ACIMA, ILUSTRAÇÃO PARA O POSTER DO FILME NOSSO LAR, DE 2010. ABAIXO, ILUSTRAÇÃO DE 2009 PARA UM MODELO DE CIDADE FUTURISTA PARA O MÉXICO, NO PORTAL READY 2 GO (A IMAGEM FOI ELIMINADA DA INTERNET).
O "espiritismo" brasileiro traz uma série de pegadinhas para as esquerdas. O pretenso futurismo, o ufanismo blazé - que poucos imaginam ser, na verdade, uma prévia do bolsonarismo - , o falso cheiro de pobre e os apelos de suposta beleza, dão aos esquerdistas a falsa impressão de que o "espiritismo" brasileiro, igrejeiro e medieval, é uma religião "progressista" que destoa do ultraconservadorismo das seitas evangélicas neopentecostais.
Grande engano. O "espiritismo" brasileiro é ultraconservador, moldado no Catolicismo jesuíta medieval, e esteve à frente de movimentos conservadores que pediram a derrubada das forças esquerdistas do Governo Federal. Para quem acha que isso é mimimi, o conceituado historiador Jorge Ferreira, biógrafo de João Goulart, alertava para a participação de "kardecistas" na Marcha da Família Unida com Deus pela Liberdade.
A adesão das esquerdas ao "espiritismo" de Francisco Cândido Xavier, ignorando que o "médium" sempre foi uma figura ultraconservadora, é feita porque nossos esquerdistas têm o coração mole e a complacência fácil, fraquezas emotivas que permitiram que elas deixassem perder não só seus benefícios políticos, como seu protagonismo histórico. Acabaram entregando o Brasil a Michel Temer e, mais recentemente, a Jair Bolsonaro.
As esquerdas não admitem sutilezas do discurso. Em muitos momentos, elas tentam ver como aliados pessoas, instituições ou fenômenos que professam um anti-esquerdismo com retórica mais cautelosa. Criam visões pasteurizadas do que seriam os movimentos populares, ou adotam posturas preconceituosas mais "educadas", como no caso do próprio Chico Xavier, que enganou as pessoas ao dizer que "os homossexuais merecem todo tipo de respeito".
As pessoas se esqueceram das letras miúdas da bula chiquista: Chico Xavier, em que pese essa postura "respeitosa" ao que hoje reconhecemos como LGBTT, definia esse fenômeno como "doença", motivada pelo que ele definia como "confusão mental" do espírito encarnado, que, de maneira punitivista (um ponto de vista conservador, ver a encarnação como "castigo", ideia de herança roustanguista defendida pelo "médium"), reencarna num sexo oposto para "pagar dívidas passadas".
Um texto bastante delirante, embora "racional", tentou comparar a cidade fantasiosa de Nosso Lar - que o texto define como "verídica" - às comunidades socialistas defendidas por Karl Marx. Isso é uma grande incoerência, até porque o livro Nosso Lar é cópia da obra britânica A Vida Além do Véu (The Life Beyond the Veil), do reverendo George Vale Owen, e dizer que sociedades "avançadas" são marxistas é uma grande tolice. Daqui a pouco vão dizer que o País das Maravilhas de Lewis Carroll também é uma sociedade de inspiração marxista.
"ESPÍRITAS" DE ESQUERDA ADOTAM MODUS OPERANDI DOS BOLSOMÍNIONS
O mais engraçado é que os "espíritas" da linha Chico Xavier e que dizem ser de esquerda adotam o modus operandi dos bolsomínions, os adeptos de Jair Bolsonaro, na hora de tentar argumentar as coisas. É aquele jeito arrogante e agressivo de insistir em argumentar as coisas, sem ter no entanto a lógica e a coerência necessária para sustentar tais argumentos. Investem em relativizações e num discurso persuasivo que, em dado momento, apela para a irritabilidade.
Comparar Nosso Lar a uma comunidade socialista é tão tolo quanto as ideias de Olavo de Carvalho, o "filósofo dos bolsomínions". Isso porque a ideia desse mundo espiritual segue paixões materialistas, mas não um materialismo positivo de Marx, mas um "materialismo" que tem mais a ver com o neoliberalismo, sendo mais uma "colônia espiritual" feita aos moldes dos condomínios burgueses que as empreiteiras mostram nos classificados dos jornais.
O pensamento desejoso que tenta "esquerdizar" Chico Xavier, a ponto de classificá-lo como "comunista" (coisa que ele detestaria ser definido) é baseado em argumentações frágeis e ilógicas, embora muito agradáveis: combina-se a imagem "adocicada" do "médium", trazida pelo telejornalismo da Rede Globo a partir do roteiro do inglês Malcolm Muggeridge para Madre Teresa de Calcutá e ideias soltas sobre "caridade", "paz" e "progresso humano".
Juntando isso a uma abordagem mais emocional que racional do que os conservadores chamam pejorativamente de "lulopetismo", cria-se um "Chico Xavier de esquerda" que nunca existiu, nem de longe reflete a realidade e entra em sérias contradições com posições pessoais adotadas pelo "médium" em seus depoimentos e obras.
A falta de questionamento fez as esquerdas caírem no ridículo quando defendiam o "funk carioca" e ídolos como Zezé di Camargo & Luciano. Estes, símbolos do falso esquerdismo de uma "cultura" popularesca, eram associados aos mesmos apelos populistas do "funk" e a similares apelos pseudo-humanistas de Chico Xavier, o que fez as esquerdas morderem a isca até que, recentemente, Zezé di Camargo se assumiu apoiador de Jair Bolsonaro, fazendo até música inspirada nele.
CHICO XAVIER ENGANOU ATÉ SEMIÓLOGO
Nem mesmo quem deveria investigar, como nosso jornalismo investigativo, tem coragem de desafiar a imagem dócil de Chico Xavier e sua reputação divinizada produzida pela mídia e pelo mercado religioso. Até um semiólogo como Wilson Roberto Vieira Ferreira, o professor Wilson Ferreira do blogue Cinegnose, deu uma grande derrapada nesse artigo sobre as "cartografias astrognósticas do além":
"Para o Gnosticismo, a condição humana é estrangeira. Mas de onde viemos? Por exemplo, para os espíritas somos exilados de um quarto planeta da órbita de Capella, estrela da constelação do Cocheiro – ARMOND, Edgard, Os Exilados de Capela, Editora Aliança, 2006.
Na obra espírita “Nosso Lar”, a passagem do mundo espiritual para a crosta terrestre é descrita como a descida literal de uma espécie de montanha.
O professor gnóstico Basilides de Alexandria (entre 117-138 DC) descrevia um universo estruturado em 365 “céus”, como um movimento ascendente, no qual cada céu gerou o próximo. E nós, humanos, decaímos para esse mundo no qual estamos prisioneiros.
Ou seja, sempre somos exilados de mundos distantes ou de algum “céu” muito acima desse que observamos sobre nossas cabeças.
Mas Destino Especial nos entrega uma cartografia alternativa: o mundo do qual somos nostálgicos e para o qual ansiamos retornar está aqui, bem diante do nosso nariz. Mas está invisível. Como fossem mundos que se interpenetram, um invisível ao outro por algum tipo de padrão vibratório.
Em Destino Especial, o nosso verdadeiro lar está mais perto do que imaginamos".
O professor Wilson Ferreira acabou se nivelando ao fascista Danilo Gentili, envolvido na trama "mediúnica" do filme trash intitulado Os Exterminadores do Além Contra a Loira do Banheiro. A ideia de Nosso Lar contraria severamente os ensinamentos espíritas originais. Isso porque Allan Kardec já havia advertido do desconhecimento que se tem da verdadeira natureza do mundo espiritual.
Nosso Lar é um "mundo espiritual" criado pelas paixões materialistas e poucos conseguem imaginar que ele foi inventado por Chico Xavier - com dicas que variam da obra de George Vale Owen a sugestões de Antônio Wantuil de Freitas e até do então fã do "médium", o depois discípulo Waldo Vieira, então um adolescente - para um objetivo bastante traiçoeiro: dar um motivo para as pessoas desafortunadas da sorte aguentarem o sofrimento sem reclamar.
O que poucos percebem é que Chico Xavier era um sujeito retrógrado, com uma "beleza padrão Regina Duarte" (ou seja, admirável por fora - em que pese Chico ter sido, na verdade, um feioso - , mas reacionário por dentro). Ele defendia sempre a Teologia do Sofrimento, corrente medieval do Catolicismo, que se baseia na ideia do "quanto pior, melhor", ou seja, quanto mais a pessoa sofrer desgraças na vida, mais ela está cotada a receber "bênçãos divinas" na velhice ou após a morte.
Isso traz uma interpretação não muito agradável para os esquerdistas que ficam complacentes com Chico Xavier, iludidos em ver sua cabecinha flutuando em paisagens celestiais. Isso significa que, segundo o "médium", as esquerdas não deveriam esboçar uma reclamação sequer contra as injustiças da vida, que aceitassem um governo tipo Jair Bolsonaro e que encarem a precarização do trabalho como "dádiva divina", sob a desculpa de que no além-túmulo haverá regras trabalhistas melhores.
As esquerdas se iludem com o "espiritismo" brasileiro e Chico Xavier. Se deixam levar pelos apelos bonitos da embalagem, sem saber os ardis que estão em seu conteúdo. Os esquerdistas deixaram se iludir com fenômenos como o "funk carioca", por causa do falso cheiro de pobre, e entregaram o Governo Federal a Michel Temer. O perigo é que, endeusando Chico Xavier, as esquerdas entreguem suas cabeças a Jair Bolsonaro que, dizem, promete um "longo reinado pela frente".
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