
É bom a imprensa brasileira passar a noticiar mortes de antigos feminicidas. Se nossos periódicos noticiam até morte de gandula de futebol de várzea por mal súbito ou de recos de alistamento militar por conta de infarto sofrido num treino, por que esconder as tragédias que eventualmente atingem até feminicidas cujos julgamentos foram noticiados até em rede nacional?
Também morre quem atira. E nenhum feminicida fuma muito, usa drogas e se embriaga na juventude para virar, aos 79 anos, influenciador digital ou muso fitness. Temos velhos feminicidas com idade de óbito, como Doca Street, Roberto Lobato e Pimenta Neves, e aparentemente nenhum deles, mesmo octogenários, está sob risco de morte ou indício de doenças graves (mesmo as da velhice!), talvez na esperança de algum terraplanista da moral conservadora vê-los aos 90 anos correndo a São Silvestre em 2025 com um moderno celular para fazer selfies.
Claro que virou um tabu noticiar tragédias de feminicidas jovens ou não por diversos motivos. Há a sociedade higienista que acha o feminicídio um "mal necessário", porque é "necessário reduzir a população do país, numerosa demais" e "existe mulher demais nesse país". Há também o risco de transformar feminicidas em ídolos póstumos, e, por outro lado, a perda de possíveis alpinistas morais a "dar exemplo" em alguma nova igreja evangélica etc etc.
O problema é que o feminicida mata a mulher a vista e mata a si mesmo a prazo. Não existem dois machistas, um que descuida de sua saúde e morre cedo e outro que mata a mulher pela honra machista.Os dois são um só machista, e o fenômeno que explica melhor isso é o da Masculinidade Tóxica, que a Psicologia anda analisando ultimamente.
A masculinidade tóxica consiste numa personalidade egocêntrica do homem. Ele combina vaidade excessiva, arrogância, imprudência, intransigência e impulsividade. O homem que mata a mulher porque não aceita divorciar-se dela é o mesmo que se recusa a evitar o álcool quando se prepara para encarar uma rodovia dirigindo seu carro.
Pelo seu comportamento de risco, o feminicida tem riscos elevados de morrer, não raro de forma prematura (geralmente entre os 45 e 65 anos), pelos seguintes males: câncer de todo tipo (sobretudo próstata, pulmão e cérebro), infarto, AVC, mal súbito, acidentes de trânsito, suicídio e até mesmo por homicídio ocorrido por outro alguém. Na prática, o feminicida se equipara a alguém que vive com um marca-passo e que tem que evitar sofrer algum tipo de tensão.
Feminicidas ainda têm, como agravante, a alternância emocional que os faz terem momentos de profunda irritação e momentos de depressão intensa, levando a consequências extremas e fatais os transtornos bipolares sofridos por pessoas de caráter mais mediano. São esses contrastes emocionais que fazem com que até o feminicida mais rico e bonitão, supostamente saudável, tenha altíssimo risco de sofrer um infarto fulminante.
Dados do IBGE mostram que a expectativa de vida dos brasileiros saltou de uma média de 75 anos para a de 76 anos. Especificamente entre os homens, o índice foi de 72 para cerca de 73. Entre as mulheres, de 76 para 79, apesar do elevado índice de feminicídios.
O feminicida não costuma ir além de 80% da expectativa de vida estimada para o brasileiro comum. No índice geral, sua expectativa de vida não passa de 60 anos de idade, apenas superando com folga a dos matadores de aluguel (pistoleiros, jagunços, capangas de bicheiros, milicianos etc), cuja expectativa de vida atinge o surpreendente limite de 44 anos. Se um feminicida chega aos 80, 85 anos, é como se um cidadão comum tivesse chegado à marca de 100 anos de idade.
A histeria da sociedade conservadora em não admitir que feminicidas também morrem - estima-se que 20% dos homens que assassinaram suas mulheres, entre 1977 e 2000, e não se suicidaram nem foram assassinados, já estão mortos, alguns precocemente - revela uma psicose que atinge uma parcela da população brasileira, envolta em delírios reacionários que mostra atos desumanos ou estúpidos constantemente divulgados pelas redes sociais.
Isso faz com que a imprensa se recuse a noticiar a tragédia dos feminicidas, num contexto em que até o sucessor de Pimenta Neves na redação de O Estado de São Paulo, Sandro Vaia, já morreu. Foi uma gafe atribuir a Doca Street uma "intensa atividade nas redes sociais" quando, como é de praxe para todo o empresário, o "pique" se deva ao trabalho de um assessor de imprensa dele. E num contexto em que até o youtuber Whindersson Nunes sofre depressão devido aos haters, como um feminicida das antigas teria forças para encarar tais situações?
E se a sociedade que é capaz de aceitar mortes de entes queridos, aceita mortes de crianças com câncer e vê com naturalidade perdas de famosos de extraordinário talento, mas se altera com nervosismo quando as mortes atingem feminicidas, então o problema está sério. Mostra o quanto o golpe político de 2016 tornou-se, na verdade, um grande surto coletivo.
Se uma pessoa se irrita quando se fala que um feminicida, mesmo relativamente jovem, está gravemente doente, é sinal que ela anda vendo WhatsApp demais e pensa que a vida é um folhetim do Século XIX para que assassinos se tornem automaticamente bons moços. Que até é louvável que pessoas assim queiram se redimir moralmente, isso não há dúvida. Mas lembremos que os feminicidas não dão tempo para seus corpos terem o prazo necessário para esse processo.
Se bem que, quando um feminicida vive longamente, existe também o risco de sua vaidade corrompê-lo, numa espécie de efeitos nefastos do alpinismo moral. O feminicida pode virar um homem simpático, sociável e inofensivo, mas seu orgulho é mascarado e a distância do tempo do crime cometido lhe dá a impressão de que aquilo que ele fez de ruim não passou de algo "sem importância".
Além disso, a morte prematura de um feminicida traz uma vantagem: ele pode reencarnar do zero, sem que estivesse sob a identidade corporal de quando cometeu o crime. Dessa maneira, ele pode se redimir e progredir sem que tenha as "mãos sujas" do sangue de sua mulher. E a morte prematura talvez lhe estimulasse a autocrítica de alguém que desperdiçou sua vida eliminando a vida alheia e, por isso, essa condição expõe mais as fragilidades do machista violento.
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