Com tantos rumores de que Doca Street havia falecido há algum tempo, não imaginávamos que seu falecimento se deu apenas hoje, 18 de dezembro de 2020. De fato, ele esteve em idade avançada demais para estar vivo e, embora os familiares afirmassem que ele não estava doente - ao menos podemos considerar que ele não estava com Covid-19, apesar de ter estado no grupo de risco - , ele sofreu um infarto, um mal considerado potencial para feminicidas, que sofrem pressões emocionais pelo crime cometido.
Sim, Doca foi para a pátria espiritual, e isso deu fim a um longo ciclo em que homens matam as mulheres que querem se separar deles e conseguem passar por cima de qualquer frustração. Muitos dos homens que, sonhando com a impunidade, se inspiraram no assassino de Ângela Diniz para cometerem seus crimes, conseguiram conquistar novas namoradas, com perfil que surpreendentemente homens de caráter mais generoso e inofensivo não conseguem conquistar.
Desde 2015 o "crime passional", hoje definido como feminicídio, é considerado crime hediondo. Os feminicidas deixaram de ter alguma blindagem social. Recentemente, porém, ocorria um medo da sociedade moralista de ver noticiarem as mortes dos feminicidas, por superstições diversas que vão à complacência religiosa ao medo de que, mortos, os feminicidas "assombrem" a vida das pessoas.
Sabemos que, quando os feminicidas morrem, eles vão para longe, na erraticidade, porque eles sabem que são odiados pela sociedade próxima de onde eles viveram. Eles ficam horrorizados com o próprio desfecho e, na volta ao mundo espiritual, ficam ainda mais assustados com seu fim e com as consequências espirituais que terão que enfrentar.
Para quem é misericordioso, pede-se para manter em espírito de prece. Feminicidas também precisam de prece, sim. Talvez seus óbitos fossem necessários, uma vez que o prolongamento da vida corpórea seja apenas uma roupagem para proteger seu orgulho, mesmo quando sentem remorso por seus crimes. Ainda há a manutenção dos privilégios que ainda corrompe suas almas, e a evolução espiritual, mesmo havendo, é prejudicada pelo "nome sujo" que se tornou a encarnação presente.
Na reencarnação, o feminicida que morreu terá a oportunidade de recomeçar tudo do zero, sem mais a mácula do nome e do corpo relacionados ao crime. A necessidade do esquecimento espiritual, princípio estudado por Allan Kardec, é uma forma de esquecer crimes, prejuízos e abusos passados, e o feminicida que reencarna apaga suas marcas corpóreas e, sem os privilégios passados, terá que reiniciar uma trajetória, com mais trabalho e desilusões, mas sem as vantagens que lhe protegeram na encarnação criminosa.
Neste sentido, foi bom Doca Street ter morrido e ele, pelos abusos que cometeu, no passado, com nicotina, cocaína e álcool - nas últimas entrevistas, ele afirmou que só continuava fumando - , ele até viveu vida longa demais, chegando aos 86 anos, porque, pelo aspecto envelhecido que ele já tinha nos anos 1970 e 1980, ele poderia ter morrido há mais de trinta anos. Por sorte sua, ele era de família muitíssimo rica, e pôde realizar tratamentos de saúde para controlar um câncer, consequência natural para sua masculinidade tóxica, considerada extrema para homens ricos como ele.
Entendemos os sentimentos de pesar de seus familiares e pedimos para que eles sejam respeitados. O momento não é de comemoração. Nada de comentários odiosos contra o morto. De certa forma, é um momento de reflexão, e ver que pessoas que matam são também pessoas que morrem, e assassinos são os que mais tendem a morrer cedo ou relativamente cedo, pelas pressões emocionais de seus crimes, que causam intensa revolta social.
Doca Street morreu num tempo em que o feminicídio se tornou banalizado, mas também pelo sucesso do documentário em podcast Praia dos Ossos, que rompe com a narrativa que ele, em processos judiciais, se esforçava em manter, reduzindo o tom feminicida ao tentar fazer a sociedade crer que ele era "um homem que amou muito Ângela Diniz e que a havia matado por estar emocionalmente alterado pelas provocações da vítima". A liberação de uma narrativa contrária a ele criava suspeitas de que ele havia morrido há mais tempo.
A morte de Doca Street é comparada à morte de Charles Manson, pela fama e pela morbidez com que os assassinos despertavam em uma estranha legião de admiradores. E Praia dos Ossos, de certa maneira, tornou-se o Era Uma Vez em Hollywood brasileiro, através da narrativa trágica de duas mulheres bonitas precocemente falecidas a tiros de revólver: Sharon Tate e Ângela Diniz. Charles Manson e a atiradora de Sharon, Susan Atkins, já morreram, e agora foi a vez do "Raulzito" que matou a "Pantera" perto do mausoléu de Casimiro de Abreu.
Mesmo assim, descanse em paz, Doca Street. RIP.
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