O "espiritismo" brasileiro pode estar envolvido em mais um episódio extremamente vergonhoso, deplorável e simplesmente constrangedor. É o apoio, através do "médium" Divaldo Franco, de um engodo alimentar lançado pelo prefeito de São Paulo, João Dória Jr., um político que demonstra estar em um sério processo de decadência.
Pode parecer chocante, porque aparentemente apenas católicos, como o arcebispo de São Paulo, cardeal dom Odilo Scherer, e setores das igrejas evangélicas são reconhecidos pela opinião pública dominante como apoiadores da "farinata" ou "granulado nutricional", também conhecido como "Allimento", produto da Plataforma Sinergia feito a partir de processamento industrial de restos de comida de procedências duvidosas e qualidade nutricional mais duvidosa ainda.
A Plataforma Sinergia é uma entidade "sem fins lucrativos" comandada por uma ex-empresária da Monsanto (fabricante de agrotóxicos e alimentos transgênicos), Rosana Perrotti, e o projeto faz parte do programa "Alimento para Todos" da Prefeitura de São Paulo. O "Allimento" já peca por não haver informação nutricional e nem como serão processados os restos de comida e de onde vêm esses restos.
No entanto, a iniciativa foi lançada por João Dória Jr. durante a terceira edição paulista do movimento "Você e a Paz", que, apesar de reunir católicos e evangélicos, é comandado pelo "médium espírita" Divaldo Franco. O evento ocorreu no último dia 08 e Divaldo resolveu dedicar o evento ao prefeito de São Paulo.
Sim, as pessoas ficam desapontadas com o apoio de um "médium" a esse projeto nutricional de valor duvidoso e feito sob o ponto de vista preconceituoso de um representante da elite. As elites chegam a dizer que os pobres "não têm hábito alimentar", como havia declarado Dória Jr. quando apresentava O Aprendiz na Record TV, e acham que os pobres "não têm acesso" aos alimentos comuns, uma falácia para quem acha que só se pega comida em supermercado.
Mas Divaldo Franco teve exata consciência de seus atos e decidiu homenagear Dória e sua ração - já comparada, por muitos, como um arremedo ruim de ração animal - depois que a tal "farinata" foi denunciada por diversas entidades nutricionistas e outras ligadas à saúde em geral, além dos movimentos sociais, que veem na iniciativa um tratamento humilhante e desumano ao povo pobre.
Divaldo, o homem que é tido como "o maior sábio do Brasil", classificado como "humanista", "filósofo", "cientista" e coisa e tal, deveria ter sido avisado, se seus atributos fossem verdadeiros, da farsa de João Dória Jr. e tivesse evitado essa dedicação. Mas não. Divaldo soube do que estava fazendo e neste caso nem sua idade, 90 anos, é desculpa para seus fãs dizerem que o "médium" errou sem saber, até porque ele demonstra uma grande lucidez para sua idade.
A "farinata" é condenada por diversas entidades ligadas à saúde, à nutrição e aos movimentos sociais por uma série de aspectos. Erroneamente, os defensores do "Allimento" acham que os opositores estão "politizando" a fome dos pobres, quando o problema não é de ordem político-ideológica, mas um problema sociológico e de saúde pública.
Sob o ponto de vista nutricional, o "Allimento" pode representar uma ameaça à saúde humana, pelos seus aspectos técnicos duvidosos, além do fato de seus restos poderem vir de comidas de hospitais, com o contato infectado de muitos doentes, e de redes de lanchonetes, como McDonald's, que produzem sanduíches e batatas sintéticos, já nutricionalmente duvidosos, e que são fritos com muita gordura (em boa parte saturada) em fornos enferrujados, o que contamina demais o lanche tão consumido pelos jovens e pelos cidadãos mais apressados.
Além disso, o Guia Alimentar para a População Brasileira do Ministério da Saúde recomenda que uma alimentação saudável não tenha como prioridade produtos industrializados, por mais que haja controle de qualidade. A ideia é que uma alimentação saudável se define pelo consumo de alimentos em condições próximas à da natureza, com as propriedades nutricionais próprias deles. São frutas, verduras, carnes, cereais e legumes que devem ser prioritários na mesa de qualquer cidadão.
O "Allimento" contraria isso, com a ênfase dada em produtos industrializados de procedência duvidosa e processamento idem e que não possuem a menor garantia de fornecer uma nutrição completa para as pessoas famintas, que correm o risco de ingerir apenas açúcar e gordura, em vez de vitaminas necessárias para a saúde orgânica. Sem garantia alguma de nutrição, o "Allimento" pode ameaçar a saúde de diabéticos, alérgicos à glúten e lactose e pessoas com problemas cardíacos, podendo até matá-los.
Sob o ponto de vista sociológico, a iniciativa é humilhante, porque não se dá outras condições para os pobres terem mais acesso à comida. Além disso, é falácia dizer que os pobres não têm acesso a legumes, verduras, cereais etc, porque, quando muitas famílias ainda viviam nas zonas rurais, elas poderiam plantar tais alimentos e obter, assim, uma alimentação digna a partir do que elas mesmas plantaram.
O pobre, com o "Allimento", é tratado de forma humilhante, com o paternalismo hipócrita das elites que acham que o povo pobre é igual animal doméstico, um dado sombrio que se esconde atrás do mito aparente unânime da "caridade" feita sob o rótulo de uma religião.
O pobre não quer ração, quer ter acesso a uma "comida com cara de comida". Além disso, há quem sinta nojo em ver aquelas bolas dentro de um frasco, parecendo um lanchinho ruim de marca de segunda categoria (ou talvez categorias mais baixas ainda). O pobre vai ver a "farinata" e vai pensar que é lanchinho para se comer enquanto vê futebol na televisão.
É chocante para muitos que Divaldo Franco apoie essa triste medida, acreditando, à maneira dele, que "tudo é válido para matar a fome dos necessitados". Não é assim. O povo pobre merece respeito e, francamente (olha o trocadilho), um verborrágico deturpador da Doutrina Espírita tinha que estar ao lado do prefeito paulistano que, de tão ruim, é apelidado pejorativamente de prefake.
As esquerdas é que andam complacentes com o "médium" baiano. Ficam criticando católicos e evangélicos que elogiaram a "farinata", mas se esquecem que o engodo foi oficialmente lançado no evento organizado por Divaldo Franco, portanto foi ele o anfitrião dessa farra que se pretende fazer com os estômagos sensíveis dos mais pobres.
Não há desculpa que possa tirar Divaldo Franco da responsabilidade de apoiar essa medida infeliz e uma figura como o prefeito João Dória Jr., associado a medidas lamentáveis como permitir o aumento da velocidade dos carros que causam acidentes fatais, acordar moradores de rua com o humilhante ato dos jatos d'água, reprimir uma cracolândia sem dar assistência social digna aos viciados e sair viajando Brasil afora enquanto São Paulo vive o caos da miséria e da violência.
Mas o próprio Divaldo Franco também fez turismo para falar para os mais ricos em troca de medalhinhas e outros tesouros terrenos. Ele, que deve ter se hospedado em bons hotéis, comido do bom e do melhor, cortejado pelos mais poderosos e ricos e talvez desviando dinheiro da caridade, só poderia apoiar uma iniciativa lamentável como a "ração humana", o que é da mais extrema e irrecuperável gravidade.
Divaldo Franco já cometeu uma atrocidade terrível quando declarou, na Espanha, no final do ano passado, que os refugiados do Oriente Médio eram antigos colonizadores sanguinários em supostas encarnações passadas. Uma declaração dessas poderia render um processo contra o "médium" por danos morais, porque só mesmo quem é refugiado para saber o sacrifício que é reconstruir uma vida e ainda é humilhado com uma acusação feita sem fundamento algum.
A própria "mediunidade" de Divaldo Franco, vale lembrar, é tão duvidosa quanto a procedência dos restos de comida a serem processados para a "farinata". Divaldo é um deturpador gravíssimo do Espiritismo, espalhando a deturpação para o exterior, inclusive a França de Allan Kardec, e isso nunca pode ser subestimado.
Afinal, ninguém menos que o jornalista espírita autêntico José Herculano Pires, certa vez, definiu Divaldo como um impostor e afirmou que ele era um adepto fervoroso de Jean-Baptiste Roustaing, o francês que primeiro desfigurou a Doutrina Espírita com seu livro Os Quatro Evangelhos.
Não tem que as pessoas acharem que Divaldo Franco foi enganado, a exemplo do que se acusou Francisco Cândido Xavier no caso da farsante Otília Diogo. Fotos de gente solidária a Chico Xavier mostram o "médium" mineiro acompanhando feliz os bastidores da farsa, estando atento e alegre conversando com todos os presentes, o que comprova que Chico tinha a mais exata consciência do que estava acontecendo.
No caso de Divaldo Franco, ele também teve exata consciência dos seus atos. Antes da edição do "Você e a Paz" no Parque do Ibirapuera, a "farinata" já era denunciada como uma iniciativa degradante do prefeito de São Paulo e Divaldo, que se julga um "sábio", deveria ter sido o primeiro a saber, ainda que por aviso de "benfeitores espirituais", que o grande homenageado iria lançar aquele engodo alimentar.
Mas Divaldo esteve lá feliz, organizando o evento, recebendo João Dória Jr. e apoiando a "ração humana". Os brasileiros precisam parar de achar que os "médiuns espíritas", quando erram, fazem sem querer, porque os "médiuns" agem com decisão própria, consciência exata dos atos e completa falta de escrúpulos, o que significa que eles devem ser responsabilizados e pagar pelos seus erros, queiram ou não queiram seus chorosos seguidores.
Se Divaldo Franco se notabiliza ao lado de um prefeito decadente que é João Dória Jr., com baixos índices de popularidade e rejeitado até por boa parte de seus antigos eleitores, é porque o próprio "espiritismo" está decadente e mantém essa sintonia vibratória com os piores políticos. Não há como dizer que isso é obra de "irmãozinhos endurecidos". Os "médiuns" têm que pagar pelos erros que cometem, e se o preço é caro, esse pagamento não pode ser sonegado em prol do prestígio religioso.
O "espiritismo" apoia Michel Temer, MBL, o PSDB, a Rede Globo e tudo que há de mais abjeto na sociedade conservadora e reacionária de nosso país. Cada vez mais medieval, o "espiritismo" revela sua face mais decadente, o que poderia chamar a atenção de nossas esquerdas que poderiam muito bem questionar os "espíritas" com a dedicação com que questionam os políticos do PSDB e a família Bolsonaro. De complacentes, já basta a sociedade conservadora que apoia os "espíritas".
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