O advogado de defesa do "médium" João Teixeira de Faria, o João de Deus, Alberto Toron, estabeleceu uma estratégia de desqualificar as vítimas de assédio sexual do seu cliente, de forma a fazê-las perderem a credibilidade como denunciadoras e inocentar o religioso.
Essa estratégia, descrita pela jornalista Carol Scorce na revista Carta Capital, se define como gaslighting, e neste caso está sendo usada para definir as denunciadoras como "desequilibradas", "prostitutas" ou mesmo atribuir a elas suposta extorsão financeira. A ideia é culpabilizar as vítimas para que o algoz pudesse ser inocentado.
Gaslighing é um termo inspirado na peça teatral Gas Light, que também foi adaptada pelo cinema - um filme de 1944 teve a atriz Ingrid Bergman no elenco - , e cuja temática se volta a um marido que, querendo roubar um tesouro escondido, para evitar a denúncia de sua esposa, tenta convencê-la e também forçar outras pessoas a se convencerem de que ela é uma louca, e o homem passa até mesmo a manipular objetos como supostos indícios, além de apagar a luz de gás que iluminava o recinto onde ficava o tesouro.
A estratégia mostra o quanto João de Deus atua com cinismo e oportunismo, por trás de sua figura dócil que já rendeu um documentário chapa-branca, com título bem ilustrativo, O Silêncio é uma Prece. É de praxe no "espiritismo" brasileiro a defesa do silêncio, para que ninguém questione nem analise os vergonhosos e preocupantes desvios doutrinários em relação ao legado de Allan Kardec.
O gaslighting é uma forma de abuso psicológico no qual o agressor distorce, da vítima, informações, que são omitidas ou invertidas de forma a manipular o agredido ou abusado, para que este seja induzido a duvidar de sua própria percepção, memória e sanidade. E, por trás do mundo de cor, fantasia, flores, céu azul, passarinhos e crianças brincalhonas do "espiritismo" igrejista brasileiro, há aspectos sombrios como essa prática do gaslighting.
A exemplo dos feminicidas, que usam do gaslighting para transformar as mulheres que eles mataram em culpadas - Doca Street foi artífice nessa manobra, a ponto de depois se tornar o "malvado favorito" da sociedade moralista brasileira, a ponto de, mesmo tendo ele 84 anos e estando muito doente (com câncer e mal de Alzheimer e um rim a menos), muitos terem medo só de pensar na morte que lhe aproxima - , o "espiritismo" também recorre à tese dos "resgates espirituais" para culpabilizar os sofredores.
O caso de Francisco Cândido Xavier, oculto sob a imagem melíflua que prevalece do suposto "médium" e gravíssimo deturpador do Espiritismo, revela um gaslighting não só contra os humildes frequentadores do Gran Circo Norte-Americano, destruído em 1961 por um incêndio criminoso em Niterói, e acusados de terem sido "romanos sanguinários da Gália", em suposta e antiga encarnação, mas no caso feito para abafar e tirar do caminho o próprio sobrinho, Amauri Xavier Pena.
No caso do circo em Niterói, vale uma breve explicação: no livro Cartas & Crônicas, Chico Xavier acusou os frequentadores do circo de, em outras vidas, terem sido moradores da Gália que sentiram prazer de ver o poder romano recolher pessoas acusadas de inadimplência e outros supostos crimes e reuni-los numa arena para serem queimadas vivas. A acusação é tão grave que Chico Xavier, para se livrar da culpa, usou o nome de Humberto de Campos, mal disfarçado pelo pseudônimo "Irmão X".
Vale lembrar que Chico Xavier nunca gostou da resenha de Humberto de Campos sobre Parnaso de Além-Túmulo. Isso vamos explicar em outra oportunidade. O que se sabe é que, com tão grave acusação, Chico, muito malandramente, botou na conta de Humberto, cuja usurpação do nome continuava valendo dentro do "movimento espírita", pois "Irmão X" era apenas um pseudônimo para uso externo, para evitar novos problemas de ordem jurídica.
Se bem que Chico Xavier já havia feito assédio moral a Humberto de Campos Filho, sob o objetivo de tentar abafar o caso e evitar novas petições judiciais. O assédio deu certo e o produtor, filho homônimo do autor maranhense, foi dominado pela fascinação obsessiva e pela mancenilheira emocional dos "bombardeios de amor".
Mas Chico também se beneficiou pelo gaslighting em outro caso. Foi quando Amauri Xavier Pena, seu sobrinho, inicialmente obrigado a participar de supostas obras mediúnicas - o menino estava designado a publicar um trabalho chamado Os Crusíladas, atribuído ao espírito Luís de Camões, que seria quase um "volume dois" do Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, atribuído a Humberto - , resolveu denunciar o tio pelas fraudes psicográficas.
Com o objetivo de blindar Chico Xavier - que, entre 1944 e 1970 havia sido, eventualmente, o "João de Deus" da vez, no que se refere aos escândalos diversos - , a FEB e a União "Espírita" Mineira resolveram lançar uma campanha difamatória para desqualificar Amauri e praticamente cometer o chamado "assassinato de reputação". Um artigo rancoroso do líder "espírita" mineiro, Henrique Rodrigues, foi publicado originalmente em 1958 e reproduzido aqui.
O referido texto de Henrique desfaz por definitivo a ilusão de que os "espíritas" são sempre mansinhos, havendo explosões de raiva e irritação (como no caso de Chico Xavier diante das queixas dos amigos do falecido Jair Presente, as quais o "médium" acusou, furioso, de ser "bobagem da grossa"), e fez parte de uma campanha para desmoralizar o denunciante.
Amauri Xavier foi acusado de tudo. Ele teria sido apenas um eventual alcoólatra, mas sobre ele vieram acusações surreais: assaltante de residências, falsificador de dinheiro e tudo o mais. São acusações sem provas, mas feitas para liquidar o sujeito, que ainda por cima faleceu jovem demais para quem penas tinha um consumo compulsivo de bebidas alcoólicas. Ele faleceu com 27 anos, quando um alcoólatra simples tende a falecer, ao menos, com 35 anos.
Desconfia-se que Amauri tenha sido vítima de envenenamento, em 1961. Teria sido um ato de queima de arquivo. Ele foi jogado num sanatório e teria sofrido maus tratos, e, expulso do local - supostamente "liberado" da internação - , teria sido enganado por alguém que lhe fingiu amizade, mas que teria posto veneno na bebida alcoólica que Amauri acabou tomando, contraindo hepatite tóxica e morrendo pouco depois.
Oficialmente, a FEB emitiu nota, dentro daquela atitude de "lágrimas de crocodilo", "lamentando" a morte do jovem e dizendo que ele morreu por "hepatite simples". Mas há indícios de que a tragédia tenha sido um caso de assassinato envolvendo os bastidores do "movimento espírita", um episódio tão chocante que quase ninguém tem coragem de tomar conhecimento.
Amauri foi vítima de gaslighting. Sua desmoralização foi tanta que, na Internet, não há fotos do jovem, e narrativas bastante confusas descrevem sua vida. Até os sobrenomes eram trocados de ordem, creditando-o como "Amauri Pena Xavier", quando se sabe que, nas regras familiares, Xavier se refere à irmã de Chico Xavier e Pena, o do marido dela, o que significa que, nos sobrenomes, Xavier vem primeiro e Pena vem depois.
As denúncias iriam provocar um efeito devastador no "movimento espírita" e Chico Xavier enfrentaria ainda outros escândalos, entre eles o apoio à farsa ilusionista de Otília Diogo. A blindagem de Chico Xavier - que em seu tempo tinha a astúcia de um Aécio Neves combinada com o reacionarismo de Jair Bolsonaro e a suposta filantropia de Luciano Huck - não permite que muitos deslumbrados conheçam seus aspectos negativos, ou, se conhecem, dizem que eles "foram perdoados por Deus".
Voltando a João de Deus, o gaslighting veio à tona quando a Polícia Civil de Goiás encontra armas e mala de dinheiro na casa do "médium" goiano, preso desde domingo. A manobra chegou a desqualificar a principal denunciadora, a coreógrafa holandesa Zahira Leeneke Maus, de "ter sido prostituta e extorquido o religioso".
São casos muito, muito graves. E os escândalos nos bastidores do "movimento espírita" podem desenterrar antigos escândalos de Chico Xavier, que abençoou João de Deus sem ter a capacidade, como deveria ser de um médium de verdade, de pressentir a figura bisonha que era o goiano.
Em todo caso, os brasileiros com algum senso de lógica e bom senso devem tomar cuidado com as campanhas de cor e fantasia que misturam retrados dos "médiuns espíritas" com céu azul, flores, crianças brincando de cirandas etc. Não podemos transformar o Espiritismo num reino da Disney, com fadas-madrinhas, princesas, Dumbo, Bambi e o escambau.
Temos que ser firmes e resistir às tentações das paixões religiosas, antes de levarmos o choque diante de amargas revelações. Isso não é intolerância religiosa, é intolerância à mentira e à mistificação. O próprio Allan Kardec e Erasto nos recomendava repudiar "médiuns" que estivessem associados a pontos suspeitos e a escândalos vergonhosos.
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