Estamos advertindo ao pessoal que, no Brasil, está promovendo a retomada ultraconservadora, numa marcha-a-ré forçada de valores e princípios, para tomar muito cuidado com tais atitudes. Não é a pose de arrogância como a que vemos nos três principais filhos do presidente eleito Jair Bolsonaro, o senador Flávio, o deputado federal Eduardo e o vereador Carlos que garantirá, às elites que retomaram o poder em 2016, uma dose de segurança e triunfalismo.
A vida apronta surpresas para qualquer um. A tragédia também é apartidária. E hoje, quando vemos um grande pavor da "boa sociedade" de verem morrer dois feminicidas (paciência, Doca Street e Pimenta Neves são octogenários e estão doentes e frágeis como qualquer mortal em suas condições), nota-se que as elites são imprudentes e intransigentes quanto a seus riscos e crédulas demais no seu triunfo e na sua ilusão de invulnerabilidade.
Isso mostra que o Brasil não se evoluiu. O Brasil de 1974, dos anos Geisel das convulsões sociais e do ultraconservadorismo triunfante, mas desesperado, nunca foi devidamente superado e parecia um vulcão adormecido que se explodiu várias vezes, em 2016 e, agora, no fim de outubro deste ano. Temos velhos paradigmas que, obsoletos, fizeram a sociedade mais reacionária surtar e enlouquecer querendo a retomada de um passado que não podem mais reconstituir.
Sandices como um projeto pedagógico como Escola Sem Partido, que proíbe debates em sala de aula mas permite a veiculação de fantasias religiosas, como o Criacionismo - no fundo uma pornografia fantasiada de "ciência" e "religiosidade" que apela para a dicotomia de duplo sentido entre "cobra" e "maçã" - e o mito do "mar se partindo ao meio" da história de Moisés (aquilo, na verdade, era a maré baixa e não um monte de água se rasgando como folha de papel).
O projeto está hoje em votação e, se aprovado na sua integridade, criará uma catástrofe educacional sem tamanho, emburrecendo gerações inteiras e apenas recuperando o pior do antigo ensino hierárquico que prevaleceu até os anos 1940, porque, pelo menos, nesse passado, havia transmissão de conhecimentos e saber, coisa que não é o forte da medonha Escola Sem Partido.
O governo Jair Bolsonaro tem sua agenda ultraconservadora em marcha, em todos os sentidos. A Petrobras, histórica companhia petrolífera, morrerá aos poucos. Os postos da BR Distribuidora desaparecerão, provavelmente transformados em filiais da Total, Chevron, Shell, Exxon ou o que vier mais de corporações estrangeiras.
Direitos trabalhistas serão extintos de vez, salários serão reduzidos, a estabilidade no serviço público acabará, enquanto os ultrarricos parasitam o que resta de dinheiro nos bolsos dos mais pobres, enquanto a higienização social atinge, através de convulsões sociais e da violência das ruas e lares, negros, LGBTT, mulheres, pobres, sindicalistas, camponeses e outros não-ricos que serão mortos em nome de pretextos como a "defesa da família", "defesa da propriedade" e a "honra masculina".
Será o mesmo "banho de sangue" que já havia nos tempos de Geisel, Figueiredo e Sarney, mas também com surtos nos tempos de Collor e FHC, com ator matando colega de elenco, magistrados matando ou mandando matar esposas, policiais exterminando favelados e meninos de rua, pistoleiros matando sem-teto, prostitutas e travestis. Só que agora mais oficializado, estimulado pela "flexibilização do porte de armas" que fará o Brasil um país ao "deus-dará".
O OUTRO LADO DA TRAGÉDIA
Mas o que chamamos a atenção é que essa guerra não é nem pode ser unilateral, porque a vida cobra também dos algozes suas consequências funestas. É o que vemos quando Doca Street e Pimenta Neves, muitíssimo doentes, tornaram-se os "brasileiros que não podem morrer", mesmo quando sabemos que essa tragédia anunciada, que daqui a pouco se converterá em obituários na grande imprensa, se deu porque os dois feminicidas descuidaram da sua própria saúde. Paciência.
Assassinos também morrem. Pistoleiros dificilmente chegam vivos aos 60 anos de idade. Feminicidas pegam no pé da imprensa para nada noticiar sobre eles, porque a tragédia passa a flertar neles, num efeito bumerangue dos crimes que eles cometeram. Psicopatas, sociopatas, jagunços também apressam a ida ao túmulo, e é aí que o medo se generaliza. Tirar a vida do outro e ver o outro morrer jovem é moleza, mas quando o homicida, seja de que natureza for, sente uma dorzinha no peito, parece um bebê chorão que não quer arcar com os malefícios que fez contra si mesmo.
Da mesma forma que assassinos também morrem, repressores encontram adversidades e repúdio coletivo, deduristas dos mais reacionários perdem amigos - quanto cyberbullying não vive seu day after de antigos aliados brigando feio e trocando xingamentos e ameaças? - , e ultrarricos podem perder seu dinheiro por completo justamente no momento em que se desesperam em ampliar seu patrimônio.
A vida traz surpresas e, recentemente, as elites de ricos e famosos nos EUA tiveram que suportar a destruição total de suas mansões na série de incêndios que atingiram áreas influentes da Califórnia, incluindo o famoso balneário de Malibu e uma cidade com o irônico nome de Paradise ("paraíso", em inglês), destruída por um incêndio que dava um aspecto de inferno dantesco.
Outro famoso episódio envolvendo os ricos é o famoso naufrágio do navio Titanic, um cruzeiro marítimo que era o símbolo de extravagância e luxo extremo. Apoiado pelo lema "nem Deus derruba o Titanic", o navio esbarrou num aicebergue e, com sua frente destruída, sofreu um sério naufrágio que matou centenas de pessoas, tendo sido uma das maiores tragédias do século XX.
O apetite desmedido de riqueza e de tantos retrocessos sociais que protegem os privilegiados pode custar caro na retomada ultraconservadora iniciada em 2016 e radicalizada pela vitória de Jair Bolsonaro. O destino é um bom conselheiro, mas os impulsos do calor do momento são intransigentes, até que, em dado momento, a ilusão de invulnerabilidade e a confiança cega fará dos reacionários de hoje vítimas de seus próprios atos abusivos de qualquer natureza.
No caso dos ultrarricos, nada impede que o terrorismo virtual dos hackers invada depósitos de paraísos fiscais dos multimilionários e esvazie seus patrimônios financeiros transferindo recursos para organizações não-governamentais em todo o planeta. O risco de Robin-Hoods digitais existe, num contexto em que, por outro lado, grandes empresários de multinacionais, envolvidos em escândalos financeiros, podem cair em efeito dominó. Que a ganância das petrolíferas se contenha, antes que a chama do petróleo vire um incêndio devastador em seus escritórios.
A vida traz muitas surpresas e a retomada ultraconservadora em marcha no Brasil é marcada por ações impulsivas, posturas arrogantes e covardias de diversos níveis. Recentemente, um ex-diplomata e empresário, Sérgio Thompson-Flores, foi denunciado por violentas agressões e ameaças de morte dadas à ex-mulher, a atriz Cristiane Machado, que divulgou a denúncia no Fantástico, da Rede Globo.
Será Sérgio mais um dos muitos feminicidas que têm coragem de matar e medo de morrer, enquanto a sociedade treme de medo só de pensar que Doca Street e Pimenta Neves participarão do banquete do umbral com Leopoldo Heitor? Leopoldo foi um feminicida dos anos 1960 que matou a socialite Dana de Teffé em 1961, e que faleceu em 2001 aos 79 anos, portanto, sem dar chance para a indústria de notícias falsas inventar que ele virou um "youtuber de 80 anos".
A ganância de hoje custará muito caro amanhã. Certamente a sociedade não-rica pagará os malefícios, sobretudo os bolsonaristas de classe média e os "pobres de direita" que votaram em Jair Bolsonaro tomados de anti-petismo cego, quando tiveram todo o tempo para votar num anti-petista menos ofensivo. Será triste ver os servidores públicos que gritaram "É Bolsonaroooo... É bom jair se acostumando..." perderem a estabilidade no emprego pelas mãos daquele que elegeram.
Mas as elites também pagarão caro. Elas não podem pensar sempre que ganharão todas. Há o dia seguinte, no qual os métodos de contornar as dificuldades, que pareciam funcionar sempre, deixem de surtir efeito e os ultrarricos começarem a enfrentar perdas sem controle, sem poder ter êxito em tentativas que, na véspera, eram infalíveis.
Bem ou mal, os valores mudaram, a sociedade se transformou, e a retomada ultraconservadora do Brasil não tem a proteção internacional, do contrário da ditadura militar. Entidades de direitos humanos estão observando os rumos do nosso país e os agressores e abusadores que se sentem triunfantes no território brasileiro são justamente os que recebem chacotas e outras reprimendas da comunidade internacional no mundo inteiro, inclusive nos EUA.
De latifundiários a obscurantistas pedagógicos (que defendem a Escola Sem Partido), de feminicidas orgulhosos de seus revólveres a sociopatas das redes sociais, cada um que agora radicaliza a retomada conservadora, deve perceber que não se pode brincar com fogo. O ditado "o feitiço vai virar contra o feiticeiro" será o mote que transformará em choros copiosos as risadas arrogantes da véspera.
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