Em um ato bastante falho, o psicólogo Nelson Job, professor, Doutor e Pós-doutorando em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia (UFRJ) e autor do livro "Ontologia Onírica", fez um artigo misturando conceitos científicos com outros místicos, dentro daquela linha viciada de textos acadêmicos que "questionam" sem questionar.
O texto completo é um desfile meramente descritivo de referências, bem ao gosto da burocracia acadêmica, que realiza o "milagre" de fazer com que as "problemáticas" não sejam problemáticas. Todo o questionamento fica vazio e ideias são jogadas ao vento, num discurso prolixo no qual o assunto nasce e morre dentro de uma pretensa neutralidade, o que anula em si o caráter de problemática que o tema prometeu desenvolver e não cumpriu.
O pior erro de Nelson Job é levar a sério a "profecia" de Francisco Cândido Xavier, que, sabemos, possui erros grosseiros, como supor que estadunidenses, ao verem seu país destruído, passariam a migrar para a Amazônia e não para o eixo Rio-São Paulo, que seria sociologicamente realista, além da burrice de Chico Xavier atribuir que eslavos irão migrar para o calor do Nordeste, o que lhes provocaria um choque térmico de efeitos fatais.
Para quem não sabe, quando Chico Xavier nasceu, povos eslavos já migraram para o Brasil. Naquele começo do século XX, como registram os fatos históricos, os eslavos povoaram áreas localizadas no interior de São Paulo ou na Região Sul do país, com clima mais propício para esses povos que vieram de regiões frias. No Nordeste, os eslavos morreriam de calor devido ao choque térmico extremo.
Vamos ao trecho de Nelson Job que, com muita ingenuidade, descreveu sem mencionar uma só contestação e levando a sério essa "profecia" sem pé nem cabeça. Depois faremos mais questionamentos. Eis o trecho:
Chico Xavier e os extraterrestres
Em 1971, no programa Pinga Fogo da TV Tupi, o famoso médium brasileiro Chico Xavier anunciou publicamente, com base em suas experiências mediúnicas, que, em 2019, os extraterrestres fariam contato oficial com a Terra. Segundo o espírita, os extraterrestres estariam preocupados com os nossos avanços tecnológicos, a saber, a criação e subsequente explosão da bomba atômica – que é, segundo ele, proibida no universo – e o início da exploração espacial, sobretudo a viagem à Lua em 1969. Xavier explica que foi convencionado pela “comunidade extraterrestre”, naquela época, que os habitantes da Terra ficariam cientes, oficialmente, de que não estão sozinhos no cosmos, no ano de 2019. Ressalta que o contexto desse “primeiro contato” seria algo benéfico, um salto de qualidade para a humanidade. Essa entrevista é bastante popular; está disponível no YouTube e gerou um livro e um documentário homônimos, Data Limite, lançados respectivamente em 2018 e em 2014.
O que Nelson Job também esqueceu é que Chico Xavier cometeu um gravíssimo desvio em relação aos ensinamentos espíritas originais. É bom deixar claro que, na literatura original trazida por Allan Kardec, não é recomendado esse tipo de atividade, de inventar "profecias" sob o objetivo de impressionar as pessoas e garantir, ao suposto profeta, uma projeção sensacionalista que, sendo ele também religioso, iria lhe trazer mais beatos para adoração a ele.
Vejamos o que disse O Livro dos Espíritos, no Capítulo 10, Lei de Liberdade, no item VII, Conhecimento do Futuro:
"868. O futuro pode ser revelado ao homem?
— Em princípio o futuro lhe é oculto e só em casos raros e excepcionais Deus lhe permite a sua revelação.
869. Com que fim o futuro é oculto ao homem?
— Se o homem conhecesse o futuro, negligenciaria o presente e não agiria com a mesma liberdade de agora, pois seria dominado pelo pensamento de que, se alguma coisa deve acontecer, não adianta ocupar-se dela, ou então procuraria impedi-la. Deus não quis que assim fosse, afim de que cada um pudesse concorrer para a realização das coisas, mesmo daquelas a que desejaria opor-se. Assim é que tu mesmo, sem o saber, quase sempre preparas os acontecimentos que sobrevirão no curso da tua vida.
870. Mas se é útil que o futuro permaneça oculto, por que Deus permite, às vezes, a sua revelação?
— E quando esse acontecimento antecipado deve facilitar o cumprimento das coisas, em vez de embaraçá-lo, levando o homem a agir dessa maneira diferente do que o faria se não o tivesse. Além disso, muitas vezes é uma prova. A perspectiva de um acontecimento pode despertar pensamentos que sejam mais ou menos bons: se um homem souber, por exemplo, que obterá uma fortuna com a qual não contava, poderá ser tomado pelo sentimento de cupidez, pela alegria de aumentar os seus gozos terrenos, pelo desejo de a obter mais cedo, aspirando pela morte daquele que lha deve deixar, ou então essa perspectiva despertará nele bons sentimentos e pensamentos generosos. Se a previsão não se realizar, será outra prova: a da maneira por que suportará a decepção. Mas não deixará por isso de ter um mérito ou demérito dos pensamentos bons ou maus que a crença mi previsão lhe provocou.
Notemos que Chico Xavier, ao pregar a Teologia do Sofrimento - vários textos dele aconselham os sofredores a "suportar desgraças em silêncio e sem reclamar" - , defendia a negligência da vida presente, apostando na falácia das "bênçãos da vida futura" para desenvolver nas pessoas um masoquismo mórbido, numa apropriação leviana da ideia de "mundo espiritual" e "reencarnação", usados como pretextos para a pessoa continuar sofrendo horrores na vida presente.
Segue ainda trecho de O Livro dos Médiuns, na 2ª Parte, Das Manifestações Espíritas, Capítulo 26, Perguntas Que Se Podem Fazer, sobre o mesmo tema. Reproduzimos as questões que se relacionam à suposta profecia da "data-limite":
289 – PERGUNTAS SOBRE O FUTURO
7. Os Espíritos podem nos desvendar o futuro?
— Se o homem conhecesse o futuro, negligenciaria o presente. É esse um problema sobre o qual sempre insistis para obter resposta precisa. Trata-se de um grave erro, porque a manifestação dos Espíritos não é meio de adivinhação. Se insistirdes numa resposta ela vos será dada por um Espírito leviano. Temos dito isso a todo instante.(Ver O Livro dos Espíritos, conhecimento do futuro, nº 868).
8. À vezes, entretanto, alguns acontecimentos futuros não são anunciados espontaneamente pelos Espíritos de maneira verídica?
— Pode acontecer que o Espírito preveja coisas que considera conveniente dar a conhecer, ou que tenha por missão revelar-vos. Mas é nesses casos que mais devemos temer os Espíritos mistificadores, que se divertem fazendo predições. É somente pelo conjunto das circunstâncias que podemos julgar o grau de confiança que elas merecem.
9. De que espécie de predições devemos mais desconfiar?
— De todas as que não forem de utilidade geral. As predições pessoais podem, quase sempre, ser consideradas falsas.
10. Com que fim os Espíritos anunciam espontaneamente acontecimentos que não se realizam?
— Na maioria das vezes para se divertirem com a credulidade, com o terror ou a alegria que causam, pois riem do desapontamento. Entretanto, essas predições mentirosas têm às vezes um fim mais sério: o de experimentar as pessoas a que são dirigidas, verificando a maneira por que as recebe, a natureza dos sentimentos bons ou maus que despertam.
Observação de Kardec: Tal seria, por exemplo, o anúncio do que pode excitar a cupidez ou a ambição, com a morte de uma pessoa, a perspectiva de uma herança etc.
11.Por que os Espíritos sérios, quando fazem pressentir um acontecimento, geralmente não marcam a data? Por que não podem ou não querem?
— Por uma e outra razão. Eles podem, em certos casos, fazer pressentir um acontecimento: é então um aviso que vos dão. Quanto a precisar a época, muitas vezes não o devem fazer; muitas vezes também não o podem, porque eles mesmos não sabem. O Espírito pode prever um fato, mas o momento preciso pode depender de acontecimentos que ainda não se deram e só Deus o conhece. Os Espíritos levianos, que não têm escrúpulos de vos enganar, indicam os dias e as horas sem se importarem com a verdade. É por isso que toda predição circunstanciada deve ser considerada suspeita.
Ainda uma vez nossa missão é a de vos fazer progredir e vos ajudamos quanto podemos. Os que pedem aos Espíritos superiores a sabedoria jamais serão enganados. Mas não penseis que perdemos o nosso tempo com as vossas futilidades e a vos ler a sorte. Deixamos isso a cargo dos Espíritos levianos, que se divertem com isso como moleques travessos.
A Providência pôs limites às revelações que podem ser feitas aos homens. Os Espíritos sérios guardam silêncio sobre tudo o que lhes é proibido revelar. Quem insiste para obter uma resposta se expõe às mistificações dos Espíritos inferiores, sempre prontos a aproveitar as oportunidades de explorar a vossa credulidade.
Observação de Kardec: Os Espíritos vêem ou pressentem por indução os acontecimentos futuros. Vêem que se realizam num tempo que não medem como nós. Para precisar a época da ocorrência teriam de identificar-se com a nossa maneira de calcular a duração, o que nem sempre julgam necessários. Essa, quase sempre, a causa dos erros aparentes.
12. Não existem homens dotados de faculdade especial para ver o futuro?
— Sim, aqueles cuja alma se desprende da matéria. E nesse caso é o Espírito que vê. Quando convém, Deus lhes permite revelar algumas coisas para o bem. Mas ainda existem mais impostores e charlatães.
Essa faculdade se tornará mais comum no futuro.
13. Que pensar dos Espíritos que se divertem predizendo a alguém a sua morte, com dia e hora fixados?
— São brincalhões de mau gosto, de excessivo mau gosto, que só querem divertir-se com o susto que pregam. Nunca se deve preocupar com isso.
Note que, nesse pequeno questionário, há pontos que reprovam a atitude de Chico Xavier em supor profecias. Primeiro, porque argumenta que o fato de estabelecer épocas precisas de acontecimentos futuros corresponde à leviandade de espíritos brincalhões (questão 11). Na questão 12, fala-se da faculdade especial para ver o futuro, que não é atribuída a impostores e charlatães.
Devemos nos lembrar que Chico Xavier, na época do Pinga Fogo, havia sido denunciado como cúmplice de uma fraude de materialização organizada por Otília Diogo, com o claro consentimento do "médium". O jeitinho brasileiro cuidou de livrá-lo da culpa, porém, mais tarde, por acidente, foram divulgadas fotos de Nedyr Mendes da Rocha mostrando Chico Xavier muito desenvolto durante a exibição da farsa, o que mostra que ele teve participação ativa e decisiva na fraude.
A "profecia" também revela brincadeiras de mau gosto. No caso da "data-limite" relatada a Geraldo Lemos Neto, em 1986, uma mensagem atribuída a Emmanuel desmente toda a profecia, no final, dizendo que ela foi feita para "alertar os homens da missão de fraternidade". Pura desculpa para justificar uma predição tendenciosa e oportunista, feita para promover sensacionalismo barato às custas do susto ou do deslumbramento das pessoas.
Devemos lembrar que Chico Xavier descreveu a ideia catastrofista de sua "profecia", com relação ao que ele supunha ser a "eliminação do Hemisfério Norte" - uma leviandade descrita de forma binária, pois, ao narrar o extermínio do Japão e da Califórnia (EUA) por explosões vulcânicas e abalos sísmicos, poupou o Chile, ignorando que ele também seria exterminado por cataclismas semelhantes, por fazer parte do mesmo Círculo de Fogo do Pacífico.
O mais risível é que Chico Xavier contrapunha o fim do Hemisfério Norte com a chegada de extraterrestres para a Terra, que viriam em massa "para povoar e recuperar o planeta degradado". É uma tese delirante, patética, e tomada do mais puro sensacionalismo ufólogo, lembrando que a Ufologia é considerada pseudo-ciência, com dados e conhecimentos de valor científico bastante duvidoso.
A seguir, temos a mensagem trazida por São Luís, publicada também em O Livro dos Médiuns, na mesma 2ª Parte, no Capítulo 24, Identidade dos Espíritos, no item 8 dos conselhos dados pelo referido espírito do santo:
8º) Os Espíritos levianos são ainda reconhecidos pela facilidade com que predizem o futuro e se referem com precisão a fatos materiais que não podemos conhecer. Os Espíritos bons podem fazer-nos pressentir as coisas futuras, quando esse conhecimento for útil, mas jamais precisam as datas. Todo anúncio de acontecimento para uma época certa é indício de mistificação.
Isso derruba Chico Xavier. Ele se encaixa no perfil de mistificador, pelo sensacionalismo de suas predições e pela preocupação em estabelecer datas precisas para as pretensas profecias. O prazo de 50 anos dado a partir de 1969, ano em que o "médium" alega ter sonhado uma "reunião profética" de Jesus Cristo (tido risivelmente como o "governante da Terra") e outros líderes planetários (?!) um dia após a conhecida Viagem à Lua, mostra esse grave problema que ofende as lições da Codificação.
Para aumentar ainda mais a confusão, um outro "médium", Ariston Teles, divulgou uma mensagem atribuída ao espírito de Chico Xavier no "centro espírita" Monte Alverne, em Brasília, no dia 01 de janeiro de 2015. Nela, o suposto espírito negou que tenha feito tais previsões. Embora duvidosa, a "psicofonia" aumenta ainda mais as confusões dentro dos meios chiquistas e só contribui para desqualificar, de vez, a "profecia da data-limite", que não é unânime entre os adeptos do "médium". Vejamos um trecho:
(...)
Meu nome tem sido ventilado pelos canais de comunicação moderna, principalmente onde determinadas pessoas que tiveram acesso ao meu ambiente doméstico, decidiram fazer publicamente afirmações que, a rigor, não saíram dos meus lábios. Jamais Chico Xavier teria dito que o ano 2019 é limite para o planeta. Jamais eu me prestei a este tipo de revelações. Vejamos, quando os espíritos superiores cunham aos meus ouvidos determinadas revelações, eu tinha todo o cuidado de filtrar as suas mensagens, de modo que meu trabalho como médium não trouxesse perturbação a ninguém, muito menos à comunidade.
Chegou ao meu conhecimento o que determinadas pessoas vêm publicando, dizendo que Jesus se comporta à semelhança de governantes políticos, governantes do mundo, a ponto de reunir anjos protetores da Terra e do Universo para debater - uso essa expressão, "para debater" - questões relacionadas à evolução do planeta, da Terra.
Meus filhos, espíritos da luz não debatem, não discutem, não articulam palavras à semelhança do ser humano. O que existe é um diálogo telepático, fraterno, espiritual, sutil, o que é considerado consenso entre os homens, nos planos da luz recebe outro nome: a harmonia. Ah... Então Cristo, Nosso Senhor, protetor espiritual deste planeta, não delibera assunto nenhum à semelhança do ser humano, à semelhança das convicções político-administrativas. A realidade dos planos superiores é diferente. O estatuto, a Constituição que o Cristo, ou os Cristos, respeitam, é simplesmente a Lei que comanda todos os fenômenos da vida e todos os níveis de evolução no Universo.
Nunca, sinceramente, eu disse o que está nesses textos circulando na Internet e em determinado livro. Jamais. Essas pessoas, que se dão a esse trabalho, deviam minimamente respeitar a minha ausência humana, considerar que na minha condição de desencarnado raramente eu poderia vir a público para confirmar ou negar essa ou aquela publicação. Eu sei, claramente, que o que estou afirmando por vias mediúnicas neste momento também vai sofrer a crítica mordaz de muita gente, mesmo ou principalmente no movimento espírita que ainda não se cristianizou.
(...)
Por essas e outras, Nelson Job errou feio nesse artigo acadêmico em que ele misturou alhos com bugalhos, ou seja, Chico Xavier com Isaac Asimov, Esoterismo com Ciência, e escreveu um daqueles artigos que, na burocracia acadêmica, soam "corretos" apenas pelo seu aparato formal de objetividade e linguagem culta.
No entanto, é um daqueles artigos que prometem questionar problemáticas, mas que fica perdido no caminho de mero desfile de citações diversas de fontes alheias, sem dar uma única contribuição de senso crítico ou análise questionadora de cada problema. É um daqueles textos que só servem para enfeite, bons para a burocracia acadêmica, mas péssimos no que se diz à função social de produção de Conhecimento. Nota zero.
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