As pessoas que estão tomadas de paixões religiosas fogem de medo dos textos realistas que denunciam as irregularidades de Francisco Cândido Xavier. Os textos são menos lidos, pois o título amedronta. Allan Kardec havia previsto isto, diante de pessoas obsediadas por espíritos levianos (encarnados ou não) e que rejeitam conselhos, não aceitam revelações e reagem com ódio contra aquilo que vai contra suas fantasiosas convicções.
Em O Livro dos Médiuns, no Capítulo 20 - Influência Moral dos Médiuns, na questão 228, nota-se o tema do orgulho e das imperfeições morais, atribuídas pelo Codificador ao médium, mas podendo ser atribuída às pessoas comuns. Vejamos o que diz o trecho, que vale ser lido com atenção:
228. Todas as imperfeições morais são portas abertas aos Espíritos maus, mas a que eles exploram com mais habilidade é o orgulho, porque é essa a que menos a gente se confessa a si mesmo. O orgulho tem posto a perder numerosos médiuns dotados das mais belas faculdades, que, sem ele, seriam instrumentos excelentes e muito úteis.
Tornando-se presa de Espíritos mentirosos, suas faculdades foram primeiramente pervertidas, depois aniquiladas, e diversos se viram humilhados pelas mais amargas decepções.
O orgulho se manifesta, nos médiuns, por sinais inequívocos, para os quais é necessário chamar a atenção, porque é ele um dos elementos que mais devem despertar a desconfiança sobre a veracidade das suas comunicações. Começa por uma confiança cega na superioridade das comunicações recebidas e na infalibilidade do Espírito que as transmite. Disso resulta um certo desdém por tudo o que não procede deles, que julgam possuir o privilégio da verdade.(5)
O prestígio dos grandes nomes com que se enfeitam os Espíritos que se dizem seus protetores os deslumbra. E como o seu amor próprio sofreria se tivessem de se confessar enganados, repelem toda espécie de conselhos e até mesmo os evitam, afastando-se dos amigos e de quem quer que lhes possam abrir os olhos. Se concordarem em ouvir essas pessoas, não dão nenhuma importância às suas advertências, porque duvidar da superioridade do Espírito que os guia seria quase uma profanação.
Chocam-se com a menor discordância, com a mais leve observação crítica, e chegam às vezes a odiar até mesmo as pessoas que lhes prestam serviços.
Favorecendo esse isolamento provocado pelos Espíritos que não querem ter contraditores esses mesmos Espíritos tudo fazem para os entreter nas suas ilusões, levando-os ingenuamente a considerar os maiores absurdos como coisas sublimes.
Assim: confiança absoluta na superioridade das comunicações obtidas, desprezo pelas que não vierem por seu intermédio, consideração irrefletida pelos grandes nomes, rejeição de conselhos, repulsa a qualquer crítica, afastamento dos que podem dar opiniões desinteressadas, confiança na própria habilidade apesar da falta de experiência – são essas as características dos médiuns orgulhos.
Necessário lembrar ainda que o orgulho é quase sempre excitado no médium pelos que dele se servem. Se possui faculdades um pouco além do comum, é procurado e elogiado, julgando-se indispensável e logo afetando ares de importância e desdém, quando presta o seu concurso. Já tivemos de lamentar, várias vezes, os elogios feitos a alguns médiuns, com a intenção de encorajá-los.
Neste texto, Kardec alerta que as pessoas se chocam com a menor discordância e com a mais leve observação crítica, e, no caso de Chico Xavier, vemos que isso ocorre mesmo, de maneira ainda mais neurótica, obsessiva e rancorosa. Ninguém quer saber de uma revelação realista, e os adultos ou mesmo os mais velhos acabam reagindo feito crianças malcriadas e teimosas diante de qualquer dado que não seja favorável à imagem adocicada do "médium".
Não existe motivo para adorar Chico Xavier. Ele não fez psicografia. Suas "obras mediúnicas" apresentam fortes indícios de obras fake, pois apresentam detalhes contrários aos aspectos pessoais dos autores mortos alegados. Ele não fez caridade, pois apenas recomendava aos seus seguidores recolherem donativos, e ainda assim dentro dos limites do Assistencialismo, aquela caridade de baixa eficiência social. Chico não deu um tostão para os mais necessitados.
A "caridade" de Chico Xavier é igualzinha aos quadros do Caldeirão do Huck, com aquela "filantropia" que não passa de mero espetáculo midiático e marketing pessoal do "benfeitor", que é muito mais ajudado do que os mais humildes, que são apenas figurantes desse espetáculo feito mais para promover adoração ao "filantropo" do que melhorias sociais aos mais pobres.
TUDO MARKETING
Quem insiste em adorar Chico Xavier, se esquecendo ainda que ele deturpou vergonhosamente o Espiritismo, substituindo os postulados espíritas originais por dogmas católicos jesuítas originários da Idade Média, precisa abrir mão de suas ilusões. Vai que a revelação desagradável a Chico Xavier que a pessoa evita ler numa fonte vai lhe aparecer, sem dúvida alguma, em outra fonte na qual a pessoa não pode escapar.
A imagem adocicada de Chico Xavier - que nunca teve essa "beleza interior" que tanto se fala, era ranzinza, reacionário, temperamental e ultraconservador, qualidades negativas comprovadas nos bastidores - foi construída ao longo das décadas, embora o formato definitivo tenha sido adotado nos últimos 40 anos, pela Rede Globo, a partir do método de Malcolm Muggeridge.
Muggeridge foi uma espécie de "fabricante de santos". Ele criou uma narrativa, no documentário e no livro, ambos chamados Algo Bonito Para Deus (Something Beautiful For God), que transformou outra reacionária religiosa, Madre Teresa de Calcutá, em "santa".
Nessa narrativa "limpa", cria-se um repertório ideológico que é tendenciosamente inserido no ídolo religioso: pretenso filantropo, pretenso pacifista, pretenso pensador, pretenso conselheiro moral. Isso, no entanto, dá margem a paixões religiosas diante de todo um aparato de beleza e simplicidade trabalhado pelo "método Muggeridge".
A Rede Globo que apoiava a ditadura militar tomou emprestado o roteiro de Muggeridge e aplicou para promover o "médium" Chico Xavier. Essa campanha de promover sua adoração como um suposto "espírito de luz" servia de "cortina de fumaça" para as tensões sociais do período ditatorial e servia também como um ídolo religioso feito para reforçar valores morais ultraconservadores.
Mas Chico Xavier foi previamente promovido a ídolo, num contexto diferente, pelo seu descobridor Antônio Wantuil de Freitas, presidente da Federação "Espírita" Brasileira. Wantuil atuou como um dublê de empresário e, visando obter lucros com a venda de livros - sob a desculpa de que o dinheiro ia "todo para a caridade" - , transformou Chico Xavier num popstar.
Os apelos eram mais pitorescos, e Chico Xavier foi impulsionado para atuar em supostas práticas de materialização e psicofonia. A ideia era reforçar seu "talento paranormal", que, em verdade, se limitava apenas a conversar com o espírito da mãe e o de um padre jesuíta, Manuel da Nóbrega, renomeado Emmanuel. O resto da "paranormalidade extraordinária" de Xavier foi, na verdade, atividades fake.
Tudo foi feito para transformar Chico Xavier num personagem "polêmico", nessa fase que veio de 1932 até mais ou menos 1969, quando Wantuil anunciou sua aposentadoria, consumada em 1970. Wantuil morreu depois, em 1974. Nesse hiato, Chico Xavier teve que enfrentar denúncias de mercenarismo editorial - ele foi acusado de consentir com a exploração financeira de seus livros, revelando um acordo oculto - , cumplicidade no caso Otília Diogo e reacionarismo.
Essas denúncias colocariam pá de cal no mito de Chico Xavier, mas os interesses da FEB - que tiveram que arranjar "editoras independentes" para publicar os livros do "médium", na verdade pequenas gráficas subsidiárias da FEB e de federações regionais - resolveram abafar um a um esses e outros escândalos, no esforço de livrar Chico Xavier de qualquer culpa.
No caso do mercenarismo editorial, Chico Xavier fingiu "surpresa" com a revelação e, esperto, alegou "estar muito triste" com a exploração financeira dos seus livros, revelada diante do caso de lucros obtidos com traduções em inglês feitas pela própria FEB.
No caso de Otília Diogo, inventou-se que Chico Xavier foi "enganado". Só mais tarde, em 1979, Nedyr Mendes da Rocha desmentiu essa tese, acidentalmente (um "fogo amigo"). Ele revelou fotos nas quais Chico Xavier estava muito alegre e comunicativo, tão desenvolto que indicava que ele estava por dentro da fraude de Otília Diogo, tamanho o entusiasmo com o espetáculo. Se ele tivesse sido enganado, em vez dessa desenvoltura ele teria expressado um certo distanciamento.
No caso do reacionarismo, expresso em opiniões anti-esquerdistas e pró-ditadura no programa Pinga Fogo da TV Tupi, houve maior dificuldade em relativizar a coisa. Os adeptos do pensamento desejoso insistem em crer que isso foi apenas um "impulso do momento" ou Chico era "orientado" a defender a ditadura militar, uma tese muito mal explicada e cheia de equívocos que nem consegue "esquerdizar", de maneira convincente, a imagem do "médium".
Com esses escândalos, a FEB teria que blindar Chico Xavier usando a parceria midiática, que substituiu a habilidade publicitária de Wantuil. Em primeira instância, os Diários Associados atuaram nessa parceria, já desenvolvendo o "método Muggeridge", mas com a falência que forçou a empresa a diminuir drasticamente seu espólio (a revista O Cruzeiro foi vendida a outra editora e a TV Tupi faliu), a FEB encontrou na Rede Globo sua parceira definitiva, que vale até hoje.
Com isso, eliminaram-se os aspectos "polêmicos" de Chico Xavier. Casos como Otília Diogo, as denúncias do sobrinho Amauri Xavier e o processo judicial do caso Humberto de Campos foram minimizados a quase nada. Enquanto isso, a imagem de pretenso filantropo e pretenso humanista dentro de uma narrativa piegas e exageradamente emocional, eram feitas, baseadas claramente no que Muggeridge fez por Madre Teresa.
Dessa maneira, vemos o quanto as paixões religiosas são capazes de produzir um discurso envolvente, que é capaz de seduzir até pessoas com razoável grau de esclarecimento, mas que estão ainda frágeis em questionar as armadilhas da fé deslumbrada. Esse discurso é traiçoeiro, porque cega emocionalmente as pessoas e as deixam na falsa impressão de que estão seguras e protegidas vibratoriamente, impressão esta que se desfaz, em fúria, ao menor questionamento.
Idolatrando Chico Xavier, as pessoas estão adorando um produto de marketing e não sabem.
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