Vivemos na onda da positividade tóxica de uma classe média velha, mofada, que parece ainda viver na segunda metade dos anos 1970, com uma compreensão simplória das coisas e com uma percepção ilusória de que as coisas se resolvem fácil.
A nova personalidade que decidiu passar pano na mistificação obscurantista de Francisco Cândido Xavier é a cantora, violonista e compositora de MPB, Rosa Passos, que em sua atitude complacente, que não condiz à realidade distópica em que vive o Brasil, decidiu publicar essa mensagem do suposto médium que reflete muito bem a positividade tóxica defendida pelo representante brasileiro da Teologia do Sofrimento (corrente radical do Catolicismo da Idade Média). A mensagem é esta:
"Se tiver que amar, ame hoje. Se tiver que sorrir, sorria hoje. Se tiver que chorar, chore hoje. Pois o importante é viver hoje. O ontem já foi e o amanhã talvez não venha".
Lembremos que essa mensagem entra em profunda contradição com o que Chico Xavier dizia, em outras situações. Defensor árduo da Teologia do Sofrimento, que é uma espécie de "holocausto do bem" ou o "Evangelho Segundo Pôncio Pilatos", Chico Xavier sempre pregava, em toda sua vida, que os oprimidos aguentassem sua desgraça em silêncio, "sem queixumes" (expressões do "médium"), sob a desculpa de que Deus "iria socorrer os infortunados da sorte em momento oportuno".
Em outras palavras, Chico Xavier sempre dizia que a bonança era sempre um acontecimento do futuro. Ele defendia que a pessoa aguentasse sua desgraça ou, quando não for o caso, dar murro em ponta de faca até sangrar, visando superar seu gravíssimo infortúnio.
E aí vemos Chico Xavier dizendo para "viver o hoje"! Como assim? Além da referida mensagem refletir uma positividade tóxica, que só faz sentido para famosos da classe média como Rosa Passos e, em outros casos, para Rita Guedes, Paulo Sisino, Fábio Jr., Fernanda Souza etc, ela tem uma carga de contradição e incoerência, e soa ainda mais perversa para quem sofre desgraças crescentes a cada dia.
Afinal, fala-se da tal "vida futura" como consolo para suportar o sofrimento sem fim. Ainda que a tal "vida futura" e sua "chuva de bênçãos eternas" seja na velhice ou na próxima encarnação, ela é sempre desenhada como "apelo" para se aceitar o infortúnio presente.
Esse apelo se deu de tal forma que Chico Xavier, para justificar sua apologia da desgraça humana, inventou um suposto "paraíso" chamado Nosso Lar, que o semiólogo Wilson Roberto Vieira Ferreira, que diante do "médium" parece incorporar a complacência da "esquerda namastê", entende como "obra científica".
CHICO XAVIER ERA PERVERSO
E aí Chico Xavier fala que "o amanhã talvez não venha". Valeu a pena falar para o sofredor extremo para aguentar a sua desgraça sem fim, sob a desculpa das tais "bênçãos futuras"? Se bem que, em várias passagens, Chico Xavier também havia dito que, na próxima encarnação, as "bênçãos futuras" seriam mais sacrifícios, mais desgraças, tudo para a pessoa suportar em sua rotina barra-pesada, sob o prêmio de "encurtar o seu caminho para os braços de Deus".
Chico Xavier era perverso. Associado a um espírito autoritário (Emmanuel), que a Codificação sabiamente associou à inferioridade moral e espiritual, o "médium" era reacionário, ultraconservador e só tinha como diferencial expressar seu moralismo perverso e punitivo, às vezes voltado para a positividade tóxica, com palavras dóceis. Chico Xavier plagiou até o Amigo da Onça. Que oportunidade os herdeiros de Péricles Maranhão perderam para processar o "médium"!
O "médium" era defensor tão radical da ditadura militar que é praticamente certo que, se estivesse vivo, hoje, Chico Xavier seria bolsonarista, através de fatores desagradáveis, porém consistentes e realistas. A Escola Superior de Guerra condecorou Chico Xavier e ofereceu espaço para palestras. A ESG nunca iria fazer isso com quem não fosse um colaborador da ditadura militar, porque isso requer gasto de dinheiro, de espaço e de tempo para tamanhas homenagens, que incluíam rituais e cerimônias diversas.
E aí vamos juntando as peças do quebra-cabeça semiológico e ver o quanto a crueldade de Chico Xavier, que, a partir de seu triste exemplo, fez o "espiritismo" brasileiro ser uma doutrina dos juízos de valor motivados pelo moralismo punitivista, que às vezes se alterna com a positividade tóxica, que é aquele fenômeno em fazer alguém ser feliz à força, mesmo diante da pior desgraça.
Dessa maneira, Chico Xavier agia com muita perversidade, ao apelar para os oprimidos a suportarem as desgraças que se acumulam e se agravam sem controle. Dane-se se o oprimido virou capacho do Destino, ele tem que aguentar as piores coisas sorrindo. Ele sempre falava para aguentar a desgraça em "gratidão a Deus", na esperança de alcançar as "bênçãos da vida futura", e aí o "médium", em contradição com suas ideias mistificadoras, diz, na mensagem aqui reproduzida, que "o amanhã pode não vir".
Para quem é de classe média, como cantores, atores, radialistas, semiólogos, advogados, produtores de TV etc, faz sentido botar essas frases ridículas e pavorosas de Chico Xavier. Quem está bem de vida ignora que o Brasil está vivendo num quadro de distopia, surgido no golpe político de 2016 (apoiado pelo "movimento espírita"), com convulsões sociais, retrocessos trabalhistas, incêndios destruindo florestas e museus e cinematecas.
Não são os devotos de Chico Xavier, nem seus simpatizantes "distanciados" e "laicos", que sofrem as agonias de moradores de rua, camponeses, operários, desempregados, infelizes de toda espécie, estes muito desconfiados com a positividade tóxica das mensagens chiquistas e com a suposta caridade que nem de longe resolve os problemas crônicos e estruturais da miséria humana.
Para quem vive bem de vida, tudo está fácil. Daí que a classe média pode recorrer a um religioso mistificador como Chico Xavier para publicar suas frases de positividade tóxica, porque para quem é remediado está tudo fácil de se resolver. Até porque, se ocorrer uma catástrofe que vai destruir o Brasil, os remediados vão se mudar para a Europa, felizes em ver o mausoléu do "bondoso médium" resistindo, até não se sabe quando, aos vendavais e tempestades de areia que atingem eventualmente a cidade de Uberaba.
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