Durante a pandemia, "espiritismo" e "funk" foram palcos de episódios que revelam posturas ou procedimentos contrários à natureza esquerdista. As esquerdas não percebem isso, ainda se recusando a admitir que Chico Xavier foi um reacionário de arrepiar, ficando num silêncio omisso que mais parece proteger suas convicções cegas, marcadas por uma falsa simbologia que forjou uma imagem de "médium progressista" que nunca existiu.
É como no "funk", quando se começa a discutir se os chamados ativistas do gênero, como MC Leonardo, Bruno Ramos e Rômulo Costa, foram, de alguma forma, aliados e colaboradores do poder midiático e político vigentes, mais contribuindo em favor do golpe político que dizem repudiar, e as esquerdas tapam os ouvidos e os olhos para a verdade, assim como nada se pronunciam a respeito.
O bordão "vocês pensam o que quiserem" ou, em certos casos "Eu estou cagando se Chico Xavier apoiou a ditadura militar ou se Valesca Popozuda é amiga de bolsonaristas" deixa as esquerdas na zona de conforto do recalque psicológico às decepções. A coisa mais irônica é que, por muito menos, houve maior facilidade em se decepcionar por Marina Silva, Edir Macedo e Antônio Palocci.
É como se o nerd da escola, ao saber que aquela desejada líder de torcida nunca dará atenção ao rapaz, ele reage se recusando a admitir isso. Fica calado, com cara de muxoxo, sem dar uma resposta contrária às verdades que toma conhecimento. Mas, se essa pessoa não questiona, também se recusa a admitir o sentido dessas verdades.
Na pandemia, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS, que em inglês se chama World Health Organization, com a curiosa sigla de WHO) recomendou o confinamento social para se prevenir contra o coronavírus - vírus que transmite a Covid-19, cujos sintomas principais são a perda do olfato e do paladar, a dificuldade respiratória e as dores intensas no corpo - , os "bailes funk" voltaram com o apetite de aglomeração tipicamente bolsonarista.
Sabe-se que Jair Bolsonaro, inicialmente, chamou a Covid-19 de "gripezinha". Ele e os bolsonaristas esnobaram a doença e ridicularizaram o confinamento social. Apoiados em Paulo Guedes, depois eles disseram que o confinamento social fazia mal à Economia e pediam o retorno à vida social e profissional de antes. Fizeram pouco caso com o risco da doença ser contraída por aglomerações.
O "funk", visto pelas esquerdas, equivocadamente, como "tábua da salvação" do povo brasileiro, não mediu escrúpulos para retornar as atividades nas favelas, estimulando a mais escancarada aglomeração de frequentadores, e, no caso de alguns bailes "proibidões", o porte de armas era um procedimento tipicamente bolsonarista.
O gênero nunca foi progressista e sempre esteve ao lado dos grandes empresários da mídia. Os ataques à grande mídia e à direita sócio-política eram falsos, sem argumentação própria e se valendo de clichês que forçavam a associação do "funk" à ideia de povo pobre e negritude, apesar do ritmo nunca ter sido mais do que um mero pop dançante com interesses exclusivamente comerciais.
No caso do "espiritismo" de Chico Xavier, o caso do aborto que uma menina de dez anos estuprada pelo tio de 33 anos desde 2016 e recentemente engravidada, mostra o pavor que os religiosos, não só neopentecostais e católicos conservadores, têm a qualquer hipótese de aborto, mas também os "espíritas", incluindo o próprio Chico Xavier, um opositor radical ao aborto, assim como a católica Madre Teresa de Calcutá.
Nem mesmo o fato de outra menina, de 13 anos, moradora de Coari, no Amazonas, estuprada pelo próprio pai, ter morrido após completar a gravidez e realizar o parto, sensibilizou os religiosos. O caso ocorreu em dezembro de 2019 mas foi relembrado hoje, com o caso da menina capixaba. Os "espíritas", então, esnobam, dizendo que a mãe precoce "foi para uma vida melhor, na pátria espiritual", só porque o bebê sobreviveu.
É estarrecedor como as esquerdas cultuam Chico Xavier e até Madre Teresa de Calcutá, apesar de serem duas figuras abertamente reacionárias, tanto ou mais do que gente facilmente repudiável pelos esquerdistas, como Roger Rocha Moreira e Ana Paula Henkel, ou mesmo Luciano Huck, de cuja suposta caridade, fajuta, oportunista e personalista (o objetivo era forjar protagonismo às custas da "ajuda aos pobres") teve precedente nos dois religiosos.
Ver que Chico Xavier e Sara Winter andam de mãos dadas no repúdio radical ao aborto é algo que ainda faz as esquerdas "namastê" e até as esquerdas "nem tão namastê assim" chorarem, acreditando o mito do "bondoso médium" plantado pela ditadura militar e vendido como se fosse algo "acima das ideologias e de qualquer tipo de crença". Se até os ditos ateus dão consideração a Chico Xavier, o problema no Brasil é sério, com terraplanismos contaminando até muita gente boa, entre progressistas e céticos.
Assim como o "espiritismo", o "funk" assediou as esquerdas no sentido de cooptá-las, forçando lhe dar apoio, evitando assim que jornalistas investigativos hoje atuantes nas mídias progressistas pudessem investigar os "podres" de cada uma dessas instituições. Imagine revelar o diálogo de Chico Xavier com os generais da ditadura militar ou dar detalhes sobre o envolvimento de Rômulo Costa com o baixo clero da direita política fluminense, denúncia que começa a surgir em páginas na Internet.
Infelizmente, nossas esquerdas são emocionalmente frágeis e um tanto equivocadas nas suas agendas. Elas personificam a pequena burguesia do imaginário marxista. São pessoas que preferem comentar sobre vinhos, sobre viagens no exterior, sobre campeonatos de futebol, e quase nada sobre os problemas trabalhistas, dos quais apenas uns dois ou três jornalistas, blogueiros ou ativistas se preocupam e se ocupam com alguma regularidade.
É triste ver no Twitter que nossas esquerdas mostram travestis caricatos, lésbicas duronas que mais parecem terem surgido de algum seriado enlatado dos EUA, lacrando a Internet com estranhas ênfases a emas e cobras naja "anti-bolsonaristas", enquanto entregadores a serviço de aplicativos e carteiros, que deveriam ser os mais valorizados durante a pandemia, são desprezados e obrigados a fazer greves ou protestos para chamar a atenção da sociedade.
Há incêndios na Amazônia. A vida profissional se precariza. Os banqueiros se tornam mais ricos. A Petrobras se desfaz, aos poucos, com suas fatias cortadas para as corporações estrangeiras levarem cada pedaço. A MPB vê seus artistas morrerem, enquanto a música popularesca, de baixíssima qualidade, vê multiplicar seus sub-artistas de tal forma que, se um entra em decadência, outro entra no seu lugar. E as esquerdas brasileiras a falar de jantar, ocupadas apenas em nascer e morrer.
Constantemente, chegam alguns engraçadinhos evocando o "funk" como "salvação da lavoura" brasileira. Outros buscam uma mensagem de Chico Xavier sobre aceitar o sofrimento em silêncio, o que é bastante contrário às causas progressistas, que deveriam desconfiar do excesso de glicose existente em mensagens deste tipo.
Se levasse em conta os "ensinamentos" de Chico Xavier, seremos forçados a admitir que 99,99% dos movimentos progressistas teria sido simplesmente extinto, porque bastaria as pessoas sofrerem retrocessos e adversidades em silêncio, sem queixumes e orando calados a Deus.
Da mesma forma, as "sábias lições" de Chico Xavier também inviabilizariam a mídia de esquerda, que vive de lastimar os abusos da direita política, social, econômica e midiática (a cultural, nem tanto). Nós simplesmente não precisariamos, neste caso, de Brasil 247 ou Diário do Centro do Mundo, bastando apenas rezar para Deus para que a chamada mídia empresarial "dê um pouco mais de atenção para o povo pobre e os trabalhadores".
As posturas intransigentes das esquerdas, prisioneiras de suas próprias convicções, que parecem questionar os diversos problemas da humanidade com distanciamento, fáceis de serem elaborados por textos lacradores, mas difíceis de serem sentidos na carne, as fazem vulneráveis a qualquer Cavalo de Troia que lhes apareça em sua frente.
Isso é tão grave que não são só as esquerdas "namastê", "(chinelos) Havaianas", "caviar", "fashion", "festivas" ou qualquer rótulo que defina os esquerdistas mais debilitados e complacentes e que caiam constantemente em armadilhas das direitas brasileiras. No caso do "funk" e, sobretudo, de Chico Xavier - que simboliza uma forçada unanimidade dos níveis daquela contestada pelo escritor, reacionário mas de visões coerentes, Nelson Rodrigues - , mesmo esquerdas um pouco mais articuladas precisam tomar muito cuidado porque não é a simbologia artificial de um suposto apoio aos pobres que definirá os verdadeiros progressistas.
Mesmo nas esquerdas, há muita gente que mais parece lobo em pele de cordeiro, se passando por "progressistas" as custas de apelos superficiais de suposta defesa do povo pobre, da paz e da prosperidade. Devemos, sim, em certo ponto romper a polarização e furar a bolha das forças progressistas, mas, como disse o próprio Luís Inácio Lula da Silva, "não vamos embarcar no ônibus que vem primeiro".
Os funkeiros pretensamente aliados das esquerdas e Chico Xavier deveriam ser contestados por nossos esquerdistas. Não é pecado algum dizer que foi enganado e apoiou os enganadores há muito tempo. Houve vários blogueiros e jornalistas progressistas que se afirmaram terem sido iludidos pela Globo. Ex-ministros dos governos Lula e Dilma Rousseff passaram a ser criticados pelas esquerdas assim que passaram a adotar posturas neoconservadoras.
Por que os esquerdistas não escrevem artigos dizendo que foram enganados por funkeiros que, num dia, exaltam o PT e o socialismo, no outro vão à TV abraçados com Luciano Huck? Por que ninguém escreve "Chico Xavier me enganou"? Não basta calar e não falar sobre "funk" e Chico Xavier nas páginas de esquerda, é necessário fazer uma autocrítica, que é válida e não faz mal algum.
No caso de Chico Xavier, é assustador que um esquerdista têm mais dificuldade em dizer "Fui enganado por Chico Xavier" do que em falar russo ou alemão (os idiomas do leninismo e do marxismo). É necessário romper com tudo isso, e é salutar que esquerdistas que tenham sido iludidos com Chico Xavier passem a repudiá-lo, assumindo seus erros, adotando uma coragem autocrítica de encerrar com antigas ilusões. O que não pode é esquerdista tratando um "médium de direita" como se fosse uma criancinha pequena acreditando em princesas de filmes da Disney.
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