O Brasil é tão conservador que há o dado insólito de que, por piores que sejam, os bolsonaristas são os mais sinceros em suas posturas. Nas esquerdas, sabemos que tem muita gente de direita disfarçada - principalmente entre os funkeiros e os intelectuais da breguice cultural - que adoraria desembarcar e, se não apoiar Jair Bolsonaro, ao menos sair defendendo seu mestre oculto Fernando Henrique Cardoso.
Neste sentido, "não ser de esquerda nem de direita" é visto como um eufemismo para quem é de direita, já que os valores considerados "normais" pela população brasileira são simbolizados pelo pensamento conservador e as abordagens tidas como "imparciais" são aquelas que corroboram com esse conservadorismo.
Recentemente, vemos Regina Duarte, ex-atriz que agora é secretária de Cultura de Jair Bolsonaro, se afirmar como uma personagem ultraconservadora que há muito sepultou a antiga reputação de "namoradinha do Brasil", consagrada em novelas dos anos 1960, para estar no clube de reacionários que inclui nomes como Roger Rocha Moreira, Eduardo Costa, Luiz Felipe Scolari e Ana Paula do Vòlei.
Em uma desastrada entrevista de Regina Duarte na CNN, só superada pela solidariedade do ator bolsonarista Mário Frias, ex-astro de Malhação (seriado da Rede Globo), que se ofereceu para substituir a intérprete da viúva Porcina no caso dela sair do seu cargo (o que não ocorreu, pois ela permanece nele), ela cantou "Pra Frente Brasil" e disse que "sempre houve tortura" no Brasil.
Como secretária de Cultura, Regina tornou-se um desastre, simplesmente inexpressiva e abaixo do que sua visibilidade sugeriria, pois, mesmo como secretária, ela poderia, se fosse mais habilidosa, ter uma atuação equiparável a de uma ministra, ainda que sob um viés bastante conservador. Ou pelo menos que refletisse o caráter enérgico com que ela apareceu nas manifestações da direita brasileira dos últimos sete anos.
Ela ignorou as mortes de grandes nomes da nossa cultura. Ignorou Rubem Fonseca, Moraes Moreira, Aldir Blanc. Nem no ex-colega Flávio Migliaccio ela se lembrou. A desculpa usada foi que Regina "não queria desenterrar mortos" nem "transformar seu trabalho num obituário". Mas a ideia não é falar da morte deles, mas prestar um breve tributo ao legado que eles deixaram em vida.
PRECURSOR DOS "MÉDIUNS DE DIREITA"
A repercussão negativa da entrevista de Regina Duarte - que veio de um meio novelesco que cultua Francisco Cândido Xavier, o "namoradinho do Brasil" tão conhecido como Chico Xavier - reflete que, embora nosso país fosse abertamente conservador, há casos extremistas e casos moderados.
Pensando objetivamente, o padrão ideológico de Chico Xavier se situa num terreno entre o bolsonarismo quase contido e tendências filantrópicas paternalistas próprias do Renova BR (de gente como Luciano Huck, Abílio Diniz e Jorge Paulo Lemann). Na opção ideológica, apesar da fama de "apartidário" e "apolítico", Chico Xavier apresentou elementos que se encaixam perfeitamente no bolsonarismo, conforme provamos em nosso texto.
Muitos se irritam quando se fala do direitismo de Chico Xavier, mas essas pessoas se esquecem que é da prática dos "isentões" se acharem "apartidários", "apolíticos" e "sem ideologia", porque, na verdade, ser "normal" é ser conservador, e essas pessoas "isentas" demonstram seu próprio conservadorismo aqui e ali.
No texto acima descrito com link, nota-se que Chico Xavier defendeu da servidão no trabalho - dentro dos padrões da "reforma trabalhista" que hoje é respaldada por Jair Bolsonaro - à "cura gay" (na forma de "adequar" à corrente condição sexual, como a mulher que reencarna como homem e precisa adaptar-se à natureza masculina), e isso com suas palavras e com efeito claramente doutrinário.
Como dizer que é ofensivo afirmar que Chico Xavier era de direita? Relativizar, com bobagens do tipo "são opiniões sem efeito doutrinário" ou "são interpretações erradas de sua pessoa", não têm o menor fundamento, pois o "médium" sempre foi conservador, suas ideias sempre foram medievais e o mais "futurista" de seu pensamento, como a crença em extra-terrestres, segue padrões culturais dos anos 1930.
No caso de Chico Xavier apoiando a ditadura militar, houve uma tese escalafobética que atribuiu a isso a "santidade" do "médium". Nem o fato de ser condecorado pela Escola Superior de Guerra fez ele ser visto como colaborador do regime (o que, para desespero dos chiquistas, foi mesmo), mas um "santo ecumênico" que "dava consideração a todos, sem ideologias". Ideia sem pé nem cabeça, pois um verdadeiro humanista não fica dando afagos tanto em oprimidos quanto em opressores.
A Escola Superior de Guerra - que, recentemente, apoiando Jair Bolsonaro, reivindicou que os servidores públicos que o criticassem fossem demitidos - não iria perder tempo condecorando alguém que não colaborasse com o regime ditatorial, naqueles anos de chumbo. Além disso, a História registra que em várias ocasiões líderes religiosos apoiaram regimes autoritários. Por que isso tem que ser diferente em Chico Xavier, se os fatos comprovam que ele colaborou com a ditadura militar?
O direitismo de Chico Xavier chega a ser pior do que o de Divaldo Franco e Carlos Vereza, só para citar os tais "espíritas de direita". Vejam como Chico Xavier falou dos operários, camponeses e sem-teto no Pinga Fogo. Vejam o que ele escreveu, várias vezes, sobre a conformação com o sofrimento extremo, recomendando o silêncio até quando se orava a Deus, suportando a pior desgraça fingindo que está tudo bem, como se isso fosse atrair boas energias. Só que não.
Regina Duarte falava do medo de ver Lula eleito presidente do Brasil. Chico Xavier pensou a mesmíssima coisa, um aviso que deve ser dado aos "espíritas de esquerda". E isso tanto em 1989 quanto em 2002, ano de sua morte, além de toda a época entre esses dois momentos. O pavor que o "médium" tinha dos esquerdistas é um fato que não deve ser menosprezado.
Há mais argumentos lógicos que afirmam e confirmam o direitismo de Chico Xavier, e justificativas que reforçam isso pelas suas bases sociais. Se as pessoas se recusam a admitir isso, é bom elas prestarem atenção nelas mesmas: é porque elas também são direitistas e não sabem. Como todo aquele que se diz "isentão", "apolítico", "apartidário" e "sem ideologias".
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