Prestemos atenção no que escrevem as páginas "espíritas" na Internet e o que seus palestrantes dizem em seus "centros". Prestemos atenção nos seminários "espíritas", cujos temas sempre se voltam para a "felicidade" e a "esperança". Prestemos atenção nos apelos contra o suicídio e pela "aceitação" das dificuldades na vida.
Se você é um cidadão médio, vai achar tudo isso natural. Vai achar que o "espiritismo" brasileiro age de maneira "saudável", contribuindo para um receituário moral de melhoria de vida, promovendo uma reeducação emocional - os gurus de auto-ajuda falavam em "inteligência emocional", uma moda nos anos 90 - e um convite ao desenvolvimento do otimismo e da qualidade de vida.
Só que tudo isso tem um propósito. Preparar os sofredores para enfrentarem uma tsunami ultraliberal, com um projeto político que, por mais que prometa melhorias para os trabalhadores, irá impor "sacrifícios necessários" aos trabalhadores. É um projeto que já vimos em outras ocasiões, sobretudo quando militares tomaram o poder, há 52 anos.
Isso traz uma mensagem subliminar: o "movimento espírita" brasileiro, e suas "sucursais" em outros países - como Portugal - apoia Michel Temer e torce para um tucano ser eleito por via indireta em 2017 ou por eleição direta em 2018, se Temer completar o mandato e não for afastado pela acusação de irregularidades na campanha eleitoral de 2014, quando ele era vice de Dilma Rousseff.
Sim. Falando direto, os "espíritas" apoiam Michel Temer e sua pauta retrógrada para o país, a tal "Ponte para o Futuro" que muitos apelidaram como "Pinguela para o Passado", uma volta aos tempos do general Ernesto Geisel, que impunha um "modelo ideal de democracia" para o Brasil.
Recebendo duras críticas nas redes sociais, até pelo roustanguismo que deixou de ser assumido nas últimas quatro décadas - assim como o deputado Eduardo Cunha na política direitista, Jean-Baptiste Roustaing virou um palavrão para aqueles que deturparam a Doutrina Espírita, que aproveitaram o legado do reacionário , ficando com as ideias e jogando fora o idealizador.
Também não precisa. Francisco Cândido Xavier deu o tempero brasileiro de sua cozinha mineira para o pensamento de Roustaing. Assim como Aécio Neves vai botar um tempero mineiro e tucano nas ideias de Eduardo Cunha, dar uma modernizada porque o deputado cassado era "medieval demais" com suas "pautas-bombas". Em termos de violar a Constituição, o PSDB é mais cauteloso do que o PMDB carioca, que mais parece uma versão "praia do Arpoador" do bolsonarista PSC.
Pois os livros de Chico Xavier representam violações graves ao pensamento de Allan Kardec. Se Chico suavizou no caso dos bichinhos no além, substituindo os criptógamos carnudos de Roustaing - se você for mau, vai reencarnar como ervas parasitas, micróbios ou insetos - por cachorrinhos, gatinhos e coelhinhos em Nosso Lar e a "bicharada ruim" (de dragões a mosquitos) no umbral, o "bondoso médium" botou pimenta demais em outros aspectos.
Chico Xavier levou o roustanguismo às últimas consequências. não só porque multiplicou em quatro centenas de volumes os três originais de Os Quatro Evangelhos, como neles inseriu elementos brasileiros, como folhetins, o sentimentalismo católico brasileiro, o moralismo familiar típico do país, o conservadorismo caipira, o sensacionalismo ufólogo, o curandeirismo e a paranormalidade espetacularizada, a devoção católica ortodoxa.
E como os brasileiros não entendem coisa com coisa, aceitando, por exemplo, a atuação cheia de equívocos, propositais ou não, do Poder Judiciário e do Ministério Público, numa verdadeira prostituição de autoridades jurídicas, como se Sérgio Moro, um juiz metido a xerife, fosse um "Deus", há quem pense em recuperar as bases kardecianas mantendo Chico Xavier e seu discípulo Divaldo Franco no pedestal, só porque "sempre foram bondosos".
Isso é um erro porque até a bondade dos dois é discutível e extremamente duvidosa. Pela importância que se atribui a eles, era para locais como Uberaba e o bairro de Pau da Lima, em Salvador, serem os mais evoluídos do mundo. Mas ela está justamente entre os locais onde a miséria e a violência atingem níveis assustadores. E não é falta de Chico e Divaldo no coração, porque eles são como celebridades nesses lugares e são extremamente adorados até por quem não é "espírita".
Chico Xavier é um patrimônio turístico de Uberaba. Divaldo Franco, uma das "autoridades máximas" em Pau da Lima. Mas, como deturpadores da Doutrina Espírita, só se pode esperar, deles, para desespero de seus seguidores, energias bastante pesadas vindas de seus "mentores", o medieval Emmanuel e o Máscara de Ferro, com seu transgênero do além chamado Joana de Angelis.
O repertório moral do "espiritismo" brasileiro é ultraconservador. A FEB e Chico Xavier defenderam o golpe militar de 1964 e, no auge da ditadura, vinha o "bondoso médium", erroneamente classificado como "progressista", pedir para orarmos pelos militares porque eles estavam construindo um "reino de amor" do Brasil futuro. Às custas do sangue de muitos inocentes abatidos nos porões da tortura?
Chico Xavier foi devoto da Teologia do Sofrimento, aquela que via nas desgraças um "caminho rápido para o céu". Quanto mais sofrer, mais perto se estaria de Deus, como diz essa cartilha medieval. E aí vemos Chico Xavier combatendo o questionamento, os queixumes, dizendo que é no silêncio que Deus ouvirá os infortunados etc.
A pauta de Chico Xavier sempre foi ultraconservadora. Nos livros deles, ou de Emmanuel - mas Chico sempre corroborou as ideias do jesuíta do além, se não considerarmos a hipótese que o próprio Chico teria inventado Emmanuel - , havia sutis alusões ao machismo, ao racismo e à homofobia, em seus diversos livros.
Em O Consolador (1941), há uma esculhambação do feminismo, com Emmanuel tendo dito que "o verdadeiro feminismo está dentro do lar e da prece", julgando os rumos do movimento feminista "muito perigosos", parecendo o tucano José Serra ironizando senadoras mexicanas. Esse "verdadeiro feminismo" se encaixa no mito de "bela, recatada e do lar" que a ultrarreacionária revista Veja definiu da primeira-dama, Marcela Temer.
Os índios e negros foram sutilmente ridicularizados no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, que Chico e Antônio Wantuil de Freitas, presidente da FEB, escreveram, mas atribuíram de maneira cínica e oportunista ao pobre do Humberto de Campos, que não está mais aí para reclamar. Eram tratados como se fossem "selvagens", num velho e apodrecido etnocentrismo que, naquele mesmo ano de 1938, já começava a ser superado pela Antropologia moderna.
Mais tarde, em 1969, Chico Xavier definiu os homossexuais como pessoas "emocionalmente confusas e doentes", como se não soubessem seu papel sexual na reencarnação. Uma sutil homofobia que ignora os livres direitos de escolhas das pessoas, sobretudo numa sociedade que sofre transformações nos últimos 50 anos.
Não é à toa que o mito "filantrópico" de Chico Xavier e Divaldo Franco foi popularizado por ninguém menos que a Rede Globo de Televisão. A Globo, já no final dos anos 1970, queria alimentar o mito de Chico Xavier, aos moldes de Madre Teresa de Calcutá, tanto para tentar domesticar as classes populares durante a crise da ditadura militar quanto para evitar a ascensão dos pastores eletrônicos Edir Macedo e R. R. Soares.
E isso sem falar de Divaldo Franco, o verborrágico orador que recebeu de graça o título de "maior filantropo do país" sem ajudar sequer 0,1% da população de Salvador, e menos em relação ao Brasil. Foi assim considerado mais pelo status religioso do que pelo que realmente fez, sobretudo um projeto educativo inócuo que não faria feio sob o selo de Escola Sem Partido!
E o pessoal fica ingênuo diante de tanto deslumbramento religioso. Não por acaso, as mídias sociais estão cheias de manifestações a favor desses ídolos "espíritas". O YouTube está cheio de bobagens em favor de Chico Xavier, que até se contradizem umas com as outras (a tese da "data-limite", por exemplo, não é aceita por todos os chiquistas) e o Facebook está cheio de deslumbrados religiosos que botam memes bonitos com as frases enjoadas de Chico e Divaldo.
Daí que tinham que se manifestar pelo cenário político de hoje. Um cenário político ultraconservador, retrógrado, que em nada vai mexer nas elites mais ricas e na classe média que lhe é solidária, por questões arrivistas. O "espiritismo" só faltou pedir para orarmos para Temer "prestar atenção no próximo" e "agir segundo os ensinamentos cristãos", porque o apoio, até pelos apelos inspirados na Teologia do Sofrimento, já diz muito sobre esse respaldo mal disfarçado.
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