A vitória eleitoral de Jair Bolsonaro revela uma doença coletiva dos brasileiros. Um apego doentio a velhos paradigmas que vestem a capa do "novo", mas que são coisas muito antigas, apodrecidas de tão decadentes e até obsoletas.
Pessoas mais velhas estão surtando e querendo recuperar um velho padrão de sociedade conservadora de cerca de 45 anos atrás, na qual as classes dominantes viviam um pretenso equilíbrio social, com um quadro controlado de desigualdades sociais.
É essa paranoia que faz com que paradigmas que vão desde o projeto medieval da Escola Sem Partido - que não permite debater a realidade humana, mas estimula a prevalência das fantasias religiosas no entendimento da realidade - até a adoração ao "espiritismo" brasileiro e a aceitação de obras fake desde que sejam favoráveis ao ideário conservador, sejam as fake news que desmoralizam o PT, sejam as obras supostamente psicográficas de Francisco Cândido Xavier.
Há um apego tão doentio que só é sustentado hoje com uma retórica habilidosa dos mais velhos. Eles têm ideias que hoje soam mais podres do que um cadáver em decomposição, mas por enquanto conseguem convencer com uma argumentação habilidosa que traz aparência de racionalidade. É essa falsa lógica que consegue manter o status quo político e permitir que um fascista chegasse ao poder pelo voto popular.
O Brasil precisa urgentemente retrabalhar sua educação emocional. Velhas neuroses continuam. Velhos apegos se mantém desesperados, de forma a fazer com que nossa sociedade ultraconservadora, que já foi mais elegante, educada e disciplinada na defesa de seus princípios, surtasse e preferisse eleger um candidato sem propostas e exaltado por fake news, sob o pretexto infantiloide de "tirar o PT do poder".
Idiotizada, a sociedade reacionária de hoje teve até anti-petistas melhores para colocar no segundo turno. Até mesmo um insosso Álvaro Dias ficaria melhor, ou uma Marina Silva aparentemente sem carisma. Ou um Geraldo Alckmin, retrógrado e medieval, porém um pouco mais cuidadoso com as instituições e com o aparato de legalidade.
Mas não. O pessoal foi se tomar pela catarse, se deixou dominar pelos instintos e pela cegueira emotiva, de forma que nem Jesus Cristo conseguiria convencer os brasileiros a não votarem em Bolsonaro. Foi uma cegueira emotiva tamanha, que, no futuro, os orgulhosos bolsonaristas de hoje serão pessoas traumatizadas que andarão nas ruas cabisbaixas sem olharem para outrem.
Os mais velhos são os que mais se incomodam em se desapegarem de velhos paradigmas. A necessidade de, por exemplo, romper com o arrivista Chico Xavier, que mais parece uma "fada-madrinha" das gerações mais velhas, é, para muitos, tão dolorosa quanto se livrar do vício da cocaína, causando, em ambos os casos, a mesma reação de revolta e rispidez das mais agressivas.
O apego a Chico Xavier é tanto que seu legado já é definido como a versão brasileira do "canto da sereia" da famosíssima Odisseia de Homero. A imagem sedutora que envolve melodias piegas, apelos sentimentalistas de paisagens floridas e celestiais, a hipnótica figura do "médium" que, na velhice, guardava uma aparência frágil que favorecia seu coitadismo, tudo isso tornou-se um perigoso meio de sedução e dominação das pessoas.
Poucos conseguem perceber que Chico Xavier sempre foi um dos mais perigosos e deploráveis deturpadores do Espiritismo em sua história. Ele era o "inimigo interno" anunciado ainda nos tempos de Kardec, com todos os aspectos negativos já alertados com muita antecedência: textos prolixos e rebuscados (empolados), uso de nomes ilustres (famosos), apelação para ideias agradáveis para dominar as pessoas (pretextos de bondade, beleza, fraternidade, paz e solidariedade).
Até quem luta contra a deturpação que atinge o Espiritismo sente dificuldade de romper com o "canto da sereia" de Chico Xavier. A imagem dele com sorriso tristonho mantém todos na perdição, nos "pescadores" da seara religiosa que se afogam no mar de beleza, em busca dos devaneios prometidos pelas "colônias espirituais", fantasias materialistas consequentes da falta de estudos sérios sobre a vida espiritual, devido à deturpação doutrinária.
Sim, porque mesmo aqueles que buscam a fidelidade doutrinária são tentados a cair no misticismo. A "liberdade religiosa" se torna a desculpa, como a "felicidade" que conduz muitos ao vício das drogas. Mesmo um esforço para se manter rigorosamente fiel à literatura kardeciana cai, não raras vezes, na tentação traiçoeira do misticismo "pacifista" e "beneficente" do "médium" mineiro, sempre a partir de agradáveis, porém preigosamente ardilosas, mensagens sobre "paz e fraternidade".
APEGOS EMOCIONAIS CONTRADITÓRIOS
O que chama a atenção nesse coquetel confuso de emoções exageradas e baixo nível de racionalidade (restrita a apenas elaborar "ideias racionais" para convicções pessoais) é que há uma complacência com o erro, quando seu praticante é dotado de algum prestígio ou é um arrivista em ascensão, que simboliza uma suposta capacidade de "superação" e "perseverança".
Por isso é que vemos o apego a velhos paradigmas que prevalecem há 45 anos e que apenas tiveram nas redes sociais seu mecanismo de recarga e reciclagem. É um apego a velhos símbolos de disciplina, ascensão social, realização pessoal que condenam o prazer, o senso crítico, a individualidade, a soberania nacional e a liberdade de expressão. "Liberdade" só a dos instintos que contraditoriamente apelam para libertinagens e repressões.
Essa marcha-a-ré histórica que promete o presidente eleito Jair Bolsonaro é típico desse clima em que os brasileiros, invertendo uma máxima kardeciana - que aconselhava ser preferível que poucos caíssem em desgraça, em vez de uma multidão - , preferem que o país se arruíne com o projeto fascista, do que houver a decadência de personalidades como o deturpador doutrinário Chico Xavier.
O mais grave disso é que as piores neuroses não vêm da infância nem da adolescência e muito menos do começo da puberdade. Elas vêm de idades consideradas "amadurecidas", depois dos 50 anos e até mesmo na velhice. O apego doentio à imagem de Chico Xavier, que insiste em ocultar seus aspectos gravemente negativos - imagine quantos mortos ele lesou com suas obras fake e o quanto ele se autopromoveu às custas da tragédia alheia? - , é um dos aspectos mais preocupantes.
É esse apego à catarse, à emoção exagerada, ao baixo senso crítico (limita-se a contestar somente os contestadores, para o bem do establishment retrógrado que voltou à moda nos últimos anos) que faz o Brasil mergulhar no abismo em que será jogado no começo do próximo ano.
A aventura sado-masoquista de Jair Bolsonaro, o êxtase místico-religioso e mistificador por Chico Xavier, o aprisionamento da consciência humana a velhos padrões moralistas e pragmáticos que só faziam sentido nos anos 1940 e outros que só seriam compreensíveis nos anos 1970 - e fora outros conceitos que até no começo do século XX soavam antiquados - só conseguem transformar as pessoas ditas "amadurecidas" e "esclarecidas" em escravas de suas convicções.
E, além disso, vemos que esse velho pragmatismo moralista está perdendo o sentido. O fato das classes conservadoras estarem mais alucinadas e psicóticas do que antes mostra o quanto seus valores perderam a importância, e o quanto se apela para monstruosidades como a Escola Sem Partido e o rearmamento da população (que, a pretexto de se defender da violência, irá matar familiares e amigos com a menor discordância) para recuperar velhos paradigmas.
É o que muitas pessoas, nas ruas, estão denominando de "Revolta do Bolor", um termo que será muito mais falado daqui a alguns dias, por simbolizar a revolta de setores retrógrados da sociedade, muitos deles disfarçados pelo aparato moderno de jovens que, no entanto, sempre demonstraram ter ideias medievais nas redes sociais, e apenas camuflavam isso com um comportamento de suposta rebeldia e insubordinação, subordinados a velhos paradigmas que persistem, ainda que apodrecidos.
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