Um manuscrito da Bíblia de aproximadamente 1.700 anos, publicado em grego no Egito e que estaria próximo do conteúdo original do famoso livro - cujos originais, em aramaico, estão perdidos, só restando em nossos dias um pequeno fragmento com tamanho de cartão de crédito - mostra ausências em relação ao que se conhece hoje em traduções contemporâneas do livro sagrado.
O livro, disponível digitalmente aqui, chama a atenção pelo fato de que dois conhecidos trechos estão ausentes. Um, no Evangelho de Marcos, no capítulo 16, não há o relato de Jesus Cristo, ressuscitado, aconselhando os apóstolos a divulgarem o Evangelho, e nem há informação que negue ou afirme essa ressurreição. O capítulo se encerra apenas descrevendo algumas mulheres vendo o túmulo de Jesus vazio, aparentemente sem esboçar uma reação imediata.
No capítulo 08 do Evangelho de João, também não há a menção do episódio da mulher adúltera ameaçada de ser apedrejada por cidadãos na Judeia. Dessa forma, também não existe a declaração atribuída a Jesus, dizendo que "quem nunca cometeu pecado, que atire a primeira pedra".
O historiador e estudioso do Espiritismo, Lair Amaro, afirma que muitas visões distorcidas por traduções contemporâneas da Bíblia foram aproveitados pela literatura "espírita" (leia-se Chico Xavier, Hercílio Maes, Divaldo Franco etc). Em uma série de relatos trazidos por Amaro, analisadas aqui, o episódio da adúltera foi uma invenção do século V em plena Idade Média.
Esse enxerto (o episódio da "adúltera"), teve um propósito tendencioso, a exemplo do julgamento de Jesus Cristo por Pôncio Pilatos. Assim como o julgamento, que vai contra a natureza "rápida e rasteira" das autoridades do Império Romano em condenar imediatamente aqueles que considerava criminosos (Jesus era acusado de fazer campanha contra o IR, entendida como subversão à ordem), o episódio da adúltera foi criado para blindar dirigentes da Igreja Católica.
No caso do "julgamento de Pôncio Pilatos", a ideia é livrar de culpa as autoridades do Império Romano que fundaram a Igreja Católica, atribuindo aos judeus a condenação de Jesus. No caso da adúltera, a ideia era livrar os bispos católicos, acusados de adultério, de sofrerem as consequências desse delito.
COMPLACÊNCIA COM O ERRO
Atualmente, os defensores de Francisco Cândido Xavier se apressam a patrulhá-lo, através de uma aparente concessão à idolatria que dão a ele, agora admitindo, pelo menos no discurso, não mais vê-lo como um "semi-deus".
É a segunda reparação do mito de Chico Xavier feita em 40 anos, quando a Rede Globo, usando o método do inglês Malcolm Muggeridge, reinventou o mito, subtraindo dele alguns aspectos pitorescos vindos da mente sensacionalista e provocadora do mentor terreno do "médium", Antônio Wantuil de Freitas, que foi uma espécie de "empresário" do beato de Pedro Leopoldo.
O método Muggeridge foi responsável por divinizar a megera reacionária Madre Teresa de Calcutá, acusada de deixar os internos das casas mantidas pelas Missionárias da Caridade em condições sub-humanas. A ideia desse método é criar uma mistificação em torno de uma simbologia que inclua supostas virtudes ao mesmo tempo extraordinárias e humanistas.
O método Muggeridge ofereceu os ingredientes que alimentaram os processos recentes de idolatria religiosa, e, agora, até esses excessos são podados. Hoje se fala em "adoração mais simples", criando um suposto realismo, atribuindo "imperfeições" nos ídolos religiosos e tentando criar um aspecto "mais humano e menos angelical", conforme determina sua retórica.
Daí que surgem os "santos falíveis", supostamente "gente como a gente", e "sujeitos a cometer erros". Essa postura é um tanto cafajeste, porque, dentro da onda do "todo mundo erra" que faz do governo Jair Bolsonaro a farra que vemos nos noticiários em geral, usa-se a admissão do erro mais para evitar ser punido pelo mesmo do que para ter consciência do ato errado que cometeu.
Na verdade, essa suposta "consciência do erro" tem como objetivo obter o perdão, visto como um "calote moral", pois o ato de perdoar é visto como permissividade, distorcendo o que já era distorcido, numa suposta declaração de Jesus à adúltera, inventada no século V: "Vá e não peques mais".
Isso é uma senha para todo arrivista, e vemos arrivistas de todo tipo, desde ex-prefeitos corruptos que viram dublês de radiojornalistas, passando por canastrões da música brega que se acham os "gênios da MPB", até o próprio exemplo de Chico Xavier, um pastichador de livros que virou "semi-deus" (e, agora, um "sub-deus falível" mas com a mesma idolatria fanática de antes). É nesse clima que um outro arrivista, Jair Bolsonaro, foi eleito presidente da República.
Afinal, o arrivista é aquele que se torna notável pelos seus erros, muitos deles graves, e até criminosos (como Guilherme de Pádua assassinando Daniella Perez, por exemplo). Apronta escândalos, causa revolta em muita gente, mas ao obter a visibilidade necessária e os privilégios conquistados sem mérito nem esforço, o arrivista depois banca o "corretinho", um tanto "imperfeitinho", mas se esforçando para se manter no pedestal do seu alpinismo social.
Por isso vemos o quanto o Brasil vive agora a onda da complacência com o erro. Os "isentões espíritas" até falam muito em "serem contra" a complacência com o erro, mas desde que esse erro seja feito por outras pessoas fora do seu círculo de aliados e admirados. Quanto a eles, pode-se errar à vontade, causar bagunça, botar a lógica, o bom senso e a Justiça no lixo, rasgar leis, matar primeiro e perguntar por último, xingar antes e pedir desculpa depois, cometer todo tipo de canelada.
E é isso que faz o Brasil o desastre que é, porque temos pessoas tão resignadas com o erro e com os desastres cotidianos que acabam se conformando com essa tragicomédia de tal forma que se revoltam quando alguém tenta corrigir tais erros. A desculpa do "todo mundo erra" faz com que as pessoas se apeguem tanto ao que é errado que hoje são os corretos os alvos de revolta e ódio da sociedade. Herrar é umano.
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