Muitos estão acostumados com a imagem adocicada de Francisco Cândido Xavier, à qual se reservam os mais carinhosos sentimentos e as associações simbólicas a paisagens floridas, céus azuis, crianças sorrindo, passarinhos voando sobre flores.
No entanto, isso tudo é ilusão, é fantasia. A Doutrina Espírita original considera essa idolatria como um exemplo de fascinação obsessiva. Especialistas em técnicas de manipulação mental das pessoas classifica isso como "bombardeio de amor", uma estratégia considerada altamente perigosa e nociva.
No entanto, as pessoas preferem essa perdição. No "triângulo mineiro das bermudas", as pessoas preferem se perder no caminho, motivadas pelas paixões religiosas que quase ninguém percebe serem tão traiçoeiras e levianas quanto as paixões do sexo, do dinheiro e das drogas.
Chico Xavier é o maior espírito obsessor do Brasil. Não há uma motivação lógica para tanta adoração e sua pessoa nem de longe representou uma confirmação objetiva de ações filantrópicas ou ativismo social. Sua adoração é, na verdade, tomada pela cegueira emocional, por pessoas que não medem escrúpulos de serem masoquistas, obsediadas pela beatitude extrema a um farsante religioso.
Ninguém consegue se encorajar e questionar o mito de Chico Xavier. Aliás, ele mesmo, o "AI-5 do bem", pedia para ninguém questionar, ninguém reclamar e, sofrendo desgraças, que as aguente em silêncio. O que a ditadura militar perdeu em não nomeá-lo para um cargo comunicativo.
Poucos conseguem admitir, mas Chico Xavier foi o João de Deus em seu tempo. Sua trajetória é marcada por escândalos vergonhosos, e o "bondoso médium" que hoje é símbolo de "trajetória honesta e simples", na verdade esteve associado a confusões e atos desonestos, típicos de um arrivista. Infelizmente, os brasileiros passaram a sentir apreço aos arrivistas, hoje supostos símbolos de perseverança e superação humanas.
Alguns episódios tidos como "maravilhosos", como o lançamento de Parnaso de Além-Túmulo, em 1932, quanto a divulgação das "cartas mediúnicas" de mortos comuns, na década de 1970, se revelam, na verdade, atos extremamente levianos, feitos para promover mero sensacionalismo e, causando confusão, trazer visibilidade ao oportunista, no caso o "iluminado e meigo" Chico Xavier.
No caso de Parnaso de Além-Túmulo, há uma série de problemas relacionados ao livro que supostamente trazia uma reunião de nomes de grandes escritores falecidos, mais uns poucos anônimos ou semi-anônimos, que lançavam poemas ou prosas tidas como "espiritualistas":
1) O Brasil não estava preparado para acolher fenômenos autênticos de paranormalidade e o livro também não mostrou qualquer tipo de lógica relacionada a uma atividade que possa ser realmente mediúnica. Além disso, é um produto que se revela bastante duvidoso, pois se trata de uma suposta psicografia produzida "às escuras", o que já garante inevitável desconfiança, se os brasileiros fossem menos ingênuos.
2) Não há possibilidade de reunião de falanges de escritores de diferentes procedências e épocas. Diversos motivos de ordem espiritual impossibilitam isso, e acabam tornando estranha a atribuição dos "médiuns" que acham que podem chamar os mortos que querem e juntá-los como uma criança junta diferentes bonequinhos de plástico para formar um grupo fictício.
A vida comprova isso. Afinal, é só perceber a dificuldade que se tem para reunir colegas de trabalho ou escola depois de vinte anos de desencontro. De um grupo de 40 pessoas, reunir 15 já é uma grande façanha.
3) O livro sofreu estranhos reparos editoriais cinco vezes em 23 anos. Isso causa muita estranheza, porque supõe-se que uma obra espiritual que se acredite atribuída aos benfeitores espirituais seja fechada na sua primeira edição. Não haveria como reparar e revisar, porque a "mensagem de Deus" que acredita-se presente na suposta psicografia não deveria ser mexida.
Mas não. O que se viu é que Parnaso de Além-Túmulo foi remendado, com poemas corrigidos, outros incluídos e outros excluídos, conforme as conveniências do momento. Pior é que a farsa foi revelada por uma fonte amiga, sem querer, pois a escritora Suely Caldas Schubert, em Testemunhos de Chico Xavier, de 1981, revelou uma carta de Chico a Antônio Wantuil de Freitas agradecendo a este e ao editor Luís da Costa Porto Carreiro Neto a revisão dos originais da sexta edição do livro.
Devemos nos lembrar que Humberto de Campos, em vida, fez uma resenha em duas partes, no Diário Carioca, ironizando o livro, aparentemente "admitindo" as semelhanças entre os poemas "espirituais" e o legado dos poetas mortos que foi deixado em vida. Mas Humberto recomendou que não se façam mais trabalhos "mediúnicos", para que os mortos não concorram com os vivos, que precisam sobreviver com seus trabalhos literários.
Chico Xavier não teria gostado disso. Aproveitando-se da morte prematura de Humberto - não teria sido maldição do "médium"? - , com apenas 48 anos em 1934, Chico se aproveitou disso e esperou alguns meses para inventar um suposto sonho que "anunciou" a suposta parceria espiritual. Na verdade, a "maravilhosa colaboração" de Humberto na obra de Chico Xavier foi uma revanche que o "médium" fez para se vingar da resenha que não havia gostado.
Chico era um oportunista e, agora que mais um livro chapa-branca é lançado, o livro Nosso Chico, de Saulo Gomes, citemos o que este escritor, antigo jornalista dos Diários Associados, havia citado do "médium", cuja primeira entrevista dada a este foi a seu pedido, o que indicava que Chico era mesmo um arrivista que queria aparecer, embora esse aspecto negativo não fosse creditado pelo autor dessa obra.
Quanto às "cartas mediúnicas", oficialmente tidas como "a maior caridade de Chico Xavier", há, também, vários aspectos negativos, a saber:
1) As mensagens soam fake, fato observado, em primeiro momento, quando se confrontam as caligrafias das "psicografias" - que não raro apresentam a escrita pessoal de Chico Xavier - e as caligrafias que os supostos autores mortos deixaram em vida, como em carteiras de identidade.
2) Outro fator irregular são os indícios de "leitura fria" e pesquisas de fontes escritas. No caso da "leitura fria", as informações coincidem com os dados apresentados nos depoimentos dos parentes dos mortos e na interpretação de seus comportamentos enquanto citavam certos fatos. Além disso, há informações "complexas" que indicariam suposta autenticidade das "psicografias", não fosse o fato de que, por exemplo, uma tia de um morto oferece informações que a mãe do mesmo desconhece.
3) As "cartas mediúnicas" estimulam a obsessão espiritual pelos parentes mortos, criam um perigoso clima de catarse, expõem familiares em atitudes ridículas de ansiedade e entusiasmo e prolongam sem necessidade o luto familiar que, em condições normais, se amenizaria em duas semanas.
4) A referida "caridade" acaba por promover a espetacularização da morte, o que faz com que Chico Xavier, na verdade, ajudasse a imprensa policialesca, que desde então cresceu vertiginosamente. As "cartas mediúnicas" acabaram também por criar um triste hábito da sociedade se divertir às custas da tragédia alheia, o que comprova que essa "caridade" só trouxe perversidades e não representou bondade alguma.
5) As atividades das "cartas mediúnicas" foram uma forma não só de promover Chico Xavier como ídolo religioso mas também como forma de o "espiritismo" brasileiro colaborar pela defesa da ditadura militar. As "cartas mediúnicas" traziam uma mensagem subliminar que sugeria a ideia de que, se os mortos comuns "estavam bem" no mundo espiritual, as vítimas da tortura militar estariam em "situação melhor ainda".
Desse modo, as "cartas mediúnicas" de Chico Xavier, na verdade, eram uma forma de abafar a crise da ditadura militar e promover uma resignação diante das tragédias ocorridas. Chico era um defensor irredutível da ditadura militar e uma figura que foi ultraconservadora até o fim da vida.
Há muitos e muitos escândalos. A aberrante literatura fake, a provável "queima de arquivo" da morte do sobrinho Amauri Xavier, o apoio de Chico às fraudes de materialização, as suas ideias fundamentadas na corrente medieval do Catolicismo, a Teologia do Sofrimento, são alguns dos aspectos negativos que a imagem "doce e meiga" que hoje prevalece de Chico Xavier não mostra.
Chico Xavier mais parece um tucano que deu certo. A blindagem em torno dele é absoluta, que se sugere até uma piada que diz "Não coma carne processada! Coma médium!! Médium nunca é processado". "Médiuns espíritas" superaram até os mais blindados políticos do PSDB em termos de blindagem e complacência da Justiça dos homens.
Ah, claro, temos João de Deus, que está preso. Mas o "espiritismo" brasileiro tenta transformá-lo num outsider religioso, se esforçando, agora, em desvinculá-lo do "movimento espírita". A mídia já se apressou em blindar Chico Xavier com livro e documentário procurando reviver os tempos da ditadura militar, quando o "médium", antes envolvido em escândalos explícitos, passou a ser promovido como um pretenso símbolo de humanismo e amor ao próximo.
É muito fácil fabricar ídolos religiosos e promover uma narrativa em que a fantasia se sobrepõe à realidade. O mundo adulto também tem suas "fadas-madrinhas" e seus "contos-de-fadas". Nunca foi fácil manter um lobby em favor dos "médiuns espíritas". O quanto os "olhos do coração" podem cegar é um problema sem tamanho.
Mas nada impede que também se faça o mesmo com João de Deus, ou, no âmbito da política, com José Sarney, Fernando Collor, Paulo Maluf. Ou como se fez com o corrupto Mário Kertèsz, na Bahia, que agora foi promovido a um pretenso radialista progressista, um "jornalista sério" que conta com as bênçãos de um de seus empregados, o "médium" José Medrado, de risíveis "pinturas mediúnicas".
No Brasil, é fácil transformar arrivistas em deuses. Tivemos o doutor Adolfo Bezerra de Menezes, precursor do "espiritismo" de matriz roustanguista, cuja biografia só tem aspectos positivos, como um Papai Noel brasileiro, deixando para a poeira do passado a sua personalidade temperamental e corrupta.
É por isso que o Brasil não vai para a frente, sempre mantendo e fortalecendo o vício de glorificar quem se ascendeu aprontando muita confusão...
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