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Um terreno da intolerância é a busologia, que é o hobby de admirar ônibus, um dos mais conhecidos tipos de transporte coletivo. No Rio de Janeiro, a truculência encontra espaço quando, entre os chamados "busólogos", uma meia-dúzia de frustrados passa a fazer bullying acreditando que vão levar vantagem com isso.
Esses sujeitos, que parecem se comportar como trogloditas que viveram antes da descoberta da roda, usam as redes sociais para espinafrar outros busólogos, estes emergentes e em ascensão. Os busólogos truculentos começam geralmente xingando as fotos dos emergentes, depois fazem comentários mais grosseiros e piadas agressivas, depois chamam seus aliados para campanhas de cyberbullying, produzem blogs ofensivos e depois vão para os locais dos desafetos para postar fotos e intimidar.
Segundo relatos diversos, tem busólogo com nome de anjinho, tem outro com apelido de fritura, outro com sobrenome que lembra balde, outro com nome mais comum e por aí vai. Gente que humilha os outros nas redes sociais e nas ruas até que sua truculência-ostentação esbarra na "máfia das vans", porque muitos desses busólogos podem ser confundidos com milicianos rivais, porque a aparência agressiva é bem semelhante.
É lamentável que isso ocorra e que a busologia se torna um terreno de ódio e brutalidade. Sobretudo num Rio de Janeiro reacionário, fascista e decadente que já não é mais a sombra sequer do grande polo cultural e comportamental que havia sido há 60 anos e que, não só na busologia, mas em diversos setores - da cultura rock à culinária, passando por causas identitárias - , sendo hoje um esgoto de verdadeiros vermes que só sabem humilhar os outros.
É preocupante isso, porque os busólogos mais agressivos acham que podem fazer o que quiserem. Eles nunca medem consciência e nem se Jesus lhes avisar para parar com a truculência eles obedecem, sendo capazes de dizer: "Cala a boca, Jesus, porque eu quero que você só faça o que eu rezo e o resto é só amém".
Mais grave é que os busólogos truculentos sentem uma espécie de vitimismo vingativo, quando são denunciados. É só a busologia do Rio de Janeiro ganhar má fama no resto do país para esses trogloditas ficarem patrulhando para saber quem foi o "dedo-duro" que os denunciou para busólogos do resto do país. Não têm um pingo de humildade nem de auto-crítica.
Esses brutólogos, no entanto, posam de santinhos quando vão a exposições de ônibus e de transportes. Bancam os certinhos, posam de simpáticos em eventos de ponta realizados em cidades como São Paulo e Brasília, tentam servir de exemplo do que não são - enquanto nas redes sociais eles ficam destruindo reputações aqui e ali - para aparecer na mídia forjando bom mocismo.
Quando são denunciados, eles, ao saber o lugar de origem de seus desafetos, realizam "visitas-surpresa" no principal terminal de ônibus da respectiva cidade, sob o pretexto de tirar fotos (e tiram, porque precisam publicar material que lhes dará promoção pessoal no hobby), mas com o objetivo de fazer pura intimidação.
Mas é aí que mora o perigo. Toda semana o brutólogo vai para a cidade do desafeto, faz sua busologia-ostentação criando fotos espetaculares - sobretudo quando vem um ônibus novo com concepção avançada (chassis sueco, ar condicionado, BRT etc) - , olha para todos os lados para ver se o desafeto também não aparece para tirar fotos, mas ao longe milicianos que controlam a "máfia das vans" acabam sendo chamados à atenção.
"Olhe para aquele cara ali. Acho que ele quer tomar nossa área", diz um miliciano a outro, sobre o busólogo valentão que é confundido, pela aparência "durona", com um miliciano rival. "É, cara, o elemento tá aí toda semana e só tira fotos para matar o tempo, a gente vai marcar o cara, se a gente ver quem ele é no 'zap-zap' (WhatsApp) a gente pega ele e apaga de vez", diz outro.
Um busólogo da Baixada sedento de agressão quase morreu nas mãos dos mesmos matadores da juíza Patrícia Acioli, de tanto ir a Niterói para perseguir desafetos, tomado de fúria cega que o fez produzir um blog de ofensas e difamação que acabou sendo denunciado pelo SaferNet.
Outro problema é que o brutólogo briga com emergentes, mas também é capaz de perder a cabeça e brigar também com seus pares. Geralmente os busólogos mais truculentos são gente frustrada que, mesmo tirando fotos em garagens de empresas de ônibus, não conseguem ter o destaque e o carisma necessário, até porque eles têm a simpatia digna de um homem de Neanderthal.
Ao verem busólogos emergentes trazendo ideias e fotos melhores que as deles, os brutólogos, isto é, os "busólogos de Neanderthal", começam sua campanha espinafrando as fotos, fazendo ofensas agressivas, criando blogs difamatórios e indo para as cidades dos desafetos, num caminho que, se estiver fora de controle, fará o busólogo valentão entregar sua cabeça para o fuzil de um miliciano dono de vans. E isso com seu blogzinho enfeitando fichas criminais a cada postagem.
Vários desses busólogos são assumidamente bolsonaristas, e apoiaram Jair Bolsonaro antes dele ser considerado um "candidato viável" da mídia anti-petista. As ocorrências criminais aqui e ali, como feminicidas, racistas e vigilantes que enforcam jovens pobres e inocentes, já os identificam como bolsonaristas, o que diz muito à truculência vinda de quem apoia o hoje presidente da República, inspirado na conduta truculenta de três dos filhos do "mito".
Esses busólogos também apoiaram a pintura padronizada nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades em todo o Brasil, sendo conhecidos "carinhosamente" como "padronizetes", pelo fanatismo cego a essa medida que nenhum benefício traz aos passageiros de ônibus, mas faz busólogos valentões desocupados poderem brincar de "qual é a empresa de ônibus" tentando diferir os ônibus padronizados de outros.
E no caso dos busólogos valentões cometerem crimes por não aceitarem ser contrariados um segundo sequer, devemos lembrá-los de que esses crimes são crimes, e não desabafos. Busólogo que matar desafeto não poderá aparecer nas próximas mostras de Fetranspor e similares. Além disso, o busólogo que na sua raivinha cometer crimes, vai ter que trocar o hobby, substituindo busologia por camburologia.
Esses busólogos violentos deveriam controlar seus atos, aceitar o espaço do outro e parar com ofensas e represálias diversas. Eles deveriam, como admiradores de ônibus, conhecerem a parábola do ônibus sem freio, que diz muito ao fato de que o agressor, quando vai longe demais, em vez de eliminar seus desafetos, produz sua própria tragédia.
O ônibus sem freio roda em alta velocidade, descendo uma ladeira numa cidade. No primeiro momento, o veículo ameaça apenas pedestres e motoristas de outros veículos que estiverem à frente do ônibus desgovernado. No entanto, o ônibus segue seu caminho de tal forma que, quando surge um muro ou um edifício à sua frente, o motorista que se achava invulnerável acaba morrendo no acidente.
Para quem agride e mata, sua violência é apenas um pré-vestibular para a tragédia que se voltará contra os próprios brutamontes, como um feitiço que se volta contra o feiticeiro. Violência nunca vale a pena.
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