O Brasil é um país em que as pessoas querem demais. Desde 2016, isso se tornou escancarado mas, pelo menos, da República Velha para cá, sempre houve casos de ambições desmedidas que puseram o país a perder, em nome dos privilégios e do conforto de uns poucos.
Isso vem das famílias em que pais e mães, iludidos apenas por uma soma quantitativa de anos vividos, exigem dos filhos obediência e submissão absolutas, e se irritam ao menor questionamento dado por estes. E os valores e procedimentos que os pais determinam, mesmo os mais conservadores, sempre são impostos como se fossem "valores atemporais", e, conforme o cinismo hipócrita das últimas décadas, como "verdadeira expressão do novo".
O Brasil é marcado pelos apegos ao velho e pela ambição desmedida, que traz um desequilíbrio entre os que possuem demais o que não precisam e aqueles que não possuem sequer o essencial. E isso se dá em vários aspectos, nessa mania de apegar-se ao retrógrado que se intensificou desde os últimos anos da ditadura militar.
Em muitos casos, as pessoas tentam parecer nobres num momento e fraquejam em outro. Tentam mostrar "desapego" exemplar quando uma personalidade de grande valor humano e intelectual morre prematuramente, mostrando uma "heroica" resignação. Mas, diante do falecimento de um criminoso rico em idade também prematura, como, digamos, um empresário, juiz ou promotor que assassinou sua esposa, essa mesma sociedade treme de medo e ainda pergunta: "Mas já?".
Na verdade, o maior problema no Brasil está em pessoas de caráter mediano ou inferior que desejam demais na vida. O Brasil virou um paraíso de arrivistas desde que um pastichador de livros, Francisco Cândido Xavier, conhecido popularmente como Chico Xavier, conseguiu ser promovido, pela sucessão de conveniências, a um semi-deus ou um "admirável homem humilde e imperfeito".
A partir desse triste exemplo, se ampliaram alguns artifícios que fazem com que se montem os privilegiados desse cenário tendencioso, confuso e irregular: a "memória curta" que oculta os piores erros do passado, evitando cobranças ao ídolo da hora; o "jeitinho brasileiro", que busca reabilitar até calhordas incuráveis para a adoração na posteridade; e o "pensamento desejoso", que permite que alguém sem muitos méritos seja adorado apenas pelos aspectos agradáveis, ainda que imaginários, de sua personalidade.
DAS AMBIÇÕES PESSOAIS AO CENÁRIO POLÍTICO
Temos gente querendo demais para a vida, mesmo sem mérito nem necessidade e, em certos casos, com imprudências e descuidos que os fazem perder boa parte daquilo que desejam. Não obstante, acabam fazendo concessões para ficarem com o "essencial" de suas ambições desmedidas, mas isso não lhes ajuda muito nessa busca pelos privilégios excessivos.
Temos, na vida econômica, empresários que querem enriquecer demais na vida e, por isso, crescem puxando os tapetes de seus parceiros ocasionais. Fraudam balanços e orçamentos para que pudessem aumentar suas fortunas de maneira vertiginosa, e depois chegam ao ponto de intervir politicamente em países estrangeiros para obter novas reservas de mercado.
Na vida amorosa, temos homens que, ocupando cargos de liderança ou chefia - sendo empresários, executivos, profissionais liberais, rentistas ou magistrados - que, obtendo mulheres dotadas de beleza e personalidade, ignoram a necessidade realmente de ter tais esposas, porque eles vivem apenas do dinheiro, de formalidades e de ascensão social, não sendo realmente interessados pelos referenciais culturais relevantes trazidos por essas mulheres.
No caso de serem homens mais velhos que as mulheres, há o desprezo à juventude delas. Os homens "maduros" querem tudo para si, e se apropriam de referenciais que possam dar a impressão de algo antigo e pretensamente requintado. Se eles chegam aos 50 anos, querem ter a "bagagem" de homens de 70 ou 80 anos, e, não raro, se embolam e se confundem no seu pedantismo, parecendo crianças se metendo em conversas de adultos.
Na vida criminal, supostos "homens de bem" matam pessoas por discordâncias pontuais ou por "causas" como o direito à propriedade e a honra machista. Suas vítimas podem morrer até antes dos 30 anos, mas os assassinos, que cometem suas imprudências e sofrem seus riscos, não querem morrer antes dos 90 anos e, ainda mais, antes dos 60, mesmo quando o corpo "pede pra sair" já aos 45 anos.
Quantos feminicidas também não querem morrer cedo, apesar de terem fumado demais, usado drogas e álcool e danificado seus organismos. E também não querem ser presos, não querem indenizar famílias das vítimas, e, por outro lado, querem ser youtubers (ainda que sob um ghost writer por trás), querem ter novas namoradas de "perfil mais diferenciado" e só se contentam em não poder ir a reencontros de antigos colegas de escola, desgostosos devido ao ato criminoso do antigo colega.
Por outro lado, temos "periguetes" e "boazudas" que acham que podem se casar com nerds e ficam longos tempos solitárias, ostentando seus glúteos avantajados numa sensualidade forçada, esperando de braços cruzados que os homens dotados de personalidade e sensibilidade ímpares deem alguma atenção a elas (que eles em verdade nunca se interessariam em namorar sequer por poucas horas).
No cenário político, as pessoas defenderam a queda de Dilma Rousseff porque uma parcela da sociedade quis demais. Quis manter os privilégios de gerações, o moralismo rigoroso, defendem o Estado mínimo para não "dar demais aos pobres", e pediram um "combo" político-governamental que juntasse militares, evangélicos e tecnocratas econômicos.
Temos artistas musicais medíocres que só em última hora acham que podem fazer novos voos artísticos, sem ter um pingo de competência para tanto. Em outros setores da sociedade e da cultura, canastrões e calhordas se tornam penetras numa festa, com a intenção de serem os anfitriões de festejos ainda mais adiante, favorecidos pelo apoio social que se dá ao arrivismo.
Temos gente querendo demais, sem ter necessidade ou mérito, apenas se valendo de algum privilégio social ou algum favorecimento de conveniências. E é isso que faz o Brasil desigual, conflituoso, sangrento, numa batalha em que as pessoas não querem ter seus próprios espaços, mas invadir o espaço do outro, sob o pretexto tendencioso de "combater o preconceito", "ocupar novos espaços", "sair da zona de conforto" etc.
O "MÉDIUM" QUE QUIS SER "TUDÓLOGO"
Nas redes sociais, temos internautas muito reacionários e, vários deles, humilhadores, que tentam fazer juízo de valor sobre tudo. Acham que podem falar de certos assuntos, sejam eles busólogos, radiófilos, musicólogos, antiquários ou, apenas, desocupados comuns.
Essa mania de querer "comentar sobre tudo" é conhecida como "tudismo" ou "tudologia" e seus praticantes, "tudólogos". O termo é pejorativo porque seus praticantes não são necessariamente especialistas em todos os assuntos, mas expressam um pedantismo agressivo e com pretensões de ficar com a "palavra final". Quando não podem ficar com a posse da "palavra final", reagem com xingações, agressões verbais ou então montam blogs para ofender e difamar seus interlocutores.
Chico Xavier foi o homem que "quis ser tudo". Um caipira mineiro de uma cidade rural, então distrito de um município da Grande Belo Horizonte, que poderia ter sido um anônimo beato, perdido no esquecimento coletivo, mas virou um arrivista de perigosa ascensão a ponto de ser uma espécie de "padroeiro" dos arrivistas e dos "tudólogos".
De Chico Xavier, se atribuiu um pouco de tudo: de mensageiro dos mortos a profeta dos novos tempos. Mas houve quem achasse que ele era psicólogo, jornalista, filósofo, sábio em geral, filantropo, ativista social, guru, acadêmico, até semi-deus e, pasmem, um suposto progressista, apesar de Chico ter tido um reacionarismo de apetites bolsonaristas, do qual só não havia a defesa da violência (algo refutado pelo "médium").
Mas ele é o símbolo desse perigoso pretensiosismo que coloca muita gente a querer demais na vida. E a obsessão por Chico Xavier revela esse querer, no âmbito religioso: a obsessão doentia do Brasil ter um representante da fé religiosa que possa ser comparado a Jesus de Nazaré.
O mito de Chico Xavier foi construído para atender interesses mesquinhos de grupos editoriais da FEB, sua "caridade" - feita aos moldes do que hoje oportunistas como Luciano Huck fazem, uma "filantropia" que só ajuda o "filantropo" e quase não transforma a vida da sociedade - era apenas um escudo para atrair as pessoas para suas pregações mistificadoras e medievais e as elites lucraram muito criando esse "caridoso de telenovela" que virou pretensa unanimidade social.
O Brasil tem em Chico Xavier esse mau exemplo, de um arrivista que quis demais na vida e tornou-se endeusado pela sociedade. Agora os "isentões espíritas" tentam promover uma imagem "mais pé-no-chão", mas no fundo mantém essa mesma idolatria, quando o "médium" deveria ser esquecido e repudiado pelas irregularidades e falhas, gravíssimas, que fez em sua vida e que são fartas de provas contundentes. O Brasil não precisa de pretensos cristos nem de falsos filantropos.
Devemos romper com muitos paradigmas, medir desejos, necessidades, ambições, abrir mão desde a coisas como fumar um cigarro ou manter uma tatuagem - só raras pessoas realmente têm motivo para manter uma tatuagem em seu corpo, o resto usa a falácia do "meu corpo, minhas regras", como desculpa para sua preguiça em mudar - , e ver se o possível cônjuge realmente é aquele de nossa afinidade ou não.
Ou então ver que aquele sujeito que tirou a vida de outrem, ainda que possa ter um tempo para mudar seus procedimentos e posturas e aprender a lição, um dia também será um morto, e o assassino impune um dia será uma lápide no cemitério, queiram ou não queiram os moralistas de plantão. Ainda mais se o homicida descuidou de sua saúde e sofre as consequências naturais de seus atos, que impõem pressões emocionais conflituosas que abalam seu organismo.
Devemos largar muitos valores supérfluos, muitos projetos mirabolantes, muitas falsas necessidades que fazem estufar o peito e alargar os sorrisos, mas não trazem serventia alguma para nossas vidas, sendo apenas escudos para vaidades doentias. O Brasil tem que mudar antes que seja destruído pelas necessidades, ambições e apegos doentios por parte de muitos adultos teimosos demais para suas idades. Quem tudo quer, tudo perde.
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