
Depois de uma longa folga, não pude me silenciar quando um amigo meu me apresentou na Internet essa imagem acima. Embora muitos acreditem que essa imagem é de indiscutível beleza e saiam ao mesmo tempo felizes e com lágrimas de olhos de tanta comoção, ela é bem grosseira e revela o culto à personalidade dos ditos "médiuns" brasileiros.
Isso é deplorável e a imagem mostra um discurso que, bem observado, nada tem de agradável nem de comovente. Pelo contrário. Trata-se de um processo de humilhação do povo pobre que, em aparante gratidão pelos poucos donativos obtidos, beijam a mão do "benfeitor", que é o que mais ganha nesse show de Assistencialismo em que vemos, que mais ajuda o "filantropo" do que os mais necessitados.
Temos que questionar, e muito, a dita "caridade espírita", que muitos confundem com algo revolucionário. Se essa "caridade" desse certo, o Brasil teria atingido níveis elevados de qualidade de vida, liberdade e progresso humano. Se hoje o Brasil se encontra em situação deplorável a ponto de elites serem ignorantes a ponto de defenderem um troglodita como Jair Bolsonaro para governar o país, então a "caridade espírita" não deu certo e se revela um grande fracasso.
Ela é só um espetáculo na qual o "benfeitor" faz sua propaganda, obtém seus louros, ganha fama e prestígio e vira alvo da adoração mais cega e desprovida de lógica e questionamentos. Muitos brasileiros estão acostumados com esse espetáculo, sem serem esclarecidos da armadilha que isso significa, porque nós vemos que os resultados sociais não vão além dos medíocres e sua eficiência nas classes pobres é baixíssima.
Vemos na foto acima pessoas pobres, que não deixam de expressar sua inferioridade social, numa cerimônia ritualística do beija-mão. Elas cumprimentam o "sacerdote" Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier que exerce fascinação obsessiva nos seus seguidores e simpatizantes, mesmo aqueles que se dizem pessoas esclarecidas.
Esperto e dotado de um discurso envolvente, não pela beleza das frases em si, mas por apelos visuais e simbólicos sedutores que envolvem o "médium", Chico Xavier, um sujeito reacionário e deturpador da causa espírita original, que nas mãos dele transformou-se numa versão repaginada do Catolicismo jesuíta da Idade Média, teve habilidade de exercer seu domínio maquiavélico até sobre ateus, esquerdistas e kardecistas autênticos.
Só que Chico Xavier, prezados leitores, foi um dos sujeitos mais conservadores que passaram pela face da Terra, e se ele tivesse nascido nos EUA, ele torceria o nariz até para o Partido Democrata, que não é lá aquele suprassumo de progressismo (ele é o PSDB ianque). Mas aqui houve quem considerasse Chico Xavier "comunista", ignorando que ele expressou o mais convicto anticomunismo diante de multidões na entrevista ao programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em 1971.
Chico Xavier nunca foi progressista e não temos o direito de usarmos o pensamento desejoso para inventar coisas que não existem. Não temos direito de moldar um "médium espírita" daquilo que ele não é, só porque essa ideia parece bonita e agradável. Chico foi uma das pessoas mais conservadoras e ele foi adepto da Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica e que se fundamentava nos opressores aceitarem calados a opressão que os sufoca na vida.
Ninguém percebe porque prefere vislumbrar, tolamente, as fotomontagens nas quais a cabeça de Chico Xavier flutua em céus ensolararados ou sai brotando de uma flor. E aí sai idealizando ele como se um "médium" fosse um boneco de massa de modelar. É muito confortável usar o pensamento desejoso nesse sentido, combinado com a fé e uma visão equivocada da liberdade religiosa, confundida com permissividade e fantasia.
No entanto, Chico Xavier era retrógrado, em todos os sentidos, e até seu visual nos anos 1970, com ternos brancos e peruca, soava muito cafona. Seus apelos emocionais são muito piegas e o moralismo dele, extremamente conservador. Dizer para o opressor sofrer calado e ficar olhando passarinhos, além de perdoar o opressor pelos abusos cometidos, é algo que nada tem de progressista, mas tudo tem de extremamente conservador.
A foto que vemos, com um monte de pobres, com senhoras idosas à frente, indo beijar o popstar do "movimento espírita" é bem grotesca. Ela lembra um ritual da Idade Média, com o beija-mão dos sacerdotes com os plebeus em fila, submissos como carneirinhos. Não dá para ver, na imagem que ilustra nossa postagem, uma cumplicidade de humildes com humildes, porque a imagem de "humildade" de Chico Xavier é muito falsa.
Chico Xavier acusou gente humilde de ter sido um bando de gauleses sanguinários. No caso, as humildes vítimas da tragédia que atingiu um circo em Niterói, a uma semana do natal de 1961. Está em Cartas e Crônicas, de 1966, na qual Chico botou sua visão pessoal na conta de Humberto de Campos, uma usurpação mal disfarçada pelo codinome "Irmão X", só para evitar ser acusado de tão violento e impiedoso juízo de valor, motivado pelo apego ao passado mais remoto.
Chico Xavier também esculhambou gente humilde, condenando, como um direitista convicto e radical, os movimentos camponeses, operários e sem-teto, de pessoas trabalhadoras que buscam qualidade de vida e recebem do "médium progressista (?!)" comentários ríspidos e dotados do mais ferrenho anticomunismo que acompanhou toda a vida do "bondoso homem" de Pedro Leopoldo e Uberaba.
Agora, vamos mostrar três fotos que podem confrontar com a imagem que inicia nossa postagem.



Todas essas fotos envolvem o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, infelizmente preso por supostas e infundadas acusações de corrupção. Nelas se vê a cumplicidade que não existe na foto do "médium" de Uberaba, e vemos diferenças profundas de linguagem.
Nas três fotos com Lula, vemos a cumplicidade do ex-presidente com o povo. Ex-chefe de Estado, Lula aparece acolhendo espontaneamente as pessoas e sendo acolhido na mesma medida. Há uma interação, uma alegria, algo que não passa por protocolo algum e revela uma naturalidade incrível, um entusiasmo de um líder popular que realizou programas de desenvolvimento econômico com inclusão social.
É lamentável, em dois sentidos, que a imagem que inicia esta postagem, com Chico Xavier recebendo pessoas idosas, num processo ritualístico e de distanciamento hierárquico que é a cerimônia do beija-mão.
Os "espíritas" reacionários acreditam que isso é sinal de respeito aos valores hierárquicos da religião e da moral. Os "espíritas" de esquerda, porém de inclinação chiquista, acham que não há diferença alguma entre as imagens do "médium" no ritual do beija-mão e nos abraços populares ao ex-presidente petista.
Tem diferença, sim, e muita. A ação de Chico Xavier é ritualística e sem cumplicidade. É um ato "de cima para baixo", no qual um ídolo religioso se encontra em situação de superioridade e poder, enquanto os pobres, em posição melancólica e humilhada, embora agradecida, se submete ao prestígio do "médium" para beijar a sua mão e cumprimentá-lo como um subordinado cumprimenta alguma autoridade.
No caso de Lula, o que se vê, em que pese o fato dele ter sido um chefe do Poder Executivo, uma interação de igual para igual, cuja espontaneidade é inegável, e cuja emoção popular é forte, sem a melancolia e o ar de tristeza dos pobres que cumprimentam Chico Xavier. No lugar dessa tristeza submissa e deprimente, temos uma alegria natural e sincera, o que nos faz perguntar onde é que existe mesmo um sentimento de esperança e otimismo.
Tomados de fascinação obsessiva e paixões religiosas, muitos brasileiros pensam que o ritual do beija-mão de Chico Xavier é um ato de esperança e revigoramento emocional. Mas não é. O que se observa são pessoas submissas e tristonhas, que, deprimidas, recorrem à figura de um "médium" ao qual há um distanciamento hierárquico, próprio do culto à personalidade que é representado por esses rituais de cumprimento hierárquico e cheio de protocolos.
Vamos recolocar, juntas, a imagem de Chico Xavier recebendo idosas pobres na cerimônia do beija-mão e confrontá-la com Lula saudando uma velhinha idosa, bem mais idosa que as velhinhas que recorrem ao "médium".

A diferença é muito, muito gritante. A melancolia deprimente e o distanciamento hierárquico, no caso do "médium" mineiro, e a cumplicidade e interação, no caso do petista, contrastam, e muito, o que nos faz perguntar por que muitos esquerdistas, tão tolos, acham que as duas imagens antagônicas mostram o mesmo tratamento.
É aberrante a imagem que vemos em Chico Xavier e isso mostra o quanto a função de "médium", no Brasil, foi corrompida, perdendo o caráter intermediário que deveria ser, na comunicação entre vivos e mortos, para ser o de "centro das atenções".
Para piorar, as "mensagens dos mortos" acabam sendo fake, enquanto os "médiuns" viram dublês de pensadores, conselheiros, ativistas e filantropos, desempenhando muito mal (se é que o fazem) tais atributos, mas se beneficiando pelas glórias terrenas.
Infelizmente, muitos brasileiros são tomados de fascinação obsessiva - tipo de obsessão considerado perigoso por Allan Kardec - e pensamento desejoso e ignoram os aspectos negativos de Chico Xavier. São tomados de muito sonho e fantasia, até que caiam da cama, feridos por tamanho tombo, ao verem, no lugar de seu adorado ídolo "encaixado" digitalmente em paisagens floridas e celestiais, um ídolo religioso presunçoso, reacionário e traidor dos ensinamentos espíritas originais.
É hora de despertar desse sonho, pessoal!
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