As vitórias eleitorais de Jair Bolsonaro e Donald Trump revelam um fenômeno que não é exclusivo no Brasil, mas que no nosso país acontece com uma frequência avassaladora, que é o chamado Efeito Dunning-Kruger, conhecida também como a síndrome do "idiota confiante" ou da "superioridade ilusória".
Não vamos falar muito de Donald Trump, mas ele simboliza essa perspectiva na qual o espetáculo do pitoresco e do sensacionalista possui mais peso do que a busca pela lógica e pelo bom senso, mesmo que seja em prejuízo da sociedade, que prefere eleger políticos autoritários e reacionários do que governantes capazes de melhorar a vida da população.
A síndrome do "idiota confiante" foi identificada e sistematizada pelos psicólogos da Universidade Cornell, em Nova York, Justin Kruger e David Dunning. Eles realizaram estudos através dos hábitos de leitura, condução de veículos motorizados ou prática de esportes que exigem atenção como tênis ou xadrez, e tiveram uma conclusão preocupante, naquele período de 1999.
Eles concluíram que a ignorância "gerava mais confiança" do que o conhecimento, identificando falhas nas pessoas que não conseguiram exercer tais habilidades. Essas falhas consistem em reconhecer a própria falta de habilidade das pessoas pesquisadas, assim como falhas em reconhecer as verdadeiras habilidades em outras pessoas e reconhecer os limites de sua própria incompetência.
Num país como o Brasil, em que se vive a supremacia do "idiota da Internet" - conhecido também como "midiota" - , que não raro comanda atos de cyberbullying contra aqueles que discordam das convicções pessoais do ignorante da ocasião, o Efeito Dunning-Kruger cria consequências bastante danosas, como foi a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro.
O "midiota" - definido por Umberto Eco, no final de sua vida, como o "idiota da aldeia" que queria ser reconhecido pelo mesmo patamar que um ganhador do prêmio Nobel - é aquele que não tem uma compreensão objetiva da realidade, preferindo acreditar que a Terra ou mesmo o Universo giram em torno das opiniões pessoais do idiota que se autoproclama "esclarecido".
Até Bertrand Russell havia, com sua frase, descrito esse mesmo "idiota" que quer ser dono de uma verdade que não compreende bem: "O problema com o mundo moderno é que os idiotas estão seguros e os inteligentes cada vez mais cheios de dúvidas". Nesta frase, o escritor galês vivia preocupado com a ilusão dos idiotas que se acham terem certeza de suas convicções e desejos.
Há uma grande confusão de valores, conceitos e ideias, que cria um coquetel de relativismos, vaidades e falsas modéstias nas quais erros se transformam em "receitas para o sucesso", opiniões se tornam "verdades indiscutíveis" se seguem determinados padrões ideológicos e se forma a ilusão de que existe "perfeição" no terreno da imperfeição.
A falta de noção de muitos fenômenos faz com que o "midiota" seja intolerante aos conselhos alheios, às advertências e argumentos lógicos que não lhes agradam. Iludido com a certeza da impunidade e da ilusão de seu prestígio, o "midiota" chega a produzir sites dedicados unicamente a ofender seu desafeto, reproduzindo seu acervo (textos, fotos pessoais etc) para fins de difamação e de "assassinato de reputação", termo que é conhecido o processo de desmoralização extrema a alguém.
CONSERVADORISMO ENRUSTIDO
O que chama a atenção, através dos casos do Efeito Dunning-Kruger no Brasil, é que há uma combinação entre a defesa de ideias ultraconservadoras e o aparato de rebeldia e modernidade de seus defensores. De forma surpreendente, são pessoas que parecem ultramodernas no modo de vestir e falar, mas que apoiam ideais retrógrados e até medievais, e contribuíram em peso para a vitória eleitoral do militar e fascista Jair Bolsonaro para a Presidência da República.
São pessoas acostumadas com a mediocrização sócio-cultural, que reduziu a cultura brasileira num amontoado de breguices musicais, imprensa policialesca, culto às subcelebridades e apego a frivolidades. São pessoas capazes de defender, a ferro e a fogo, uma simples gíria como "balada", um jargão associado a jovens ricos de São Paulo e patenteada pela fascista rádio Jovem Pan, em parceria com as Organizações Globo.
Essa péssima educação tem antecedentes nos anos 1990, quando surgiram os efeitos das concessões de caráter político do governo José Sarney na década anterior. Esses efeitos correspondem a uma profunda degradação sócio-cultural que atinge níveis extremos nos últimos anos. No entanto, esses efeitos também seguem uma longa linhagem que vem desde o período colonial e que teve manifestações intensas em períodos diversos como a República Velha e a ditadura militar.
Ela cria um padrão medíocre de ascensão social e de realização pessoal, marcada pela permissividade do erro e da ignorância. Esse padrão é mais receptivo aos retrocessos sociais e se alterna entre a falta de senso crítico em relação aos problemas reais da sociedade e uma fúria intolerante a fenômenos que destoam do universo medíocre de seus defensores.
Desse modo, há uma complacência ou uma conformação com retrocessos sociais profundos - como os que foram implantados no governo Temer e serão radicalizados no governo Bolsonaro - , enquanto há uma intolerância rancorosa com organizações como o Movimento dos Sem-Terra (MST) e o Partido dos Trabalhadores, que ultrapassa uma simples discordância ideológica.
EFEITO DUNNING-KRUGER NO ESPIRITISMO
O "espiritismo" brasileiro é completamente dominado pelo Efeito Dunning-Kruger. É a ignorância coletiva que permite que a deturpação da Doutrina Espírita aos moldes do Catolicismo medieval ocorra de maneira tão abusiva que os deturpadores se colocaram como "donos" do Espiritismo, sobretudo os estranhos "médiuns" que mais parecem sacerdotes da Idade Média à paisana.
A síndrome do "idiota confiante" ou da "superioridade ilusória" fabrica "espíritos de luz" (equivalentes aos "santos" católicos) às custas de uma simples permissividade emocional, enquanto que seus seguidores estão completamente desinformados de que a doutrina que apreciam de afastou completa e radicalmente do Espiritismo original francês.
Para piorar, textos que alertam para a deturpação estão entre os menos lidos, o que faz com que a ignorância dos "espíritas", no Brasil, permanecesse na sua zona de conforto do que se chama de "balé das palavras", do entretenimento de mensagens agradáveis e estórias dramáticas de "fé e esperança" que provocam o efeito da "masturbação com os olhos", quando a comoção passa a ser vista como uma diversão das mais perigosas, pois se dá às custas da tragédia alheia.
As pessoas evitam ler textos que alertam que o Espiritismo, no Brasil, é deturpado. O pior é que se permite essa deturpação, que apresenta vários aspectos criminosos (como a falsidade ideológica, a autopromoção pelo aparato de caridade e até o exercício ilegal da medicina), usando como pretexto a "liberdade religiosa", desculpa constrangedora que favorece tantas práticas irregulares.
O próprio caso de Francisco Cândido Xavier é o típico fenômeno do "idiota confiante", de um sujeito de personalidade estranha, pitoresca e irregular que se ascende de forma tão vertiginosa que hoje ele é visto, tendenciosamente, como um pretenso "espírito superior", condição dada não por fatos ou ideias realistas e consistentes, mas por juízos de valor positivos e pensamentos desejosos diversos.
Sim, porque Chico Xavier goza de uma suposta superioridade espiritual - a "superioridade ilusória" aplicada ao "espiritismo" brasileiro - , que só tem validade na Terra, onde as paixões religiosas também possuem suas fantasias e devaneios. A adoração ao "médium" chega a tal ponto de cegueira e idiotia que, mesmo dividida entre a imagem "divinizada" vista por uns e a imagem de "homem simples" vista por outros revela em Chico Xavier a mesma idolatria cega, mórbida e obsessiva.
Chico foi um arrivista que se ascendeu através de obras literárias fake que, tidas como "mediúnicas", no entanto sempre apresentaram problemas gravíssimos relacionados aos aspectos pessoais dos supostos autores mortos.
A complacência que se dá a essas obras fake também é um aspecto do Efeito Dunning-Kruger. Ainda se vai falar da vergonhosa permissividade do "movimento espírita" que sugere que as obras "psicográficas" são "autênticas ou não" de acordo com a fé de cada pessoa. Essa ideia ofende à memória dos mortos, e transforma a fé religiosa numa desculpa para aceitar obras falsas como se fossem "verdadeiras" apenas porque contém mensagens religiosas.
Chega-se mesmo ao cinismo de alegar, em obras pretensamente "mediúnicas", que elas possuem aspectos que "escapam da compreensão humana", como se fosse possível confundir irregularidades de estilo com fenômenos sobrenaturais. Os partidários de Chico Xavier chegam a dizer, com cínica hipocrisia, que o questionamento de suas obras depende de "critérios mais aprofundados (sic) relacionados ao estudo da natureza espiritual e da comunicação com os mortos".
Isso significa o mesmo que dizer que, para se chegar ao número "4", não são válidas operações simples como "2 x 2", "2 + 2" ou "1 + 3", mas complicadas equações matemáticas que pudessem chegar "seguramente" a esse resultado. A alegação de que, por exemplo, para questionar a suposta obra espiritual atribuída a Humberto de Campos depende de critérios mais complexos, como alegou o acadêmico Alexandre Caroli Rocha, é típica do Efeito Dunning-Kruger.
Ela corresponde ao fato de que, para questionar paradigmas dominantes, deve-se usar critérios complexos que na verdade nem são necessários. Uma simples leitura comparativa, entre a obra original de Humberto de Campos e a suposta obra espiritual que usa seu nome, derruba as supostas psicografias, bastando apenas um conhecimento sobre estilos literários e os talentos peculiares de cada autor.
Em outras palavras, é a ignorância querendo exigir demais da sabedoria alheia, exigindo dela não a simplicidade dos argumentos lógicos e consistentes, mas o aparato complicado e tecnicista demais que possa fazer frente às desculpas que o "idiota da alheia" monta, com o falso aparato dos argumentos persistentes, em defesa de suas "sólidas" convicções pessoais.
CHICO XAVIER E JAIR BOLSONARO, "FILHOS" DE UM MESMO PRISMA PSICOLÓGICO
A surpreendente comparação entre Chico Xavier e Jair Bolsonaro, que chocam profundamente os chiquistas não-bolsonaristas, é a consagração do Efeito Dunning-Kruger entre os brasileiros médios. O fato de que Chico Xavier é endeusado nas mesmas redes sociais que contribuíram para a eleição de Bolsonaro revela um mesmo prisma psicológico.
Ambos se ascenderam de maneira arrivista, causando muitas confusões e revoltas. Chico com sua literatura fake, Jair com seu plano de atentados terroristas. Ambos tiveram ascensão vertiginosa, apoiada por setores conservadores da sociedade brasileira. Ambos são divinizados por pessoas tomadas de catarse emocional, baixo senso crítico, permissividade para o erro (quando cometido por seus ídolos ou similares) e movidas pela simbologia pragmática associada aos dois arrivistas.
Ambos são "filhos" desse prisma, desse inconsciente coletivo que chega a níveis extremos no Brasil, e que transforma o país no terceiro mais ignorante do mundo. Mas, com a vitória de Jair Bolsonaro - que, para desespero dos chiquistas não-bolsonaristas, contaria com as bênçãos de Chico Xavier - , o Brasil tende a ser o primeiro mais ignorante do planeta. Principalmente quando o "idiota da aldeia" se acha o "sábio da montanha".
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