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Até que ponto a moral "espírita" pode acusar as pessoas?


Muitas pessoas não gostaram quando os blogues que questionam os abusos do "movimento espírita" brasileiro, o Dossiê Espírita e o Data-Limite, identificaram sutis alusões ao racismo em uma das matérias de capa do Correio Espírita deste mês, intitulada "Africanos retornam à sua pátria, a Europa", com a "licença" do título definir um continente inteiro como um "país".

Diz o texto sobre a matéria: "Agora, os invasores do pretérito aparecem reencarnados, no mesmo solo que pintaram de sangue, e com a roupagem física de africanos e tentam voltar às pátrias de origem, necessitando drasticamente de amparo, proteção e ajuda".

Muitos alegam que a identificação de posições racistas foi "injusta", mas ela segue a mesma postura que se vê até mesmo no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, de Francisco Cândido Xavier, de 1938.

A visão depreciativa do povo africano, a definição da negritude como um castigo, se observa sutilmente mas de forma concisa nesse trecho da "roupagem física de africanos", definida como um castigo para invasores que "banharam a África de sangue" no passado.

Alegam os "espíritas" e, certamente, os partidários e membros do referido periódico, que se trata apenas de uma punição para quem havia maltratado os negros no passado. Só que esse "dedo acusador" segue critérios bastante duvidosos de avaliação.

Afinal, todos os africanos que se dirigem em embarcações destinadas a Europa são necessariamente tiranos sanguinários reencarnados? Esse julgamento generalizado, que já rendeu contra o "movimento espírita" pesado processo judicial por calúnia, não indica algum racismo?

Woyne Figner Sacchetin, médico de São José dos Campos e dublê de médium, foi usar o nome do espírito de Alberto Santos Dumont para acusar de "romanos sanguinários" da Gália, em "outras vidas", as 199 vítimas do acidente da TAM em São Paulo, em 2007, e foi processado por calúnia pelas famílias das vítimas.

O processo só foi possível porque as famílias das vítimas tiveram dinheiro para pagar advogados. Mas quando as vítimas são das classes populares e, sobretudo, da raça negra, não há grana que possa processar os "espíritas" por acusações levianas e presunções reencarnatórias sem provas cabíveis.

Chico Xavier passou impune quando, usando o nome de Humberto de Campos - meio disfarçado pelo codinome "Irmão X", sob o pretexto de "evitar maiores dissabores" - , acusou levianamente as inocentes vítimas do incêndio do Gran Circus Norte-Americano, em Niterói, no final de 1961, de terem sido "romanos sanguinários", também da Gália, em "outras vidas".

Não são pessoas com dinheiro ou mesmo instrução suficiente para acionarem advogados. São duplamente vitimadas pelo julgamento de valor dos "espíritas", tão "sabedores" das coisas e tão preocupados em ver os pobres como irremediavelmente inferiorizados.

TABLOIDE ROUSTANGUISTA

O preocupante moralismo "espírita", travestido de um paternalismo "consolador", primeiro acusa os pobres coitados, gente trabalhadora ou desempregada, humilde, necessitada, batalhadora, sofredora e cheia de sonhos e desejos, de terem sido tiranos no passado, uma classificação que tem tudo de suposição, mas é jogada assim a esmo como se fosse uma verdade indiscutível.

O julgamento especulativo dos "espíritas", difundido pelo Correio Espírita, no fundo um tabloide roustanguista, é que envergonha e não os comentários sobre alusão de racismo. Afinal, não existem provas científicas de que todos aqueles infelizes que enfrentaram até naufrágio, com vários sucumbindo à morte, teriam sido realmente invasores sanguinários das nações africanas.

O que chama a atenção é que os "espíritas" parecem ver a África como uma mera selva e as tribos como um bando de selvagens. Grande erro. Muitos dos legados das tribos africanas revelam um admirável caráter de Educação, Cultura, de estrutura política, que tantas coisas admiráveis trouxeram para a "civilização".

O problema é a mania do "movimento espírita" em querer julgar as coisas, sem ter qualquer tipo de fundamento e aí é que os "espíritas" são cobrados pela falta de estudo da Doutrina Espírita e pela sua inclinação mal-disfarçada ao Catolicismo medieval português, base da doutrina brasileira.

Fica muito fácil julgar se os "infelizes" em questão são pobres, negros, judeus, índios, mulheres, crianças. Eles sofrem porque foram "maus" no passado, embora não haja garantia de que todos tenham sido assim. E quem está ao lado deles e havia sido uma pessoa alegre em outras encarnações, pode ser acusado de ter sido um "tirano"?

Não existem métodos nem critérios seguros. Os defensores do Correio Espírita reclamam de tão "injusta" acusação, mas deveriam ver o erro que o periódico cometeu. Claro, se não fossem os africanos em busca de algum lugar ao sol, mas navegadores portugueses vindos da colônia brasileira, o papo seria outro e o "julgamento" mais otimista.

Os povos africanos merecem respeito. Nem todo mundo foi "tirano" em Roma, Lisboa, Londres ou onde quer que fosse. Até quando vamos aceitar dos "espíritas" esse morde-e-assopra moralista, que primeiro faz acusações sem fundamento para depois prestar misericórdia? Até que ponto os "espíritas" poderão usar sua moral para acusar as pessoas dessa maneira tão lamentável?

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