oficialmente, e do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, que virou a "vidraça" dos sonhos de todo vândalo social.
O ex-presidente Lula, até pela aparência de roliço robusto, aparentemente grotesco e rude, que para certas pessoas lembra o vilão Brutus, das revistas em quadrinhos do Popeye. A aparência o faz ser alvo de profundo ódio de uma grande parcela de brasileiros, embora Lula seja associado a qualidades negativas lançadas por boatos e apurações muito tendenciosas e malfeitas.
Já Chico Xavier é diferente. Com a aparência inicial de um jovem caipira, supostamente atrapalhado, depois transformada num velhinho doente de sorriso triste, ele está associado a qualidades elevadas que também foram plantadas através de muita fantasia, boatos e interpretações muito falsas e tendenciosas. Só tardiamente Chico Xavier "ganhou" um "sósia", ainda no final da vida, que é o ranzinza Eustácio, do seriado de animação Coragem o Cão Covarde (Courage the Cowardly Dog).
Em ambos os casos, é o preconceito que fala alto, o mau preconceito contra Lula e o bom preconceito contra Xavier. Contra aquele e a favor deste, não existem provas lógicas de respectivas qualidades, mas há convicções movidas por paixões doentias, ligadas, em ambos os casos, a valores ultraconservadores. E mentiras sustentam os mitos do "vilão" petista e do "herói" religioso.
Quanto a Lula, não bastassem as denúncias infundadas sobre corrupção nas quais boatos viram verdades absolutas sem uma apuração rigorosa - quando muito, há somente simulacros de "investigação" - , há mentiras risíveis difundidas pelos meios de comunicação (cada vez mais patéticos de tão reacionários) sobre supostas propriedades do ex-presidente.
Primeiro foram o sítio de Atibaia, uma propriedade que pertence a outro e parece um modesto albergue de estudantes pobres do interior, e um barco que parece mais uma canoa de pesca e foi difundido como se fosse um "iate" pela grande mídia. E mais tarde foi atribuído a Lula um triplex no Guarujá que nunca passou de um apartamento de classe média para famílias numerosas, e que Lula e sua mulher Marisa Letícia recusaram a comprar.
Outras falsas propriedades já são ainda mais cômicas. A reforma do estádio do Itaquerão, uma obra na piscina do Palácio da Alvorada, a mansão em Punta Del Este, no Uruguai, tudo isso teria sido presente da Odebrecht a Lula, segundo as fofocas transmitidas pela "imprensa independente, idônea e isenta". São boatos risíveis, sem fundamento, lançadas pelos jornalistas da grande mídia cada vez mais patética como se fossem verdades absolutas e denúncias graves e verídicas.
Enquanto isso, vamos para o outro lado. Chico Xavier é transformado pela mesma sociedade venal e hipócrita em tudo o que você pode imaginar: filósofo, psicólogo, cientista político, profeta, jornalista, físico, sociólogo e tudo o mais. A favor dele existem também mentiras cabeludas, que neste caso são feitas para exaltá-lo.
Uma delas foi plantada vergonhosamente por um Gerson Simões Monteiro, presidente da Rádio Rio de Janeiro e radialista "espírita", que, só por ter grande visibilidade e prestígio, se achou no direito de inventar que Chico Xavier previu a existência de vida em Marte, atribuindo a ele descrições de civilizações humanas avançadas e canais fluviais artificiais.
Gerson, se valendo da "lei de Gerson espírita", atribuiu como fontes os livros Cartas de uma Morta, de 1935, atribuído à mãe Maria João de Deus, e Reportagens de Além-Túmulo, que Chico e Antônio Wantuil de Freitas, presidente da FEB, escreveram em 1939 usando o nome do saudoso escritor Humberto de Campos.
Lendo os referidos livros, no entanto, as descrições são risíveis, que parecem romances ficcionais, sem qualquer serventia científica autêntica, pois nem chega à precisão dos verdadeiros romances de ficção científica. Neste sentido, tentar fazer Chico Xavier um arremedo de Isaac Asimov e Arthur C. Clarke e ainda assim dar um status não-ficcional aos livros é de um descaramento sem tamanho. Mas o mais grave é ver o ridículo da "profecia" através de outro detalhe.
Bem antes de Chico Xavier nascer, o astrônomo estadunidense Percival Lowell, entre 1896 e 1908, portanto bem antes do "bondoso médium" nascer, havia lançado livros descrevendo, com análises científicas e argumentos bem mais objetivos, a possível existência de rios artificiais e civilizações avançadas em Marte.
Isso significa que cabe a Percival o pioneirismo de ter previsto as descobertas trazidas pela Nasa a partir de 2004, e não Chico Xavier, que em 1935 e 1939 explorava um assunto velho, já surrado pelas obras de ficção científica e tendo sido um tema já fartamente pesquisado no decorrer do século XIX. O amigo de Allan Kardec, Camille Flamarion, já falava do tema muitíssimo antes. O próprio Percival Lowell já estudava o assunto antes de lançar o primeiro livro específico, em 1896.
Os dois mitos, o que deprecia Lula e exalta Xavier, também foram favorecidos por falhas da Justiça brasileira. 70 anos antes de Sérgio Moro e sua atuação seletiva na Operação Lava Jato, revivendo o caráter tendencioso do caso Banestado, há quase 15 anos, quando "peixes grandes" do PSDB, comprovadamente corruptos, foram todavia inocentados, juízes inocentaram Chico Xavier de um crime com provas, o de falsidade ideológica e apropriação indébita do prestígio de um morto.
É só verificar os livros de Humberto de Campos, pivô da ação judicial, originalmente lançados pelo autor em vida, e as supostas psicografias que levam seu nome, e nota-se claramente a aberração: a disparidade de estilos, a gritante diferença entre a obra lançada em vida e a "obra espiritual". Algo que nenhuma carteirada moral, como as tais "lições de vida, de amor e fraternidade", podem justificar.
Isso porque, sob o nome de Humberto de Campos ou Irmão X (pseudônimo que remete à paródia de um codinome usado pelo autor, Conselheiro XX, embora se lesse "conselheiro vinte" e o outro, "irmão xis"), algumas crueldades foram feitas, não bastasse o estilo nada ter a ver com o que o autor de O Brasil Anedótico havia deixado entre nós.
O suposto espírito de Humberto, não bastasse a narrativa deprimente, igrejista e com uma escrita pesada e de leitura cansativa - em nada lembrando a escrita fluente do escritor e membro da Academia Brasileira de Letras - , ainda esculhambava sofredores que reclamavam demais da vida e acusava humildes frequentadores de circo de terem sido romanos com sede de sangue.
Tudo isso vinha dos juízos de valores pessoais de Chico Xavier. Muito dos livros que levaram o nome do "espírito Humberto de Campos" são comprovadas fraudes que, em muitas passagens, têm o mesmo estilo de linguagem dos depoimentos conhecidos do "médium". Havia provas consistentes do crime de falsidade ideológica e usurpação do nome de um morto, mas os juízes não tinham convicções, como Deltan Dallagnon e seu caricato esquema de Power Point.
São dois pesos e duas medidas. Chico Xavier foi um realizador de pastiches literários e plágios grosseiros de livros, mas, como arrivista religioso favorecido pelas circunstâncias, foi elevado a um quase deus pelos seus seguidores fanáticos, que se julgam "dotados das mais elevadas energias" mas perdem a cabeça quando são contrariados, reagindo praticamente como se fossem psicopatas.
Já o próprio Chico Xavier, esperto que era, realizador ainda de falsa mediunidade, que nunca passou de mero mershandising religioso - dando a falsa impressão de que todo falecido vira igrejista no mundo espiritual - , ainda usava o vitimismo quando era duramente criticado, enganando as pessoas e atraindo seguidores fanáticos com sua falsa humildade, através do coitadismo choroso que era favorecido pela mera aparência corporal de pessoa frágil e doente.
Por outro lado, Lula, que criou um governo que, mesmo com erros, buscou melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, se cercando de ministros de alta capacidade técnica, procurando ouvir críticas e acertar nos seus atos, é visto como "criminoso" apenas por sua aparência supostamente rude.
Pior é que Lula foi o único que, nos últimos anos, pagou toda a dívida externa ao FMI, e até nessa qualidade admirável Lula é hostilizado por uma horda de fanáticos que foram para as ruas pedir "fim da corrupção" vestindo camisetas da mais-do-que-corrupta CBF!
Outro aspecto a considerar é que a Rede Globo está por trás dessa manobra toda, seja transformando Chico Xavier num suposto "ícone da caridade" - se observarmos a situação degradante de Uberaba, cidade adotiva do "médium", se verá que a "bondade extrema" do anti-médium é papo furado - , seja transformando o ex-presidente Lula num suposto "símbolo do banditismo".
Tem gente que acha que Chico Xavier virou "ícone da caridade" avisado pelas brisas do céu e do cheiro de orvalho das flores. Nada disso. O mito foi muito bem construído e trabalhado pela Rede Globo, para combater a ascensão de pastores evangélicos como Edir Macedo, depois dono da Rede Record, e a emissora dos Marinho ainda teve o descaramento de remontar o mito de Chico Xavier com base num documentário da BBC sobre Madre Teresa de Calcutá.
Sobre essas manobras todas, temos que citar uma declaração que o ativista negro dos EUA, Malcolm X, escreveu sobre a imprensa e sobre a manipulação da opinião pública, o que diz muito sobre a exaltação de um religioso a serviço da plutocracia, Chico Xavier, e a depreciação de um político que buscou melhorar a vida das classes pobres, Lula. Encerremos com o que disse Malcolm X:
"A imprensa é tão poderosa no seu papel de construção de imagem que pode fazer um criminoso parecer que ele é a vítima e fazer a vítima parecer que ela é o criminoso. Esta é a imprensa, uma imprensa irresponsável. Se você não for cuidadoso, os jornais terão você odiando as pessoas que estão sendo oprimidas e amando as pessoas que estão fazendo a opressão".
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