Você é progressista? Você se acha de esquerda? E, por outro lado, se considera apoiador entusiasmado de Francisco Cândido Xavier? Se caso positivo, é bom prestar atenção no que realmente você é, se você tem preconceitos ou se realmente suas ideias são realmente progressistas.
Infelizmente, as pessoas tratam as ideias e as ideologias como se fosse comida num restaurante a quilo. Tudo que parece moderno as pessoas pegam, sem saber se as ideias combinam entre si. E aí as pessoas pensam que tudo que parece bom e lembra "paz", "amor", "liberdade" é válido e teve muito direitista se passando por esquerdista não porque mudou de valores, mas porque achou que ser de esquerda é "muito, muito legal".
Tem muita mulher machista, por exemplo, que acha que as mulheres-objetos do "funk" expressam o "empoderamento feminista". Tem playboy sociopata da Barra da Tijuca que se acha nerd só porque escreve besteira nas redes sociais. Tem ídolo da música brega que se acha vanguardista porque é vaiado pela plateia. E tem gente de mentalidade medieval que se diz futurista porque começou a ver programas sobre Ufologia no History Channel.
Há dois tipos de pessoas que se dizem de esquerda e dizem adorar Chico Xavier. Há quem o faz de boa-fé, como muitos intelectuais de esquerda que escrevem para o canal de mídia progressista Brasil 247, gente de esquerda mesmo mas que de maneira ingênua se deixa acreditar pelo verniz de humildade do reacionário "médium" - que defendeu a ditadura militar e era anti-petista convicto - para apoiá-lo incondicionalmente.
Por outro lado, há aqueles que estão mais para acreditar em Chico Xavier, de maneira consciente, mas cujo esquerdismo é mais fachada do que conteúdo. Se dizem de esquerda, mas ficam cobrando e criticando tanto as esquerdas que acabam apoiando, muitas vezes sem saber, pautas e procedimentos de direita, como, por exemplo, a aceitação da "livre negociação" entre patrões e empregados, que traz mais vantagem para o patronato.
Depois que a presidenta Dilma Rousseff foi tirada do poder, em 2016, o povo brasileiro é convidado a rever seus conceitos. Será que as pessoas eram tão "sem preconceitos" como a tal campanha pela "bregalização" da cultura tanto falava? Será que esse papo de "combate ao preconceito" não escondia também seus próprios preconceitos, sobretudo contra o povo pobre, que mesmo a classe média ilustrada e festiva encara como se fosse um bando de animais domésticos?
As pessoas que se dizem progressistas realmente leram Chico Xavier? Será que não conseguem ver conservadorismo retrógrado em frases como "no seu pior momento de agonia, saiba que os rios seguem normalmente o seu curso e os pássaros voam como sempre voaram na vida". Chico, que sempre fez apologia ao sofrimento humano, usava a fé religiosa como pretexto para as pessoas aceitarem o sofrimento.
Tomando o incerto como se fosse certo, Chico Xavier sempre dizia para os sofredores aceitarem desgraças em silêncio, porque haverá bênçãos na "vida futura". No caso dos "rios que seguem o seu curso", não dá para falar isso para presos políticos que levam choque elétrico nas genitálias, com os pés nus num balde d'água, quando a dor da eletricidade chocante é extrema e aflige a alma até morrer ou quase morrer.
O "espiritismo" brasileiro é extremamente conservador. Só toma cuidado com as palavras, o que todavia não deve ser confundido com algum apoio a causas progressistas. O discurso ameno não é garantia de progressismo, porque, mesmo sob habilidosos argumentos, muitas causas dignas do ideário bolsonarista são defendidas, a saber:
1) O trabalho exaustivo, sob a desculpa da "servidão a Deus, sob qualquer condição";
2) A redução salarial, sob o pretexto de "reeducar" as pessoas na obtenção de bens materiais;
3) A Escola Sem Partido, sob a alegação de que as escolas têm que se limitar a transmitir ensinamentos de leitura, escrita, trabalhos manuais e valores cristãos;
4) A cura gay, de forma a resolver as "confusões mentais" que, sob a ótica "espírita", levam as pessoas a se tornarem homossexuais;
5) A rejeição ao aborto, sob qualquer hipótese; no caso da gestante ter sido vítima de estupro, ela que dialogue com o estuprador, conforme o que os "espíritas" acreditam ser "leis de causa e efeito" e "reajustes morais" da vítima-culpada, que "ofereceu" as "energias sexuais" que atraíram o agressor.
Os progressistas têm que prestar a atenção. Existe a diferença entre a embalagem e o conteúdo. Muitas vezes, o conteúdo não corresponde à embalagem e isso pode dar ao iludido uma decepção enorme.
No enunciado, os "espíritas" mais convictos - leiam-se seguidores fiéis de Chico Xavier - se dizem "simpáticos aos esquerdistas", mas lhes fazem tantas cobranças e restrições, embora nunca assumam suas posições mais incômodas, que em dado momento acabam mostrando seu direitismo mais certeiro.
Recentemente, o "movimento espírita" manifestou seu entusiasmo com as manifestações do "Fora Dilma", definidas como "início da Regeneração da humanidade". E exaltaram o então juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, atribuindo a ele "missões intuídas pelos espíritos superiores" para o combate à "corrupção e a impunidade que tanto aligem os brasileiros".
Todos queremos o fim da corrupção e da impunidade, mas a figura tendenciosa e parcial de Moro se revelou, depois, quando ele aceitou ser ministro de Jair Bolsonaro e, há poucas semanas, havia lançado um projeto "anti-crime" que privilegia ações policiais violentas e que traz brechas até para crimes cometidos por privilegiados contra familiares e amigos - inclui, entre eles, o feminicídio - serem vistos como "legítima defesa da honra".
Outro aspecto a considerar é que muitos que se declaram progressistas se iludem com a imagem adocicada de Chico Xavier, e levam em conta apenas o que sua propaganda diz sobre seu pretenso perfil "pacifista", "filantropo", "generoso" etc. Informações mais realistas mostram que o "médium" nunca praticou caridade, se promovendo com pretensa filantropia a exemplo do que Luciano Huck faz hoje em dia. E Chico era ranzinza e seu reacionarismo se equiparava aos bolsomínions, descontando somente o aspecto da violência.
Temos que tomar muito cuidado, porque as pessoas acabam caindo no ridículo com sua ingenuidade. Foi essa credulidade das forças progressistas em relação a fenômenos como o "funk" e Chico Xavier que as fez perder o protagonismo político, por tê-los apoiado achando que eram aliados, mas na verdade não eram.
Afinal, nem tudo que parece "favorável ao povo pobre" é realmente progressista. Há o outro lado, que é o de ser "favorável" a uma imagem estereotipada e domesticada do "povo pobre", que parece agradável mas soa por demais paternalista, se equiparando à dicotomia de animais selvagens X animais domésticos, que trata o povo pobre como "silvícola" quando luta por seus direitos, enquanto só é visto como "adorável" quando se encontra nos cativeiros das instituições assistencialistas.
São pelas entrelinhas e pelos aspectos mais sutis e detalhados que se encontram as verdadeiras posturas daqueles que se dizem solidários, mas não são. As forças progressistas deveriam prestar atenção quando, por exemplo, um texto atribuído a Emmanuel parece apoiar o comunismo, numa grande pegadinha retórica.
As cobranças, a presença de ideias abstratas (como "fraternidade") e vagas e a "condenação da desordem" (eufemismo que o ideário direitista usa para rejeitar os movimentos sociais de esquerda) revelam que o texto "emmanueliano" (ou de Chico Xavier, se considerar a tese de que até a "psicografia" de Emmanuel não existiu) é anti-comunista, porque revela um "comunismo" que a direita gostaria que fosse. Devemos tomar cuidado com as palavras.
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