Temos bombas semióticas que desafiam a mente humana, que, no Brasil, prefere se conformar com a zona de conforto de uma mediocridade mental, satisfeita com absurdos, burrices, tragédias e outros problemas que são aceitos, bovinamente, pelo "gado" humano que acha que isso é ser "gente como a gente", espécie de eufemismo "isentão" para "ser gado como o gado".
Diante da ignorância dominante na maioria dos brasileiros, que permite as insanidades dos bolsonaristas, por exemplo, mas que faz com que até pessoas aparentemente mais esclarecidas sejam dotadas de tanto desconhecimento, nosso país é um terreno propício para as bombas semióticas que fazem com que o surrealismo, que nos países mais prósperos, é obra de ficção, no Brasil é uma realidade que não cabe sequer contestação.
Os "isentões", esses paladinos da objetividade humana, esses cavaleiros guardiões da imparcialidade, "filósofos de WhatsApp" que fazem dos seus blogs arremedos de monografias, com referências bibliográficas e tudo, não deixam que o senso crítico tenha vez no Brasil, porque o preconceito dos "sem preconceito" classifica o senso crítico como "opinativo demais", se um fenômeno não presta ele tem que ser respeitado e mantido, para o "bem da sociedade".
Por essa assustadora ignorância dominante no Brasil, armadilhas como o "bombardeio de amor" - um perigoso meio de dominação, no qual se simulam demonstrações de afetividade ou expressões de beleza - , consideradas ameaçadoras pelos mais renomados semiólogos e demais estudiosos da linguagem humana, aqui é visto como uma "coisa maravilhosa".
Simbolizada por nomes como Francisco Cândido Xavier - sim, o "bombardeio de amor" foi um artifício usado por Chico Xavier para seduzir a opinião pública e até o filho homônimo de Humberto de Campos, assediado num evento assistencialista em 1957 - , essa tática perigosa é vista como "positiva" por muita gente, inclusive idiotas da Internet que pensam em tolices do tipo "Se o mundo tivesse só bombardeios de amor, a humanidade estaria salva".
FALSAS METÁFORAS PODEM SER FONTES DE MENTIRAS
No que se diz ao Chico Xavier, há coisas negativas relacionadas à sua trajetória que, de tão óbvias, chegam a fazer vazar denúncias não de gente opositora, mas de gente simpatizante e solidária, que, sem querer, revelou que o "médium" era cúmplice tanto das farsas da ilusionista Otília Diogo quanto das fraudes literárias habilidosamente requintadas pelos dirigentes da FEB.
Mas como são coisas que, por mais de acordo com a realidade dos fatos e com a lógica, mostram uma imagem negativa de Chico Xavier, seus partidários utilizam de um recurso semiótico muito habilidoso, se valendo da ignorância da opinião pública, que é o "truque da falsa metáfora".
O truque da falsa metáfora consiste em dar a uma ideia óbvia um falso sentido de linguagem figurada. Inicia-se com um recurso sofista, um malabarismo discursivo que faz com que o interlocutor manifeste sua aparente desconfiança com o que é claro e óbvio e está de acordo com a lógica e a realidade dos fatos. É o tal recurso do "Não é bem assim...".
Com isso, cria-se uma narrativa que desconstrói o fato óbvio, através de relativizações produzidas pelo hábil jogo de palavras e com argumentos verossímeis. Nessa argumentação, incluem ideias opostas àquela que nos é óbvia, através de uma falácia na qual se embaralha a falsa metáfora, criando falsos contextos e outros falsos condicionantes que transformam o que realmente é uma verdade óbvia e indiscutível numa suposta mentira.
Digamos esse resumo sobre o pensamento de Chico Xavier a respeito do sofrimento humano:
"Para Chico Xavier, a pessoa que sofresse as mais pesadas adversidades precisa suportá-las sem queixumes, se limitando a orar em silêncio e esperando com paciência as bênçãos futuras aparecerem em seu caminho, no momento futuro".
Complementamos a ideia acima com esta outra:
"Chico Xavier é partidário da Teologia do Sofrimento".
Essa constatação é óbvia. Chico Xavier foi mais propagandista da Teologia do Sofrimento do que muito católico de batina. Isso é tão óbvio que salta explicitamente nas suas ideias e não existe lógica que possa desmenti-las.
O que existe é um discurso que tenta desmenti-las se aproveitando da informação generalizada e pelo fato de que nenhum "espírita", nem mesmo Chico Xavier, assumiu, declaradamente, sua inclinação à Teologia do Sofrimento, apesar da explícita evidência das ideias apresentadas, que falam por si muito mais do que os rótulos que se evita identificá-las como tal conceito.
Em vez disso, os "espíritas" tentam criar uma narrativa com o objetivo de procurar desmentir a obviedade da Teologia do Sofrimento. A tendência dessa narrativa se resume na seguinte:
1) Desconstroem a obviedade (Teologia do Sofrimento) através de um sofisma, o de que o "espiritismo" brasileiro, como "religião da bondade", não deseja o sofrimento alheio;
2) Desarmada a ideia óbvia, a tática é tratar a ideia pretensamente como uma "linguagem figurada", como se ela não pudesse ser entendida ao pé-da-letra;
3) Com isso, se reinterpreta a aceitação do sofrimento usando o argumento da "esperança", de forma que se torne uma ideia com sentido oposto ao da realidade;
4) Conclui-se, com argumentos bondosos que limitam o sentido de "adversidade" - é fácil uma narrativa diminuir o sentido de uma dor forte - , que o sofrimento é uma coisinha pequenina, da qual não se pode atribui-lo como princípio de uma teologia.
Em outras palavras, esse discurso das falsas metáforas tenta desmentir, com uma narrativa convincente, que Chico Xavier seja partidário da Teologia do Sofrimento, criando nele uma falsa imagem de "progressista", por conta da ideia das "bênçãos futuras", dentro de uma linguagem manipuladora que tenta explorar as fraquezas emotivas. E isso é muito traiçoeiro, porque o discurso é desumano, mas possuem alegações falsamente humanistas.
Ou seja, alguém que sofre pesadas adversidades, acumuladas sem controle, agravadas sem que qualquer esforço conseguisse o êxito sequer de minimizar seus efeitos, é forçado a acreditar, pela metáfora da falsa metáfora, que o sofrimento tem que ser suportado sem queixas, e as preces, oradas em silêncio, como se isso trouxesse energias positivas para sair dessa dramática situação. Só que não.
Imagine alguém que está no fundo do poço. Pela lógica "progressista" de Chico Xavier, a pessoa tem que aguentar a barra naquele baixo relevo, enfrentar a chuva que alaga o local e afoga a pessoa, rezando em silêncio para não atrapalhar a felicidade alheia (sádico, Chico Xavier pede aos infelizes "engolirem" calados suas desgraças).
É uma lógica típica da Teologia do Sofrimento. Mas os "espíritas" tentam desmentir, apelando para discursos como "a bondade infinita de Deus", "a energia benéfica da esperança" etc, como se a agonia de véspera fosse salva por algum milagre repentino, mesmo depois dos efeitos danosos e trágicos tiverem sido produzidos pelas adversidades. Com isso, essa narrativa, de valor verídico duvidoso, serve para tentar dissociar Chico Xavier da Teologia do Sofrimento da qual sempre propagou.
São ideias óbvias que, tratadas como se fossem "linguagem figurada", carregam uma narrativa sofista que, através dessa nova condição, produz falsas metáforas que fazem com que se tente desmentir a Teologia do Sofrimento, pois ao desfazer a associação discursiva das ideias "espíritas" sobre o sofrimento humano com a corrente católica, apesar de serem as mesmíssimas ideias, cria-se uma falsa diferença entre as mesmas, tomando como "progressista" o moralismo medieval de Chico Xavier.
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