Há muitos mendigos nas ruas? Os assaltos já acontecem em horários diurnos de grande movimento? Você não consegue emprego de jeito algum? Os concursos públicos afunilam demais a seleção, com provas cada vez mais complicadas?
Essas perguntas surgem num momento de aparente crise econômica que atinge o país. Uma crise que é muito mal explicada, principalmente por uma mídia que não quer saber de realidade. A mídia deforma e, nos últimos meses, defendeu a instalação de um cenário político deplorável e pior do que supostamente parecia o governo anterior.
Vamos esclarecer. Até pouco tempo atrás, o PT comandava o Governo Federal. Tivemos Lula em dois mandatos e Dilma Rousseff, no segundo, foi afastada por supostas acusações. O motivo para que Câmara dos Deputados e Senado Federal votassem para seu impeachment, manipulações econômicas conhecidas como "pedaladas fiscais", foi vagamente mencionado e mesmo assim permitiu que ela saísse do poder, com chances de uma nova votação reafirmar essa condição.
Só que foi instaurado um governo pior, o do vice Michel Temer, de tendência conservadora, antissocial, que promete "gerar renda" cortando gastos sociais e fortalecendo industriais e banqueiros. O pessoal acredita que isso trará prosperidade para o brasileiro comum, o que é uma grande e perigosa ingenuidade.
A situação é tão surreal que um dos "heróis" do governo Temer, o ministro da Fazenda Henrique Meirelles, está fazendo justamente o que se acusou Dilma de supostamente fazer: adulterar dados fiscais e transferir recursos de um destino para outro, no caso cortar gastos sociais para fortalecer empresas e bancos privados, sob a desculpa de "aquecer a economia" e "combater a inflação".
Isso é que é "pedalada fiscal". Mas, como tecnocrata, Henrique Meirelles pode fazer errado que é endeusado. É um executivo do mercado financeiro e uma espécie de "novo Roberto Campos" no sentido de ser um "salvador da pátria" da economia.
Só que ele adulterou dados fiscais. Criou uma meta fiscal fictícia, inflando os R$ 120 bilhões originalmente, avaliados por sua própria equipe, com pouco mais de R$ 50 bilhões vindos do nada. Vieram os R$ 170,5 bilhões feitos para assustar a "criançada" que vê o Jornal Nacional e lê a revista Veja, fazendo com que a "nação coxinha" pedisse mesmo para que se cortassem gastos sociais aqui e ali.
De repente, o Brasil foi enxurrado de preconceitos sociais que estavam atolados nas gargantas de muitos brasileiros reaças. O racismo dos trolls de Internet, os "fascistas mirins" que também defendiam coisas "estabelecidas" pelo status quo político, midiático e mercadológico, o estupro coletivo de machistas vorazes, o elitismo doentio da classe média masoquista.
Só os mini-tiranos das mídias sociais, com seu autoritarismo cômico do cyberbullying, defendiam coisas absurdas como uma gíria patética ("balada"), mulheres-frutas (mulheres-objetos dotadas de muito silicone e muito mais arrogância), medidas nocivas como pintura padronizada nos ônibus (propaganda política travestida de "mobilidade urbana"), "rádios rock" fajutas (a paulista 89 FM e a carioca Rádio Cidade) e o culto a sub-celebridades que nada têm a dizer, como ex-BBBs.
É essa "galera irada" que rezou para o Pato da FIESP tirar Dilma Rousseff do poder e pede o Nobel da Paz para o Kim Kataguiri. É uma "galera" de midiotas (idiotas midiáticos), que finge odiar a Rede Globo mas segue servilmente ao que William Bonner, Galvão Bueno e Luciano Huck lhe dizem na TV e que, "moderna", lutou para que a plutocracia tomasse o poder em maio passado.
CRISE
A classe média "esclarecida", que toma como "verdade absoluta" qualquer mentira "de impacto" que vira capa da revista Veja, acaba sofrendo da "síndrome de Estocolmo" (distúrbio psicológico em que o sofredor sente algum amor por seu algoz) e defendendo uma elite que pretende deixar o povo na miséria, numa queda gradual de qualidade de vida.
Muitos estão comparando o governo Temer ao de Ernesto Geisel, devido a um processo de marcha-a-ré política. É como se fosse o governo FHC piorado, sem o verniz de modernidade e intelectualismo que pelo menos o governo do ex-presidente tucano tinha.
O mais surreal disso tudo é que quem está no poder, no Governo Federal, é um condenado político. Sim, porque o TRE de São Paulo verificou que Michel Temer havia gasto mais do que tinha direito nas doações da campanha eleitoral em 2014. Resultado: Temer está proibido de concorrer a qualquer cargo político por oito anos.
Pela brecha das leis, Temer pôde continuar exercendo os cargos que desempenha, daí que ele continuou sendo vice-presidente, hoje é presidente em exercício e, além disso, ele acredita que irá terminar o mandato em 2018. A título de comparação, é como se um jogador de futebol recebesse cartão vermelho e continuasse jogando a partida.
O que se observa é que a desculpa da crise econômica - na verdade, um elemento menor diante de uma crise ainda mais dinâmica, que envolve valores morais, sócio-culturais e praxe política - faz com que Temer e sua equipe criem um projeto político-econômico que vai prejudicar os trabalhadores sob o pretexto de impor "alguns sacrifícios".
Esses "sacrifícios", que muita gente boa, entorpecida com os valores trazidos pela Teologia do Sofrimento - seja pela via Católica, já dissolvida como tempero na ideologia capitalista, ou seja pela via do "bondoso" Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier - , acha "tudo natural", são na verdade prejuízos a serem impostos com os retrocessos em relação ao projeto político do PT.
O PT não era o partido "mar-de-rosas", tinha membros realmente corruptos, mas é duvidoso que Lula e Dilma Rousseff tenham realmente comandado os crimes que lhes são atribuídos. Sozinho, Aécio Neves roubou mais do que um PT inteiro, e até Jair Bolsonaro pratica corrupção de deixar os "coxinhas" boquiabertos.
Mesmo assim, o PT tinha um projeto político que fazia as classes populares ficarem confiantes com os progressos a serem feitos no Brasil. Não era perfeito, mas mesmo assim tinha uma maior preocupação em beneficiar os brasileiros comuns e, sobretudo, as classes trabalhadoras, geralmente maltratadas por políticas excludentes, aquelas que muitos imaginam "salvar o país".
RICAÇOS
O plano Temer, chamado "Ponte para o Futuro" - que mais parece afundar o país para os parâmetros de "prosperidade social" de 43 anos atrás, ano da crise do governo Médici - , só serve para salvar os ricos de perder seus privilégios.
Os ricos estavam furiosos com os avanços sociais dos últimos 13 anos e resolveram usar a grande mídia para disparar seu ódio contra o PT. Financiaram intelectuais culturais para se fantasiarem de "esquerdistas convictos" para defender a degradação sócio-cultural necessária para impedir que os pobres melhorem de vida e estabeleçam uma visão crítica do mundo.
Faziam um jogo duplo. Enquanto apoiavam uma imprensa que caluniava Lula, Dilma e o conjunto do PT, liberavam intelectuais "de esquerda" para dizer que "a pobreza é linda", que o pobre "não precisa" de escola, trabalho com carteira assinada, nem dignidade. Esses intelectuais pregavam que "dignidade" nas populações pobres era a prostituição, o analfabetismo, o subemprego.
"Feminismo" era a mulher se oferecer como objeto sexual, "provocatividade" era fazer papel de ridículo na TV, "negritude" era o negro afirmar, por si mesmo, estereótipos trabalhados por racistas, e "combate ao preconceito" era aceitar as classes populares na sua visão mais caricatural e depreciativa.
É aquela coisa: promove-se a desqualificação das classes populares, insere-se nelas a decadência sócio-cultural, o povo é feito refém de suas próprias debilidades e problemas, e vem uma geração de "pensadores", entre "acadêmicos", "ativistas" e "famosos" dizer que toda essa porcaria era "a realidade do povo pobre" e devemos aceitá-la "como ela é".
Enquanto isso, contradições apareciam. Os ricos ficavam mais ricos por causa do circo midiático de jornalistas reacionários e temperamentais e intelectuais que espetacularizavam a miséria do povo pobre. O povo permanecia na sua pobreza, acreditando no papo de festejados jornalistas culturais de que "tudo era lindo": o subemprego, o analfabetismo, o alcoolismo, a prostituição, a grosseria, a pornografia descontrolada etc.
Contraditoriamente, alguns desses porta-vozes desse entretenimento "popular" ficavam ricos além da conta: funkeiros, jogadores de futebol, ex-membros de reality shows, mulheres-frutas e "musas" similares, ídolos do "sertanejo" e "forró eletrônico", apresentadores de noticiários policialescos etc.
Um sem-número de nulidades passou a engrossar o rol dos mais ricos, apenas aumentando um pouco a "multidinha" que detém rendas exorbitantes. Um Wesley Safadão que se hospeda num hotel em Dubai e ex-BBBs e funkeiras combinando viagens à Disney são exemplos dessa nova realidade.
Isso não representou a melhoria para as classes populares. Afinal, só uma parcela de supostos representantes da "cultura popular" é que ficava próspera, e ainda por cima além da conta, já que um ídolo de "forró eletrônico" ganha muito mais do que todo um quadro de operários de uma fábrica instalada no país. Com uma única apresentação, um funkeiro iniciante ganha, no mínimo, dez vezes o valor máximo que um servidor público iniciante (estágio probatório) consegue ganhar em um mês.
Temos os ricos de sempre: empresários, profissionais liberais, astros de TV, políticos, banqueiros, latifundiários, dirigentes esportivos, executivos em geral, entre outros privilegiados de sempre. Gente ganhando mais do que precisa, acumulando luxo à toa, vivendo de supérfluos que nem valorizam direito e não tendo noção do que realmente necessitam ou merecem para sobreviver.
Muitas famílias moralistas ficam resignadas com isso, vendo o Jornal Nacional que lhes obriga a acreditar que esse cenário de privilégios exorbitantes - é bom deixar claro que, sonegadores de impostos, os irmãos Marinho, donos da Rede Globo, estão entre os mais ricos do país segundo a Forbes - e acham que é o que "está embaixo" é que tem que "meter a cara" para obter pouca coisa.
A classe média sacrifica demais. Não consegue encontrar o emprego que procura, e tem que abrir mão das próprias habilidades para ter um trabalho qualquer na vida. Estuda demais para não conseguir passar num concurso público, porque, pela visão de seus organizadores, servidor público tem que ser matemático.
Aliás, são as neuroses do mercado de trabalho que fazem com que se façam exigências absurdas aos profissionais. É o profissional que tem que ser ao mesmo tempo jovem e veterano, ou então o que tem que ser comediante para interagir com os colegas. Ou então o servidor-matemático que pode até ser um mau assistente administrativo, mas pelo menos foi aprovado por "aquele concurso público" e conquistou o cargo por "seus próprios méritos".
Até feminicidas conjugais têm mais direito ao mercado de trabalho do que os cidadãos comuns, pois, com uma ficha criminal preenchida, eles continuam entrando nas profissões com relativa facilidade, são "ressocializados" acima do que merecem, e só não podem presidir empresas por causa da imagem criminosa que deixaram, mas mesmo assim podem decidir livremente como membros do conselho administrativo, quase que como se fossem os próprios presidentes.
Somos induzidos a nos conformar com uma minoria privilegiada que tem mais do que realmente precisa. A classe média tem que lutar demais para obter pouco, não bastasse ter que encarar assaltos, pagar contas caríssimas, racionalizar seus bens, e ainda ter que doar o que não tem para a "caridade", sem saber que muitas instituições (sem excluir as "espíritas") desviam muitos donativos para serem vendidos em brechós e bazares para o conforto de seus líderes religiosos.
E é assustador que essas religiões ainda falam em "justiça social" e se proclamam "progressistas". Elas preferem que tenhamos "misericórdia" aos que abusam demais de qualquer coisa do que buscarmos combater injustiças e crueldades.
E é por isso que um país que se apega às piores religiões, como as seitas neopentecostais que comandam a "Bancada da Bíblia" e o "movimento espírita" que monopoliza os paradigmas de "amor e bondade", acaba fazendo com que a plutocracia, o "governo dos ricos", reconquiste o poder, criando problemas que os próprios brasileiros pouco conhecem. Será preciso sofrer mais para entender melhor as coisas?
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