Até quando vamos aguentar os "espíritas" mantendo duas caras? Uma, a da alegada fidelidade e do suposto respeito rigoroso ao pensamento de Allan Kardec, e outra, a do igrejismo místico e conservador de um roustanguismo não assumido, desnorteiam a doutrina e envergonham aqueles que buscam um mínimo de coerência, mesmo no âmbito da religiosidade.
Nota-se que os palestrantes "espíritas" sempre se contradizem. Num momento, evocam Allan Kardec e apelam para a "coerência espírita". Falam que estão com a lucidez, que apreciam a lógica e o bom senso, admiram o pensamento científico, são amigos da objetividade lógica e tudo o mais.
No outro, se derramam em delírios igrejistas e esotéricos, sucumbem ao deslumbramento da histeria religiosa, no obscurantismo da fé, na severidade do moralismo, no vazio do sentimentalismo piegas, na euforia de exaltar totens e ídolos da doutrina.
A postura dúbia sempre existiu no "movimento espírita", mas em outros tempos havia um mínimo de sinceridade de, pelo menos, assumir a preferência pelo mistificador Jean-Baptiste Roustaing, expressando um desprezo por Allan Kardec por ser este "complicado demais".
O problema é que, de umas quatro décadas para cá, criou-se uma postura bastante dúbia, própria de um Brasil que adora fenômenos contraditórios, sempre valorizando pessoas que dizem uma coisa (geralmente mais avançada) e fazem outra (geralmente mais retrógrada).
Se isso existe até na trolagem, com muitos internautas de "extrema-direita" se autoproclamando de "centro-esquerda", ou mesmo no rádio FM, com a carioca Rádio Cidade se autodefinindo como "rádio de rock séria" se comportando como a mais debiloide FM pop, o que esperar de um kardecismo que despreza Allan Kardec mas insiste em fazer a ele falsas juras de amor?
É terrível ver que, nas publicações "espíritas", haja sempre a hesitação entre um igrejismo entusiasmado e um cientificismo pedante, e ver que seus ideólogos se alternam entre uma e outra coisa é assustador.
Chegam mesmo a evocar Erasto, que como espírito preveniu a sociedade francesa, nos tempos de Kardec, contra a deturpação da Doutrina Espírita, como se o recado não fosse para os verdadeiros destinatários, os próprios deturpadores brasileiros, que Erasto reprovaria sem a menor hesitação.
Nem Divaldo Franco, que posa de "mais correto discípulo de Allan Kardec do país", escaparia da reprovação de Erasto. O próprio "médium" baiano é anti-kardeciano por excelência: gosta de marcar datas fixas para o futuro, acredita em coisas duvidosas como "crianças-índigo" e "planetas-chupões" e ainda adota um discurso rebuscado e prolixo, que é o que carateriza suas "brilhantes" (sic) palestras.
Francisco Cândido Xavier, então, seria reprovado por Erasto por questão de um segundo. E se muitos pensam que essa reprovação é invenção da intolerância religiosa e da perseguição a quem "sempre fez o trabalho do bem", é bom verificar os livros de Allan Kardec.
Em obras como O Livro dos Médiuns, O Livro dos Espíritos e A Gênese, fora muitos artigos na Revista Espírita, Allan Kardec demonstra reprovação severa e firme a muitos elementos que estão presentes nas obras e ideias de Chico Xavier e Divaldo Franco, de maneira clara e concisa. É só ler e verá que reprovar os dois "médiuns" nada tem de intolerância nem de perseguição, mas de questionamento lógico.
Os "espíritas" caem em contradição o tempo inteiro. Acobertam fraudes, abordagens equivocadas, ideias ultraconservadoras, interpretações sem lógica, especulações fantasiosas etc, com todo um malabarismo discursivo que tenta nos fazer crer que contradição é "equilíbrio".
Na ciranda das palavras, fica fácil usar a "bondade" como uma ponte frágil para ligar o pedantismo pretensamente científico e o igrejismo apaixonado dos "espíritas", que os faz dormir tranquilos achando que estão com a consciência limpa diante do legado de Allan Kardec.
Quanto enganados eles estão com isso. Eles se tornam viciados em sua própria ilusão. Eles se acham os mais corretos servidores do pensamento kardeciano, mas apelam para o igrejismo que é claramente reprovado pelas obras do pedagogo francês. Quando os "espíritas" são questionados por causa disso, ainda se atravem a se passar por "vítimas", quando a verdade mostra que não há intolerância religiosa quando se aponta a mentira sob o manto da fé.
O que não se tolera não é o direito a fé, mas a mentira. Embora achemos que a religião é um processo duvidoso de trabalhar a realidade humana e de lidar com a lógica dos fatos, respeitamos quem queira se proteger em uma seita religiosa achando que sua vida vai melhorar assim. É um processo de valor muito duvidoso, mas para quem quer seguir, que fique à vontade.
O que não se tolera é a mentira, a desonestidade doutrinária. O "espiritismo" é uma aberração por constituir numa doutrina que ignora as lições de seu precursor, Allan Kardec, e de tanto desviar do caminho manteve uma rota bem diferente, e muito divergente.
Não há como dizer que segue um caminho se percorre outro. O que não toleramos do "espiritismo" é sua desonestidade doutrinária. Portanto, não dá para aceitar a mentira, a mistificação e a fraude sob o pretexto da "bondade" e da "caridade". Desonestidade em nome do "pão dos pobres" não é bondade, é enganação.
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