Nunca o "espiritismo" brasileiro teve tantas sintonias afinadas com o bolsonarismo. A religião que se diz "kardecista" mas não mediu escrúpulos em se afastar da doutrina francesa original em nome das "tradicões da religiosidade brasileira", também rompeu com a essência progressista de Allan Kardec, na medida em que preferiu adotar um moralismo ultraconservador.
É claro que o "espiritismo" brasileiro faz isso de maneira dissimulada e nunca declarada no discurso. Em termos retóricos, o "espiritismo" se proclama "neutro" ideologicamente, mas sinaliza apoio a movimentos e fenômenos de viés bastante conservador.
Através de Francisco Cândido Xavier, popularmente conhecido como Chico Xavier, esse moralismo conservador se fundamenta na Teologia do Sofrimento, corrente medieval do Catolicismo que a maioria dos católicos não quer mais. Chico Xavier, porém, sempre defendeu essa corrente, através de seus apelos para os oprimidos "aceitarem as desgraças em silêncio, sem jamais reclamar".
Recentemente, o "espiritismo" brasileiro sinalizou apoio às passeatas do "Fora, Dilma" e à atuação do juiz Sérgio Moro na Operação Lava Jato. A desculpa é que "a espiritualidade superior intuiu aos brasileiros combaterem a corrupção e a impunidade", e tais eventos foram anunciados como aquilo que os "espíritas" definem como "começo de um período de renegeração".
Só que esse apoio culminou na vitória de Jair Bolsonaro, pois toda uma integração de forças de cunho jurídico, político, empresarial, midiático e social que se envolveram nas manifestações de março de 2016 acabaram por respaldar e garantir a vitória do candidato de extrema-direita nas eleições presidenciais de 2018.
Para complicar mais as coisas, o lema de campanha de Bolsonaro se encaixa perfeitamente no lema de Chico Xavier, de forma que, embora admitamos que o "médium" não tenha previsto, em 1952, a ascensão do candidato do PSL, ele teria gostado de sua pessoa. Xavier era anti-petista convicto, anti-esquerdista de carteirinha, e apoiaria com gosto a candidatura de Bolsonaro, embora reprovasse os excessos cometidos por seus seguidores.
IMPOSSÍVEL CRIAR UMA IMAGEM "PROGRESSISTA" DE CHICO XAVIER. ELE SEMPRE FOI UM REACIONÁRIO
Notem os lemas: "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" e "Brasil, acima de tudo, Deus, acima de todos". O sentido semântico de ambos é idêntico: no período gramatical, há, na primeira oração, um destaque para o Brasil, enquanto a segunda oração revela uma missão religiosa. Difícil dissociar Chico Xavier de Jair Bolsonaro, até pelos dois terem surgido de forma arrivista, causando muita confusão, e por ambos defenderem uma moral extremamente conservadora.
Sabe-se da intenção dos espíritas (autênticos ou não) que não são bolsonaristas em correr atrás de textos tardios de Chico Xavier para tentar desfazer suas ideias ultraconservadoras. A tarefa, no entanto, será sempre em vão, porque o esforço de desfazer essa imagem nunca irá além dos limites fantasiosos e idealizadores do pensamento desejoso e da interpretação falaciosa, de tais textos.
Além disso, as circunstâncias que mais se encaixam na simbologia "espírita" que envolve Chico Xavier são as relacionadas a Jair Bolsonaro. E isso se dá conforme a análise lógica dos fatos e da combinação de ideias comparadas à luz da razão. Afinal, que progressismo existe num "médium" cuja única preocupação é que as pessoas fiquem sofrendo desgraças caladas?
Posar para fotos ao lado de crianças pobres ou falar em bonanças na próxima encarnação não querem dizer progressismo algum, porque até isso a extrema-direita promete. Chico Xavier foi um reacionário e cada vez mais essa imagem desafia qualquer pensamento desejoso que tente criar, nele, uma falsa figura progressista, que pode até fazer seus seguidores dormirem tranquilos, mas tal imagem, embora mais agradável, não corresponde de forma alguma à verdade.
Paciência. Ídolos religiosos podem ser ultraconservadores e reacionários. Em dado momento, eles podem escrever textos com palavras mais suaves e aparentemente generosas, mas seu conservadorismo na maioria das vezes é inabalável até o fim da vida.
A situação é tão grave que Alceu Amoroso Lima, que havia sido um católico ultraconservador - ele foi discípulo de Jackson de Figueiredo no Centro Dom Vital - e defensor do golpe militar de 1964, passou para a oposição à ditadura militar e, no fim da vida, defendeu a redemocratização.
Já o "progressista" Chico Xavier, flertado de maneira unilateral (numa "paixão" nunca correspondida) por espíritas (autênticos ou não) que se dizem de esquerda, sempre defendeu a ditadura militar até o fim, apoiou Fernando Collor na campanha presidencial de 1989 e, no fim da vida, sinalizou apoio aos mesmos setores do PSDB que recentemente preferiram Bolsonaro a Geraldo Alckmin.
Paciência. Também, quem visse a doce morena Regina Duarte no começo de carreira, quando ela se tornou a "namoradinha do Brasil" como uma resposta brasileira a Audrey Hepburn, ninguém imaginava que ela se tornaria uma reaça militando ao lado do Movimento Brasil Livre e posando ao lado de Jair Bolsonaro, declarando entusiasmadamente seu voto.
E quem imaginava ver Márcio Garcia, Juliana Paes, o cantor brega-romântico José Augusto, o "sertanejo" Zezé di Camargo, as lésbicas Pepê & Neném e a sensual jogadora Ana Paula do vôlei apoiando Bolsonaro?
Além disso, os apoios de Luciano Huck - um "filantropo" nos moldes de Chico Xavier - e de Carlos Vereza, ator considerado um dos maiores divulgadores do "espiritismo" brasileiro, a Jair Bolsonaro, indicam que é bom "jair se acostumando" com a associação do "médium" com o ex-capitão, que, juntos, teriam sido almas gêmeas, apesar de suas simbologias parecerem antagônicas entre si.
SÉRGIO MORO MINISTRO DE BOLSONARO
O que faz os "espíritas" chorarem de medo, quando alguém lhes aponta o apoio a Jair Bolsonaro? Simples. É que, dissimulados, os "espíritas" se limitam a dizer que "só apoiam o Brasil" e oram, com "distanciada solidariedade", para o novo governante "seguir os ensinamentos do Cristo", tentando forjar uma neutralidade que sempre fez o "espiritismo" brasileiro, com seu conteúdo ultraconservador, ser apoiado por setores ingênuos das esquerdas.
E mais um complicador se deu quando o herói do "movimento espírita", o juiz Sérgio Moro, que chegou a ser declarado "enviado da espiritualidade superior", foi escolhido ministro da Justiça por Jair Bolsonaro. E Moro aceitou no ato, causando um sério problema não só entre as esquerdas, devido à perseguição que o juiz paranaense fazia contra políticos do PT, mas também entre parte dos antigos apoiadores do líder da Operação Lava Jato.
Isso complica porque desnuda a perspectiva direitista do "movimento espírita", que faz lembrar as declarações de Chico Xavier no programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em 1971, que, entre outras coisas, manifestava um apoio entusiasmado à ditadura militar - nunca época em que até Carlos Lacerda se opunha ao regime - e um anti-esquerdismo que faria os esquerdistas complacentes com o "médium" caírem da cadeira.
O falso esquerdismo que se associa a Chico Xavier se deu porque ele tinha um jeito para criticar as coisas sem ser claro. Suas supostas alusões e menções ao socialismo em seus livros parecem "favoráveis" mas são de uma oposição sutil, como foram suas declarações sobre o homossexualismo, por exemplo, as quais Chico pedia para "respeitarmos" a hoje conhecida comunidade LGBTT, mas ele um "respeito" do fenômeno como doença, tratando tais pessoas como "doentes".
Mas Chico Xavier, no Pinga Fogo, foi tão explícito no seu anti-esquerdismo que não dá para entender por que certos blogueiros de esquerda tiveram a asneira de dizer que ele era "comunista", só porque se deixou levar pelas imagens do "médium" quando idoso, cumprimentando pessoas pobres, à maneira de Luciano Huck nos seus quadros "sociais" do Caldeirão do Huck.
A perfeita sintonia de Chico Xavier - que começou de maneira arrivista, através de estranhos livros "psicográficos" cujo conteúdo trouxe fortes indícios de literatura fake - com outros arrivistas como Sérgio Moro e Jair Bolsonaro indica, ao lado do ultraconservadorismo xavieriano que pedia para os desafortunados aguentarem o sofrimento "em silêncio e sem queixumes", uma realidade que pode levar muita gente contrariada às lágrimas, mas que se comprova com a lógica dos fatos. A realidade é dura.
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