Pular para o conteúdo principal

Os pesos e medidas diferentes na Justiça e na Internet


Estamos em risco, nesses tempos de convulsões sociais. E isso cria uma realidade desigual, mas igualmente perigosa. A repressão a trabalhos investigativos, por um lado, e a tolerância a atos de difamações digitais, por outro, revelam o quanto se compreende muito mal a ideia de liberdade e ética.

Do tucano mineiro Eduardo Azeredo, que enquanto senador queria votar leis de restrição à liberdade de informação na Internet, até o hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, ordenar a retirada da entrevista do ex-ministro da Justiça da ex-presidenta Dilma Rousseff, Eugênio Aragão, por conter informações tidas como "inverídicas".

Moraes, aliás, antecessor de Aragão na pasta ministerial, é conhecido pela atuação repressiva. Como secretário de Segurança Pública do governador paulista Geraldo Alckmin, ele investiu em violenta repressão policial contra estudantes que se manifestavam pacificamente contra a reforma educacional do governo paulista. A ação se repetiu contra movimentos sociais que, em Brasília, protestavam contra a PEC dos Gastos Públicos em Brasília.

A investida contra Eugênio Aragão, o que sugere a oficialização de um Judiciário policialesco, é motivada pelo fato deste ser ligado ao PT, o que faz muitos cidadãos torcerem o nariz. Mas a atuação de Aragão não tem cunho ideológico, e em suas entrevistas ele se manifestou um profundo conhecedor de leis.

Moraes, em contrapartida, entrou no STF por indicação do presidente Michel Temer, que não tinha condições para tal tarefa, já que era um usurpador de poder político, um impedido político - proibido de concorrer a novos cargos eletivos, por conta de um crime eleitoral em 2014 - e que conquistou a República sem legitimidade popular e com um projeto político que daria sempre errado nas urnas.

Moraes também é acusado de ter feito plágios em seus livros sobre direito, de obras de um jurista espanhol falecido no ano passado. Moraes jura ter citado o autor em referências bibliográficas. Mas, também, plágio não vem ao caso, quando o status social fala mais alto.

Vemos o caso de Francisco Cândido Xavier. O aclamado Chico Xavier cometeu muitos plágios literários nas obras que usam os nomes de autores mortos, e cometeu até a aberração de copiar um capítulo de um livro cômico de Humberto de Campos, O Brasil Anedótico, para compor um capítulo no tendencioso Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, atribuído oficialmente ao autor maranhense.

Chegamos ao ponto deplorável de permitir que uma parcela de cidadãos se apropriasse dos nomes dos mortos, escrevendo (ou falando, ou pintando) mensagens apócrifas, que destoam dos aspectos pessoais dos falecidos, em que pese aparentes semelhanças. Basta usar o pretexto da caridade e ter algum prestígio religioso para usurpar o morto de sua escolha e escrever em seu nome qualquer mensagem de propagandismo religioso.

Infelizmente, em casos assim, a Justiça não pega. Se alguém possui prestígio religioso, tem alguma casa "filantrópica" (uma "casa espírita" que faz assistencialismo) e constrói um carisma com palestras de palavras bonitinhas, a única hipótese de um juiz abordá-lo é para pedir um autógrafo, um abraço e ser fotografado ao lado do suposto médium publicada alegremente nas colunas sociais.

Ser tucano e "espírita" tem dessas blindagens. Enquanto isso, se alguém tem um trabalho investigativo que vai contra os interesses dominantes, ou alguém não corrobora com certos posicionamentos, aí há tanto o risco da censura pela Justiça quanto pelo reacionarismo de internautas valentões.

Enquanto entrevistas como a de Eugênio Aragão recebem notificação para serem retiradas do ar, ocorrem livremente as publicações de páginas ofensivas na Internet. Páginas de ofensas e difamações são impunemente mantidas, e haja trabalheira para acionar o Safernet e sair pedindo ajuda para apoiar na denúncia da página ofensiva, que só é retirada do ar quando a vítima, ainda que "incômoda ao sistema", possui uma notável visibilidade.

Se essa visibilidade não existe, a página é mantida. E isso é horrível. Vê-se dois pesos e duas medidas, em que páginas que colaboram com a informação mais transparente, ainda que invista em denúncia, principalmente contra o grupo político que está no poder, são condenadas a saírem do ar, enquanto páginas de calúnias e difamação continuam no ar, numa boa.

Não estamos aqui falando de petismo, de esquerdismo ou coisa parecida. Aqui não se está falando de ideologia, mas de ética. A gente observa que existem irregularidades do lado da plutocracia política e não se pode publicar trabalhos profundamente investigativos sobre certas personalidades.

Por outro lado, há até engraçadinhos publicando páginas ofensivas de "comentários críticos", "piadas hilárias", "humor divertido" e outras barbaridades e se precisa gastar horas na Defensoria Pública ou no Ministério Público para banir as páginas, levando semanas e com o risco de contrapartida de um advogado alegando que "não há conteúdo ofensivo".

E isso quando o agressor não sai de seu quarto onde usa o computador para ir à cidade do desafeto para fazer ameaças, até de morte. É verdade que um cyberbullying é um imprudente por excelência, mas até ele, na sanha em perseguir seu desafeto, se esbarrar no cano de revólver de um miliciano - que estranha as visitas do valentão num mesmo lugar, achando que é alguém de quadrilha rival - , a ameaça assusta e deixa a vítima insegura.

Esses fatos todos revelam uma realidade que nos põe a pensar. Que ética queremos? Que transparência queremos? Que liberdade queremos? Usar o status quo como peso social - que favorece, nos planos mais rasteiros, os valentões que são tidos como "os mais divertidos" nas redes sociais - não é suficiente para garantir a justiça humana.

Nem o prestígio religioso pode permitir abusos como usurpar pessoas mortas e mandar mensagem qualquer nota de propaganda religiosa. Fazer isso e depois se "esconder" por trás de crianças pobres e velhinhos doentes não pode ser visto como atestado de honestidade, mas fuga de possíveis acusações e processos.

Os valentões da Internet, os politiqueiros do Judiciário, também não podem cometer abusos como se fossem os donos da verdade. Devemos deixar de lado o critério do prestígio social e evitar as carteiradas diversas que só fazem com que a justiça social seja sempre desigual, desumana e humilhante.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Padre Quevedo: A farsa de Chico Xavier

Esse instigante texto é leitura obrigatória para quem quer saber das artimanhas de um grande deturpador do Espiritismo francês, e que se promoveu através de farsas "mediúnicas" que demonstram uma série de irregularidades. Publicamos aqui em memória ao parapsicólogo Padre Oscar Quevedo, que morreu hoje, aos 89 anos. Para quem é amigo da lógica e do bom senso, lerá este texto até o fim, nem que seja preciso imprimi-lo para lê-lo aos poucos. Mas quem está movido por paixões religiosas e ainda sente fascinação obsessiva por Chico Xavier, vai evitar este texto chorando copiosamente ou mordendo os beiços de raiva. A farsa de Chico Xavier Por Padre Quevedo Francisco Cândido Xavier (1910-2002), mais conhecido como “Chico Xavier”, começou a exercer sistematicamente como “médium” espiritista psicógrafo à idade de 17 anos no Centro Espírita de Pedro Leopoldo, sua cidade natal. # Durante as últimas sete décadas foi sem dúvidas e cada vez mais uma figura muitíssimo famosa. E a...

Chico Xavier apoiou a ditadura e fez fraudes literárias. E daí?

Vamos parar com o medo e a negação da comparação de Chico Xavier com Jair Bolsonaro. Ambos são produtos de um mesmo inconsciente psicológico conservador, de um mesmo pano de fundo ao mesmo tempo moralista e imoral, e os dois nunca passaram de dois lados de uma mesma moeda. Podem "jair" se acostumando com a comparação entre o "médium cândido" e o "capitão messias". O livro O Médico e o Monstro (Dr. Jekyll & Mr. Hyde) , de Robert Louis Stevenson, explica muito esse aparente contraste, que muitas vezes escapa ao maniqueísmo fácil. É simples dizer que Francisco Cândido Xavier era o símbolo de "amor" e Jair Bolsonaro é o símbolo do "ódio". Mas há episódios de Chico Xavier que são tipicamente Jair Bolsonaro e vice-versa. E Chico Xavier acusando pessoas humildes de terem sido romanos sanguinários, sem a menor fundamentação? E o "bondoso médium" chamando de "bobagem da grossa" a dúvida que amigos de Jair Presente ...

O grande medo de Chico Xavier em ver Lula governando o país

Um bom aviso a ser dado para os esquerdistas que insistem em adorar Francisco Cândido Xavier é que o "médium" teve um enorme pavor em ver Luís Inácio Lula da Silva presidindo o Brasil. É sabido que o "médium" apoiou o rival Fernando Collor de Mello e o recebeu em sua casa. A declaração foi dada por Carlos Baccelli, em citação no artigo do jurista Liberato Póvoas ,  e surpreende a todos ao ver o "médium" adotando uma postura que parecia típica nas declarações da atriz Regina Duarte. Mas quem não se prende à imagem mitificada e fantasiosa do "médium", vigente nos últimos 40 anos com alegações de suposto progressismo e ecumenismo, verá que isso é uma dolorosa verdade. Chico Xavier foi uma das figuras mais conservadoras que existiu no país. Das mais radicais, é bom lembrar muito bem. E isso nenhum pensamento desejoso pode relativizar ou negar tal hipótese, porque tal forma de pensar sempre se sustentará com ideias vagas e devaneios bastante agr...

"Mediunidade" de Chico Xavier não passou de alucinação

  Uma matéria da revista Realidade, de novembro de 1971, dedicada a Francisco Cândido Xavier, mostrava inúmeros pontos duvidosos de sua trajetória "mediúnica", incluindo um trote feito pelo repórter José Hamilton Ribeiro - o mesmo que, ultimamente, faz matérias para o Globo Rural, da Rede Globo - , incluindo uma idosa doente, mas ainda viva, que havia sido dada como "morta" (ela só morreu depois da suposta psicografia e, nem por isso, seu espírito se apressou a mandar mensagem) e um fictício espírito de um paulista. Embora a matéria passasse pano nos projetos assistencialistas de Chico Xavier e alegasse que sua presença era tão agradável que "ninguém queria largar ele", uma menção "positiva" do perigoso processo do "bombardeio de amor" ( love bombing ), a matéria punha em xeque a "mediunidade" dele, e aqui mostramos um texto que enfatiza um exame médico que constatou que esse dom era falso. Os chiquistas alegaram que outros ex...

Falsas psicografias de roqueiros: Cazuza

Hoje faz 25 anos que Cazuza faleceu. O ex-vocalista do Barão Vermelho, ícone do Rock Brasil e da MPB verdadeira em geral (não aquela "verdadeira MPB" que lota plateias com facilidade, aparece no Domingão do Faustão e toca nas horrendas FMs "populares" da vida), deixou uma trajetória marcada pela personalidade boêmia e pela poesia simples e fortemente expressiva. E, é claro, como o "espiritismo" é marcado por supostos médiuns que nada têm de intermediários, porque se tornam os centros das atenções e os mais famosos deles, como Chico Xavier e Divaldo Franco, tentaram compensar a mediunidade irregular tentando se passar por pretensos pensadores, eventualmente tentando tirar uma casquinha com os finados do além. E aí, volta e meia os "médiuns" que se acham "donos dos mortos" vêm com mensagens atribuídas a este ou aquele famoso que, por suas irregularidades em relação à natureza pessoal de cada falecido, eles tentam dar uma de bonzinh...

Carlos Baccelli era obsediado? Faz parte do vale-tudo do "espiritismo" brasileiro

Um episódio que fez o "médium" Carlos Bacelli (ou Carlos Baccelli) se tornar quase uma persona non grata  de setores do "movimento espírita" foi uma fase em que ele, parceiro de Francisco Cândido Xavier na cidade de Uberaba, no Triângulo Mineiro, estava sendo tomado de um processo obsessivo no qual o obrigou a cancelar a referida parceria com o beato medieval de Pedro Leopoldo. Vamos reproduzir aqui um trecho sobre esse rompimento, do blog Questão Espírita , de autoria de Jorge Rizzini, que conta com pontos bastante incoerentes - como acusar Baccelli de trazer ideias contrárias a Allan Kardec, como se Chico Xavier não tivesse feito isso - , mas que, de certa forma, explicam um pouco do porquê desse rompimento: Li com a maior atenção os disparates contidos nas mais recentes obras do médium Carlos A. Bacelli. Os textos, da primeira à última página, são mais uma prova de que ele está com os parafusos mentais desatarraxados. Continua vítima de um processo obsessi...

Falsas psicografias de roqueiros: Raul Seixas

Vivo, Raul Seixas era discriminado pelo mercado e pela sociedade moralista. Morto, é glorificado pelos mesmos que o discriminaram. Tantos oportunistas se cercaram diante da imagem do roqueiro morto e fingiram que sempre gostaram dele, usando-o em causa própria. Em relação ao legado que Raul Seixas deixou, vemos "sertanejos" e axézeiros, além de "pop-roqueiros" de quinta categoria, voltando-se para o cadáver do cantor baiano como urubus voando em cima de carniças. Todo mundo tirando uma casquinha, usurpando, em causa própria, o prestígio e a credibilidade de Raulzito. No "espiritismo" não seria diferente. Um suposto médium, Nelson Moraes, foi construir uma "psicografia" de Raul Seixas usando o pseudônimo de Zílio, no caso de haver algum problema na Justiça, através de uma imagem estereotipada do roqueiro. Assim, Nelson Moraes, juntando sua formação religiosista, um "espiritismo" que sabemos é mais católico do que espírita, baseo...

Padrão de vida dos brasileiros é muito sem-graça e atrasado para virar referência mundial

Pode parecer uma grande coincidência, a princípio, mas dois fatores podem soar como avisos para a pretensão de uma elite bem nascida no Brasil querer se tornar dominante no mundo, virando referência mundial. Ambos ocorreram no âmbito do ataque terrorista do Hamas na Faixa de Gaza, em Israel. Um fator é que 260 corpos foram encontrados no local onde uma rave  era realizada em Israel, na referida região atingida pelo ataque que causou, pelo menos, mais de duas mil mortes. O festival era o Universo Paralello (isso mesmo, com dois "l"), organizado por brasileiros, que teria entre as atrações o arroz-de-festa Alok. Outro fator é que um dos dois brasileiros mortos encontrados, Ranani Glazer (a outra vitima foi a jovem Bruna Valeanu), tinha como tatuagem a famosa pintura "A Criação de Adão", de Michelangelo, evocando a religiosidade da ligação de Deus com o homem. A mensagem subliminar - lembrando que a tatuagem religiosa não salvou a vida do rapaz - é de que o pretenso pr...

Dr. Bezerra de Menezes foi um político do PMDB do seu tempo

O "espiritismo" vive de fantasia, de mitificação e mistificação. E isso faz com que seus personagens sejam vistos mais como mitos do que como humanos. Criam-se até contos de fadas, relatos surreais, narrativas fabulosas e tudo. Realidade, que é bom, nada tem. É isso que faz com que figuras como o médico, militar e político Adolfo Bezerra de Menezes seja visto como um mito, como um personagem de contos de fadas. A biografia que o dr. Bezerra tem oficialmente é parcial e cheia de fantasia, da qual é difícil traçar um perfil mais realista e objetivo sobre sua pessoa. Não há informações realistas e suas atividades são romantizadas. Quase tudo em Bezerra de Menezes é fantasia, conto de fadas. Ele não era humano, mas um anjinho que se fez homem e se transformou no Papai Noel que dava presentinhos para os pobres. Um Papai Noel para o ano inteiro, não somente para o Natal. Difícil encontrar na Internet um perfil de Adolfo Bezerra de Menezes que fosse dotado de realismo, most...

Por que o "espiritismo de esquerda" é tão ridículo e superficial?

A página "Espíritas à Esquerda" do Facebook  é, a princípio, muito bem intencionada, aparentemente voltada à defesa dos direitos humanos e o diálogo com a teoria espírita. No entanto, nota-se que seu conteúdo, no conjunto da obra, apresenta problemas. Isso porque é muito difícil "esquerdizar" o "espiritismo" brasileiro. Cria-se uma gororoba ideológica porque se ignora que a raiz do Espiritismo que é feito no Brasil é roustanguista. A história do "espiritismo" brasileiro se fundamentou nas ideias de Os Quatro Evangelhos  de Jean-Baptiste Roustaing, que forneceu subsídios para a "catolicização" da Doutrina Espírita. Ao longo dos tempos, o roustanguismo, antes explícito e entusiasmado, passou a ser mais enrustido. Apesar do nome Roustaing ter virado um palavrão entre os "espíritas", seu legado foi quase todo absorvido, com impressionante boa vontade, diante de dois artifícios que conseguiram mascarar Roustaing e botar o ...