FRASES BONITINHAS E ESTEREÓTIPOS RELIGIOSOS GARANTEM APEGO OBSESSIVO DOS BRASILEIROS AO MITO DE CHICO XAVIER.
É preocupante o apego que as pessoas no Brasil têm do que é velho e apodrecido, do que é retrógrado e antiquado. Tomados de temores diversos, de viciadas nostalgias a tempos mais primitivos e ainda inclinados a valores moralistas aqui e ali, os brasileiros que agem assim impedem de forma decisiva que o país progrida rompendo com seus entulhos ideológicos e culturais.
O caso de Francisco Cândido Xavier é bastante ilustrativo. A histeria e a idolatria extremas em torno de Chico Xavier chega aos níveis de obsessão e apego extremo, algo muito estranhos para uma doutrina como o "espiritismo" brasileiro, que se diz dedicado ao desapego e à desobsessão.
Mas esse é só um exemplo, e dos piores. Afinal, como um mero plagiador de livros, criador de pastiches literários rudimentares - seus livros eram pretensamente cultos, mas brutalmente rebuscados e ideologicamente retrógrados - , se transformou num ídolo absoluto, e, de marketing em marketing, virou o símbolo da "bondade extrema", é algo que não é fácil de explicar para leigos.
Chico Xavier simboliza o que há de retrógrado e ultrapassado no que se refere aos movimentos de espiritualidade contemporâneos. Era um católico ortodoxo em ideias, embora heterodoxo em rituais, que foi adotado por pessoas retrógradas do "movimento espírita" que tinham pavor do pensamento científico de Allan Kardec e regrediram seu legado ao gosto do igrejismo brasileiro.
E o que faz haver esse apego tão ferrenho a Chico Xavier? Ele representa clichês do que pessoas conservadoras entendem como associadas às ideias de "bondade", "humildade", "caridade" e outros aspectos que envolvem moralismo, misticismo e clichês de modéstia humana ou mesmo uma nostalgia a um primitivismo rural e interiorano.
As pessoas se apegam ao que há de mais velho. Não só com Chico Xavier, uma pessoa que nunca foi realmente associada a ideais progressistas, modernos ou futuristas, mas sempre foi o oposto disso tudo, para desespero dos seus seguidores extremados.
O apego ao antiquado e mofado na sua essência, que não pode ser confundido com a defesa de boas tradições (que o conservadorismo ideológico gosta de derrubar sem escrúpulos), é uma mania antiga dos brasileiros e que teima em persistir e resistir na marra ao sinal dos tempos.
Não é fácil definir o que é antiquado ou retrógrado, mas já se percebe, por exemplo, que a boa música caipira que tanto enriqueceu nosso cancioneiro passou a ser derrubada por um "sertanejo" que, desde os anos 80 e 90 (a partir de Chitãozinho & Xororó, que os incautos definem como "autênticos"), estabeleceu uma relação esquizofrênica entre roça e zona urbana.
No que se diz à alimentação, a ruptura ocorre quando se eliminam os produtos artesanais, vinculados a uma relação respeitosa com a natureza, e colocam no lugar os produtos industrializados, feitos sob o trabalho poluente e dotados de ingredientes que podem ser nocivos à saúde humana.
Há, nestes e outros casos, a essência velha e apodrecida que está por trás em embalagens "novas". Os reality shows da TV são culturalmente muito mais retrógrados que muitos programas de entretenimento que eram transmitidos pela televisão dos anos 1950.
Há também a pseudo-modernidade das "mulheres-frutas" e similares (como as Solange Gomes e Geisy Arruda da vida), a falsa provocatividade cultural do É O Tchan, que revelam aspectos ideológicos cheios de bolor, tanto pela evocação de valores machistas quanto pelo apoio que latifundiários e dirigentes carnavalescos (inclui banqueiros do jogo-do-bicho) tem para esse tipo de entretenimento "sensual").
A bregalização cultural teve, através de uma geração de intelectuais "provocativos", uma imagem falsamente associada ao moderno, vanguardista e desafiador. No entanto, esconde aspectos retrógrados como a glamourização da ignorância, da pobreza, do grotesco, do brutal, que os intelectuais definiam como "qualidades positivas" das classes pobres.
Como definir isso como "positivo" e "moderno", atribuindo ao brega (sobretudo dos primeiros ídolos cafonas aos "populares" esquecidos do começo dos anos 90) um falso vanguardismo, se seu público potencial é de mulheres pobres que nunca saem da prostituição e idosos cuja única ocupação na vida é ficar enchendo a cara de pinga ou cerveja não só nos fins-de-semana, mas todo "santo dia"?
Só mesmo explicando essa visão pela mania que muitos brasileiros considerados influentes têm em tentar justificar o velho pelo "novo", a trabalhar ideias novas em bases velhas e apodrecidas, e por trás disso existem ocultos preconceitos sociais que a "moderna" intelectualidade cultural brasileira esconde com a desculpa de que nunca os possui.
No transporte, há a visão ditatorial do sistema de ônibus marcado pela tenebrosa "santíssima trindade" da pintura padronizada nas empresas de ônibus, na dupla função de motorista-cobrador e na redução de percursos para "sistemas integrados".
Passageiros confusos que não sabem qual a empresa de ônibus que realmente opera tal linha, já que diferentes empresas de ônibus têm a mesma pintura e autoridades insistem na retrógrada medida da padronização visual porque continuam apegadas à ideia de impor a sua imagem, com as frotas de ônibus exibindo o logotipo da prefeitura, algo totalmente ultrapassado e comprovadamente ineficaz, mas que é mantido na marra.
Essa força-de-barra é tanta que, visando "mudar para continuar o mesmo", prefeituras e governos estaduais mudam apenas o leiaute da pintura padronizada: São Luiz, Fortaleza, Volta Redonda, Porto Alegre e São Paulo, mudaram apenas o visual da pintura padronizada, em vez de eliminar a medida, que não condiz mais às atuais exigências do sistema de ônibus, que exige que cada empresa de ônibus tenha sua própria identidade visual para facilitar a percepção de passageiros, numa sociedade movida pelo corre-corre diário.
Isso mostra o apego a velhos paradigmas. Todos querem salvar apenas o ideólogo dessas medidas nefastas para o transporte coletivo: o endeusado Jaime Lerner, espécie de Roberto Campos do urbanismo e do transporte coletivo, que elaborou esse padrão de sistema de ônibus no auge da ditadura militar, defendendo medidas antipopulares como a redução de ônibus em circulação nas ruas, que é justamente motivo de queixas e protestos enérgicos de muitos passageiros.
Mas o apego não para por aí. Até o medo que parte da sociedade e da mídia em admitir que homicidas (sim, homicidas) em idade considerada avançada, como os feminicidas Doca Street e Pimenta Neves, e o mandante do assassinato de Chico Mendes, o "coronel" Darly Alves, estão no fim da vida, é considerado notório e, por incrível que pareça, é um medo de perdê-los que move setores moralistas e conservadores da sociedade.
Marcados por problemas sérios de saúde - Doca Street com passado que combinou intenso tabagismo (dizem que só o que ele fumou em cigarros comuns equivalia, em doses, a três José Wilker), alcoolismo, uso de cocaína, Pimenta Neves com overdose de remédios e Darly Alves com graves problemas de úlcera - , ninguém pode dizer que eles estão no fim da vida (eles estão nas casas dos 70 para os 80 anos) porque isso soa, pasmem, "ofensivo".
Senhoras de meia-idade chegam a reagir com indignação quando alguém pergunta se Doca está fazendo quimioterapia para câncer no pulmão, ele, que, ao matar a namorada, inspirou centenas de crimes semelhantes com seu exemplo de impunidade. "Deixem o pobre homem em paz", gritam elas, ignorando os efeitos naturais do passado tabagista, alcoólico e toxicômano que cobra seu preço na velhice (e Doca ainda perdeu um dos rins).
Se fosse um ator de novela, um comediante de antigas chanchadas ou um intelectual que lutou contra a ditadura nos anos 70, alertar que ele, por ter fumado demais, pode estar com câncer ao chegar aos 80 anos seria visto como natural e aceitável. Mas como é um machista rico que matou uma mulher, de repente o assassinato passou a ser um "diferencial" para ninguém cogitar que homicidas também constroem sua própria tragédia.
Se fosse um músico de heavy metal que, com seus 80 anos, anunciassem que estavam com algum tipo de câncer, essas mesmas senhoras estariam felizes e até diriam "80? Já é tarde, eles deveriam ter isso mais cedo!", comemorando. Mas quando se diz que homicidas ricos que mataram mulheres ou líderes sindicais estão "com os pés na cova", soa "ofensivo" e "desrespeitoso". Nem sequer orar para Doca, Pimenta e Darly morrerem em paz um dia essa sociedade tem coragem de fazer. Preferem vê-los como múmias centenárias simbolizando valores retrógrados em tempos futuros.
E por que isso acontece? Por que não podemos perder também nossos homicidas? Será que eles são arremedos de Deus? Ou será que eles são os "heróis às avessas", que cometeram seus crimes sob as bandeiras moralistas da "defesa da honra" ou do "direito à propriedade"? Nem cogitar que eles já estejam "apenas doentes" se pode expressar, porque a "boa sociedade" reage com raiva e medo.
É o medo de perder ícones do velho machismo ou do velho coronelismo, numa sociedade em mudanças de valores. Eles são protegidos até da velha mídia conservadora, e da boa sociedade moralista que não conseguem "largar os ossos" e não admitem que também morre quem atira, como diz a canção do grupo O Rappa.
Vemos uma sociedade medrosa e temerosa, que às vezes volta com surtos retrógrados aqui e ali, seja uma Mulher Melão e Solange Gomes - símbolos da mercantilização do corpo feminino, tão ao gosto dos machistas - , seja com "revoltados" saudosos da ditadura militar, que em seu tempo prometia uma "nova política" para o país, tanto que se autoproclamava "revolução democrática".
Preferimos perder pessoas e ideias mais modernas culturalmente. Nos livramos do novo para preservar o velho. De Leila Diniz a Glauber Rocha, passando por Renato Russo e Torquato Neto, ou então a cultura alternativa legada pela Fluminense FM que rádios digitais tentam manter com dificuldade (o FM está entregue a um grotesco pastiche chamado Rádio Cidade), sempre abrimos mão do renovador, do transformador, e ficamos com o caricato, grotesco, antiquado e podre.
De Chico Xavier a Darly Alves, passando por ônibus padronizados sem cobrador e de curtos percursos, pastiches comerciais de rádios alternativas como a Rádio Cidade ou falsos feminismos de glúteos das senhoras Melão e Gomes, o apego ao velho e ao antiquado se protege por um conjunto de valores moralistas e elitistas que setores da sociedade querem ver ainda prevalecendo no Brasil que já não os suporta mais.
Em todos os lados, nota-se o pânico dos que não querem remover seus entulhos ideológicos dos mais diversos. Um pavor, um medo de que aquilo que, embora velho e apodrecido, simboliza algum valor "positivo", mesmo que nostálgico, ou um símbolo de zelo aos privilégios de alguns, pereça em alguma decadência ou tragédia.
Daí que as pessoas andam presas a moralismos, pragmatismos e neuroses que as fazem presas ao entulho de valores, ícones e ídolos que sempre representam alguma coisa conservadora que as pessoas tentam em vão manter ou que sentem muito medo em perder. Eles pensam num Brasil velho do qual não querem se livrar. Para eles, cheiro de mofo é igual a perfume.
É preocupante o apego que as pessoas no Brasil têm do que é velho e apodrecido, do que é retrógrado e antiquado. Tomados de temores diversos, de viciadas nostalgias a tempos mais primitivos e ainda inclinados a valores moralistas aqui e ali, os brasileiros que agem assim impedem de forma decisiva que o país progrida rompendo com seus entulhos ideológicos e culturais.
O caso de Francisco Cândido Xavier é bastante ilustrativo. A histeria e a idolatria extremas em torno de Chico Xavier chega aos níveis de obsessão e apego extremo, algo muito estranhos para uma doutrina como o "espiritismo" brasileiro, que se diz dedicado ao desapego e à desobsessão.
Mas esse é só um exemplo, e dos piores. Afinal, como um mero plagiador de livros, criador de pastiches literários rudimentares - seus livros eram pretensamente cultos, mas brutalmente rebuscados e ideologicamente retrógrados - , se transformou num ídolo absoluto, e, de marketing em marketing, virou o símbolo da "bondade extrema", é algo que não é fácil de explicar para leigos.
Chico Xavier simboliza o que há de retrógrado e ultrapassado no que se refere aos movimentos de espiritualidade contemporâneos. Era um católico ortodoxo em ideias, embora heterodoxo em rituais, que foi adotado por pessoas retrógradas do "movimento espírita" que tinham pavor do pensamento científico de Allan Kardec e regrediram seu legado ao gosto do igrejismo brasileiro.
E o que faz haver esse apego tão ferrenho a Chico Xavier? Ele representa clichês do que pessoas conservadoras entendem como associadas às ideias de "bondade", "humildade", "caridade" e outros aspectos que envolvem moralismo, misticismo e clichês de modéstia humana ou mesmo uma nostalgia a um primitivismo rural e interiorano.
As pessoas se apegam ao que há de mais velho. Não só com Chico Xavier, uma pessoa que nunca foi realmente associada a ideais progressistas, modernos ou futuristas, mas sempre foi o oposto disso tudo, para desespero dos seus seguidores extremados.
O apego ao antiquado e mofado na sua essência, que não pode ser confundido com a defesa de boas tradições (que o conservadorismo ideológico gosta de derrubar sem escrúpulos), é uma mania antiga dos brasileiros e que teima em persistir e resistir na marra ao sinal dos tempos.
Não é fácil definir o que é antiquado ou retrógrado, mas já se percebe, por exemplo, que a boa música caipira que tanto enriqueceu nosso cancioneiro passou a ser derrubada por um "sertanejo" que, desde os anos 80 e 90 (a partir de Chitãozinho & Xororó, que os incautos definem como "autênticos"), estabeleceu uma relação esquizofrênica entre roça e zona urbana.
No que se diz à alimentação, a ruptura ocorre quando se eliminam os produtos artesanais, vinculados a uma relação respeitosa com a natureza, e colocam no lugar os produtos industrializados, feitos sob o trabalho poluente e dotados de ingredientes que podem ser nocivos à saúde humana.
Há, nestes e outros casos, a essência velha e apodrecida que está por trás em embalagens "novas". Os reality shows da TV são culturalmente muito mais retrógrados que muitos programas de entretenimento que eram transmitidos pela televisão dos anos 1950.
Há também a pseudo-modernidade das "mulheres-frutas" e similares (como as Solange Gomes e Geisy Arruda da vida), a falsa provocatividade cultural do É O Tchan, que revelam aspectos ideológicos cheios de bolor, tanto pela evocação de valores machistas quanto pelo apoio que latifundiários e dirigentes carnavalescos (inclui banqueiros do jogo-do-bicho) tem para esse tipo de entretenimento "sensual").
A bregalização cultural teve, através de uma geração de intelectuais "provocativos", uma imagem falsamente associada ao moderno, vanguardista e desafiador. No entanto, esconde aspectos retrógrados como a glamourização da ignorância, da pobreza, do grotesco, do brutal, que os intelectuais definiam como "qualidades positivas" das classes pobres.
Como definir isso como "positivo" e "moderno", atribuindo ao brega (sobretudo dos primeiros ídolos cafonas aos "populares" esquecidos do começo dos anos 90) um falso vanguardismo, se seu público potencial é de mulheres pobres que nunca saem da prostituição e idosos cuja única ocupação na vida é ficar enchendo a cara de pinga ou cerveja não só nos fins-de-semana, mas todo "santo dia"?
Só mesmo explicando essa visão pela mania que muitos brasileiros considerados influentes têm em tentar justificar o velho pelo "novo", a trabalhar ideias novas em bases velhas e apodrecidas, e por trás disso existem ocultos preconceitos sociais que a "moderna" intelectualidade cultural brasileira esconde com a desculpa de que nunca os possui.
No transporte, há a visão ditatorial do sistema de ônibus marcado pela tenebrosa "santíssima trindade" da pintura padronizada nas empresas de ônibus, na dupla função de motorista-cobrador e na redução de percursos para "sistemas integrados".
Passageiros confusos que não sabem qual a empresa de ônibus que realmente opera tal linha, já que diferentes empresas de ônibus têm a mesma pintura e autoridades insistem na retrógrada medida da padronização visual porque continuam apegadas à ideia de impor a sua imagem, com as frotas de ônibus exibindo o logotipo da prefeitura, algo totalmente ultrapassado e comprovadamente ineficaz, mas que é mantido na marra.
Essa força-de-barra é tanta que, visando "mudar para continuar o mesmo", prefeituras e governos estaduais mudam apenas o leiaute da pintura padronizada: São Luiz, Fortaleza, Volta Redonda, Porto Alegre e São Paulo, mudaram apenas o visual da pintura padronizada, em vez de eliminar a medida, que não condiz mais às atuais exigências do sistema de ônibus, que exige que cada empresa de ônibus tenha sua própria identidade visual para facilitar a percepção de passageiros, numa sociedade movida pelo corre-corre diário.
Isso mostra o apego a velhos paradigmas. Todos querem salvar apenas o ideólogo dessas medidas nefastas para o transporte coletivo: o endeusado Jaime Lerner, espécie de Roberto Campos do urbanismo e do transporte coletivo, que elaborou esse padrão de sistema de ônibus no auge da ditadura militar, defendendo medidas antipopulares como a redução de ônibus em circulação nas ruas, que é justamente motivo de queixas e protestos enérgicos de muitos passageiros.
Mas o apego não para por aí. Até o medo que parte da sociedade e da mídia em admitir que homicidas (sim, homicidas) em idade considerada avançada, como os feminicidas Doca Street e Pimenta Neves, e o mandante do assassinato de Chico Mendes, o "coronel" Darly Alves, estão no fim da vida, é considerado notório e, por incrível que pareça, é um medo de perdê-los que move setores moralistas e conservadores da sociedade.
Marcados por problemas sérios de saúde - Doca Street com passado que combinou intenso tabagismo (dizem que só o que ele fumou em cigarros comuns equivalia, em doses, a três José Wilker), alcoolismo, uso de cocaína, Pimenta Neves com overdose de remédios e Darly Alves com graves problemas de úlcera - , ninguém pode dizer que eles estão no fim da vida (eles estão nas casas dos 70 para os 80 anos) porque isso soa, pasmem, "ofensivo".
Senhoras de meia-idade chegam a reagir com indignação quando alguém pergunta se Doca está fazendo quimioterapia para câncer no pulmão, ele, que, ao matar a namorada, inspirou centenas de crimes semelhantes com seu exemplo de impunidade. "Deixem o pobre homem em paz", gritam elas, ignorando os efeitos naturais do passado tabagista, alcoólico e toxicômano que cobra seu preço na velhice (e Doca ainda perdeu um dos rins).
Se fosse um ator de novela, um comediante de antigas chanchadas ou um intelectual que lutou contra a ditadura nos anos 70, alertar que ele, por ter fumado demais, pode estar com câncer ao chegar aos 80 anos seria visto como natural e aceitável. Mas como é um machista rico que matou uma mulher, de repente o assassinato passou a ser um "diferencial" para ninguém cogitar que homicidas também constroem sua própria tragédia.
Se fosse um músico de heavy metal que, com seus 80 anos, anunciassem que estavam com algum tipo de câncer, essas mesmas senhoras estariam felizes e até diriam "80? Já é tarde, eles deveriam ter isso mais cedo!", comemorando. Mas quando se diz que homicidas ricos que mataram mulheres ou líderes sindicais estão "com os pés na cova", soa "ofensivo" e "desrespeitoso". Nem sequer orar para Doca, Pimenta e Darly morrerem em paz um dia essa sociedade tem coragem de fazer. Preferem vê-los como múmias centenárias simbolizando valores retrógrados em tempos futuros.
E por que isso acontece? Por que não podemos perder também nossos homicidas? Será que eles são arremedos de Deus? Ou será que eles são os "heróis às avessas", que cometeram seus crimes sob as bandeiras moralistas da "defesa da honra" ou do "direito à propriedade"? Nem cogitar que eles já estejam "apenas doentes" se pode expressar, porque a "boa sociedade" reage com raiva e medo.
É o medo de perder ícones do velho machismo ou do velho coronelismo, numa sociedade em mudanças de valores. Eles são protegidos até da velha mídia conservadora, e da boa sociedade moralista que não conseguem "largar os ossos" e não admitem que também morre quem atira, como diz a canção do grupo O Rappa.
Vemos uma sociedade medrosa e temerosa, que às vezes volta com surtos retrógrados aqui e ali, seja uma Mulher Melão e Solange Gomes - símbolos da mercantilização do corpo feminino, tão ao gosto dos machistas - , seja com "revoltados" saudosos da ditadura militar, que em seu tempo prometia uma "nova política" para o país, tanto que se autoproclamava "revolução democrática".
Preferimos perder pessoas e ideias mais modernas culturalmente. Nos livramos do novo para preservar o velho. De Leila Diniz a Glauber Rocha, passando por Renato Russo e Torquato Neto, ou então a cultura alternativa legada pela Fluminense FM que rádios digitais tentam manter com dificuldade (o FM está entregue a um grotesco pastiche chamado Rádio Cidade), sempre abrimos mão do renovador, do transformador, e ficamos com o caricato, grotesco, antiquado e podre.
De Chico Xavier a Darly Alves, passando por ônibus padronizados sem cobrador e de curtos percursos, pastiches comerciais de rádios alternativas como a Rádio Cidade ou falsos feminismos de glúteos das senhoras Melão e Gomes, o apego ao velho e ao antiquado se protege por um conjunto de valores moralistas e elitistas que setores da sociedade querem ver ainda prevalecendo no Brasil que já não os suporta mais.
Em todos os lados, nota-se o pânico dos que não querem remover seus entulhos ideológicos dos mais diversos. Um pavor, um medo de que aquilo que, embora velho e apodrecido, simboliza algum valor "positivo", mesmo que nostálgico, ou um símbolo de zelo aos privilégios de alguns, pereça em alguma decadência ou tragédia.
Daí que as pessoas andam presas a moralismos, pragmatismos e neuroses que as fazem presas ao entulho de valores, ícones e ídolos que sempre representam alguma coisa conservadora que as pessoas tentam em vão manter ou que sentem muito medo em perder. Eles pensam num Brasil velho do qual não querem se livrar. Para eles, cheiro de mofo é igual a perfume.
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