
A "paz" de Francisco Cândido Xavier é uma grande guerra semiótica. A adoração dos brasileiros ao "médium" de Pedro Leopoldo mostra o quanto este se torna pior do que um encantador de serpentes, através de suas bombas semióticas que o fazem, mesmo feioso, retrógrado e ultrapassado, sedutor a ponto de se tornar uma pretensa unanimidade nacional.
Criando armadilhas que deixam desprevenidos até mesmo semiólogos como Nelson Job e Wilson Roberto Vieira Ferreira, este do Cinegnose, e fazem com que esquerdistas e ateus sejam hipnotizados pelo seu ideário conservador, Chico Xavier é um paiol de bombas semióticas muito perigoso, fazendo com que esse problema não seja distante de nós, quando muita gente imagina que bombas semióticas são coisa de cinema surreal polonês ou sueco.
Com Chico Xavier, as bombas semióticas estão junto de nós. Ele em si é um sério problema semiótico, um sujeito que nada teve de realmente sábio, humilde nem altruísta e que foi mais um ilusionista, um dominador da linguagem, um manipulador de corações e mentes dos mais traiçoeiros.
Ele foi um deturpador do Espiritismo que simbolizou os pontos negativos alertados por Allan Kardec na sua literatura original. Em Chico Xavier, aspectos contrários aos postulados espíritas são encontrados de forma chocante: textos empolados, ideias estranhas à Doutrina Espírita, valores morais ultraconservadores, uso de nomes ilustres para iludir e enganar as pessoas.
Chico Xavier valeu como milhões de Judas Iscariotes que não traíram Jesus de Nazaré uma vez, mas milhões de vezes. Seus livros são falsas psicografias, literatura fake pretensamente espiritualista mas que, pelo seu caráter sedutor e sua "magia", nunca recebeu uma investigação contestatória, pois seus críticos eram seduzidos por esse "canto de sereia" que foi trazido não por belas mulheres com rabos de peixe e cantos lindíssimos, mas por um velho feioso de peruca ou boné e ternos cafonas.
No entanto, Chico Xavier traiu o Espiritismo, mas é considerado até hoje seu "mais fiel seguidor". Era reacionário de carteirinha, a ponto de defender até o AI-5 para "combater o caos", mas recebe a admiração de pessoas declaradamente comunistas. É um deísta irredutível, mas é contemplado por setores do ateísmo.
Como um sujeito desses, uma espécie de Luciano Huck de seu tempo - entre os anos 1940 e 2000, época do poder manipulador do traiçoeiro Chico Xavier - , consegue dominar seus opositores é algo que não deveria ser aceito, mas contestado, questionado, investigado, por ser um perigoso meio de manipulação das mentes humanas, o sujeito que mais representou a técnica traiçoeira do love bombing ("bombardeio de amor") no Brasil.
É um grande erro de Wilson Roberto em achar que o livro Nosso Lar é uma obra científica, da mesma forma que um embasbacado Nelson Job também errou feio quando admitiu sentido na suposta profecia da "data-limite" e da (risível) atribuição de extra-terrestres como "salvadores da humanidade", coisas que Allan Kardec reprovaria sem um pingo de hesitação.
Vamos lembrar que Kardec reprovava a atitude de prever o futuro usando datas determinadas, porque via nisso uma ação de espíritos zombeteiros em baixíssimo nível moral. Embora muitos tentem desmentir, Chico Xavier, sim, quis prever o futuro usando datas determinadas e tentando supor fatos definidos etc.
Os partidários de Chico Xavier tentam desmentir isso, dizendo que o "médium" não teria feito a "profecia" ou dizia apenas que "previa um tempo em que as transformações da humanidade seguiriam no sentido da paz e da fraternidade". Essa atribuição soa ridícula, porque coloca sempre uma pretensa profecia, narrada como pseudo-ciência bem ao gosto dos terraplanistas e ufólogos fanáticos, com uma finalidade igrejeira das mais piegas.
"ADMIRÁVEL MUNDO NOVO" ÀS AVESSAS
As bombas semióticas de Nosso Lar partem da premissa de um suposto mundo espiritual, feito de maneira especulativa, sem que houvesse um trabalho científico que criasse uma hipótese plausível do que realmente é o mundo espiritual. No tempo de Kardec, não havia uma noção do que realmente é a vida no além-túmulo, e é certo que depois de sua morte até nossos dias não houve um estudo que pudesse supor o que seria o mundo espiritual.
Sem esse estudo, a ideia de "colônia espiritual" soa muito extravagante, pedante e tomada de paixões materialistas profundas. Cria-se um "mundo espiritual" aos moldes de uma vida material, o que serve como anestesia para as pessoas, na Terra, enfrentarem as desgraças da vida presente, em uma obsessão que faz muitos se tornarem religiosamente masoquistas.
Nosso Lar lembra um condomínio de luxo e a obra literária que leva seu nome e usa o nome fictício de André Luiz como "autor espiritual" - sob risíveis atribuições de que o suposto espírito teria sido, na última encarnação, um dos médicos famosos (Osvaldo Cruz ou Carlos Chagas) ou o dirigente esportivo Faustino Esporel, cada um com hipóteses cheias de contradições - é uma espécie de ficção científica ruim, que não seria aproveitada sequer para um filme B, mas foi tratada como "obra realista" que inspirou uma adaptação cinematográfica supostamente sofisticada.
Alguns "espíritas" falsamente esquerdistas e adeptos de plantar factoides aqui e ali inventaram a falácia de que Nosso Lar seria uma "comunidade socialista". São meras fake news. A solidariedade existente nos habitantes de Nosso Lar não significa que isso expressa algum socialismo ou comunismo, porque, se fosse assim, até as mansões da Zona Sul de São Paulo seriam redutos de socialismo, se ele fosse apenas uma questão de "pessoas solidárias umas às outras". Ou então o G-8, as grandes corporações capitalistas, também seriam "socialistas", se for por essa abordagem.
A verdade é que Nosso Lar, que se desconfia ser um plágio de A Vida Além do Véu (The Life Beyond the Veil), do reverendo inglês George Vale Owen, com algumas sugestões trazidas pelo menino prodígio Waldo Vieira, depois parceiro de Chico Xavier, é uma obra de caráter moralista conservadora, travestida de um tosco e duvidoso futurismo espiritualista.
A relação da cidade de Nosso Lar com uma zona inferior chamada de Umbral revela uma inversão moral em relação às hipotéticas fases futuristas de Londres e Novo México (EUA) no ano 2540 em Admirável Mundo Novo (Brave New World), que Aldous Huxley lançou em 1932, mesmo ano que Chico Xavier lançou o fraudulento Parnaso de Além-Túmulo.
Nosso Lar é uma cidade próspera, ultra-desenvolvida e constituída de prédios grandes e imponentes, um bosque florido e verdejante e praças e palcos ao ar livre e outros edifícios atraentes. Um precursor dos ônibus BRT é mencionado, o "aeróbus", e um cartão eletrônico de múltiplos usos que serve para transporte e outros pagamentos, de ingresso para cinema a compra de alimentos, o Bônus-Hora, é creditado como um "salário" correspondente ao trabalho servil de seus moradores.
Devemos lembrar que o cartão de crédito estava sendo testado em inúmeras atividades comerciais dos EUA, e era anunciado como uma grande novidade na imprensa mundial dos anos 1940. Possivelmente a ideia do "Bônus-Hora" teria partido do presidente da Federação "Espírita" Brasileira, Antônio Wantuil de Freitas, lendo periódicos talvez de Economia, que transmitiu a Chico Xavier para inserir no ambicioso livro.
Usando uma comparação material, lembrando que Nosso Lar supostamente se situa sobre a cidade do Rio de Janeiro, a dicotomia Nosso Lar / Umbral corresponde à dicotomia Barra da Tijuca / Jacarepaguá. Inversa da dicotomia Londres / Novo México de Admirável Mundo Novo, na qual a próspera capital britânica, promovida a "capital mundial", se torna a vilã do enredo, como sede de um governo elitista envolvido em manipulações genéticas e psicológicas da humanidade, Nosso Lar aparece como a "cidade-heroína" do seu enredo.
A "reserva selvagem" do Novo México, na referida obra de Huxley, é um ambiente onde se situam os excluídos sociais, que se recusaram a aderir ao esquema de manipulações genéticas e psicológicas da "admirável nova Londres". Os "selvagens" eram caraterizados por pessoas com trajes proletários.
O Umbral é uma espécie de "lixeira" onde pessoas prostradas, feito zumbis de filmes de terror, residem, e em dado momento eles são sintonizados pelo protesto que alguns espíritos inferiores internados em Nosso Lar fazem contra a alimentação "asséptica" oferecida no local. Há controvérsias se Nosso Lar corresponde a um paraíso ou a um purgatório.
No final do livro, no qual se incluem apelos igrejistas diversos, como a beatitude religiosa da mãe do protagonista André Luiz, este e seus assistentes da "colônia espiritual" se organizam para o "socorro espiritual" às vítimas da Segunda Guerra Mundial, no ano de 1939.
Trata-se tão somente de uma obra religiosa ultraconservadora, cujo futurismo é apenas uma fachada para promover sensacionalismo e embarcar na onda das narrativas futuristas da ficção científica, apesar de Nosso Lar ter a pretensão de ser uma "biografia realista" supostamente relacionada ao mundo espiritual. Uma obra moralista retrógrada que se serve de uma embalagem moderna para fazer valer seus apelos conservadores expressos no seu conteúdo neo-medieval.
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