Façamos um raciocínio lógico. Quatro famosos feminicidas, em tese, estão na casa dos 80 anos de idade. Um empresário da construção pesada de Belo Horizonte, Roberto Lobato. Um ex-playboy e empresário de revendedora de carros, Doca Street. Um cantor brega, Lindomar Castilho. E um jornalista, Antônio Pimenta Neves.
Dois deles, Doca Street e Pimenta Neves, estão associados à masculinidade tóxica. Eram fumantes de cigarros comuns, o que já deveria ter lhes dado um risco de câncer há muito tempo. Doca consumiu cocaína e se embriagou no passado e afirmou continuar fumando cigarro comum após os 70 anos. Pimenta Neves tomou uma overdose de comprimidos e sofre de diabetes (que lhe causaram cegueira), câncer na próstata, problemas de hipertensão e provável falência múltipla dos órgãos.
Se considerarmos as leis da Natureza, podemos inferir que Doca Street já faleceu, não estando mais entre nós possivelmente entre 2017 e 2019. No entanto, a grande mídia inventou que o assassino de Ângela Diniz virou "influenciador digital", mesmo sem ter as condições físicas (doente devido à idade avançada de 81 anos em 2015) e psicológicas (desilusão com a sociedade em geral) para isso, e ignorando que quem está "bastante ativo nas redes sociais" é seu assessor de imprensa (isso é comum na alta sociedade).
Pimenta Neves também parece estar a poucos passos do túmulo, se interpretarmos com base nas leis da Natureza. Ele também não seria, a partir dos 63 anos, mais forte que o jovem ator Heath Ledger, que morreu aos 29 anos após uma ingestão acidental de remédios. E torna-se patético dizer desde 2011 que o assassino da jornalista Sandra Gomide tem "grandes chances de contrair câncer na próstata", porque, a essas alturas, se for este caso, também o próprio Pimenta já teria morrido há um bom tempo.
Apesar disso, e apesar da evidência de que fortes pressões emocionais poderiam matar os dois feminicidas, até por um infarto fulminante de um minuto - talvez pior do que aquele que matou, recentemente, o cantor e compositor Moraes Moreira - , não há um indício de que os dois feminicidas irão ser creditados em algum obituário da grande imprensa, preocupada em transformar as listas dos mortos em uma "ficha limpinha" semelhante às listas de indicados para o Prêmio Nobel.
São quatro feminicidas idosos, na casa dos 80 anos, com Lobato e Castilho sob risco de morrerem "de velhice", como se diz a respeito de causas naturais. Apesar disso, não se noticia sequer uma dança das cadeiras para tirar pelo menos um deles de cena e, no caso de Doca Street, o "brasileiro que não pode morrer" - isso apesar de outro rico feminicida, o advogado Leopoldo Heitor, ter morrido, sob tranquila cobertura midiática, aos 79 anos em 2001 - , há o risco dele ser alvo de uma cobertura surreal.
Lembrando o filme Um Morto Muito Louco (Weekend at Bernie's), a mídia, repetindo o que faz de dez em dez anos sobre Doca Street - sempre com paradeiro divulgado nos anos de final "5" ou "6" - , terá que redobrar esforços para, em 2025-2026 - quando se lembrará dos 50 anos de morte da "pantera de Minas" Ângela Diniz - , para dizer que o ex-playboy estará "vivo e bem de saúde" aos 92 anos, quando sabemos que sua masculinidade tóxica não o deixaria capaz de chegar a essa idade, mesmo a custa de tratamentos hospitalares caros no exterior, com remédios importados.
A própria versão brasileira da canção "Hey Joe", de Billy Roberts, cuja letra original é endereçada a um feminicida, o tal do Joe, tem um trecho final que diz "Também morre quem atira". As pessoas perguntam, incomodadas, por que tem tanta gente preocupada com as mortes dos feminicidas. Mas aí respondemos: o pior é ver pessoas incomodadas na hipótese de que feminicidas também morrem um dia, por conta do que eles fazem com sua saúde física e psicológica (esta com efeitos drásticos no organismo).
NECROPOLÍTICA
E por que a imprensa não tem coragem para noticiar a tragédia dos próprios feminicidas? Que interesse há, por outro lado, em colocar Doca Street, nascido nos anos 1930, aristocrata padrão anos 1970 e indivíduo de formação pré-Internet, aos 81 anos em 2015, ao lado de influenciadores jovens como Whindersson Nunes e Felipe Neto, que já tiveram problemas de depressão enfrentando haters? Seriam fake news ou falta de sutileza do repórter de O Globo quanto à atuação de ghost writers em nossas elites empresariais?
Será vender a imagem de Doca como um machista "velho sarado", se não "forte como um touro" mas ao menos "minimamente saudável"? Será investir na fantasia antropofágica que, num contexto moderno, faz os feminicidas, em tese, terem vida mais longa que a normal, porque roubam e somam para si o tempo restante de vida que suas mulheres-vítimas não puderam ter, sugerindo que seus assassinos tivessem o dobro da expectativa de vida do brasileiro médio (na verdade, um feminicida só tem, no máximo, 80% dessa expectativa de vida)?
Ou seria um moralismo religioso neurótico, já marcado por crenças terraplanistas mil, que ignora as leis da Natureza ao supor que feminicidas que destroem sua saúde nunca teriam o risco de morrerem de um câncer ou infarto porque "precisam de mais tempo para limparem seu nome na praça"?
Acreditamos que não. Até porque o risco da notícia do falecimento de um feminicida famoso de despertar neuroses humanas diversas é bem menor do que noticiar a morte de um petista, num contexto de reacionarismo social em que vivemos. O falecimento de um feminicida até lacra, ainda que fosse, talvez em breve, um Marcelo Bauer hoje gordo e velho, 33 anos após esfaquear sua namorada até a morte e fugir para a Europa, mas a repercussão seria menor.
O que acreditamos é que o feminicídio, no qual um assassinato acaba, por sua repercussão, inspirando a ocorrência de uma centena de outros, é remanscente desse método "Rei Herodes" de dizimar a população. Dizem que ele mandava matar crianças para evitar surgir um novo missionário, mas a verdade é que isso era um método brutal e sanguinário de controlar a população.
A sociedade brasileira mais cruel e obscurantista, que promoveu golpes políticos sucessivos aos níveis da tragédia de Franz Kafka, aposta naquilo que os cientistas políticos chamam de "necropolítica", uma espécie de "política social" na qual se decide quem deve viver ou morrer e, em certos casos, a justificar a defesa de genocídios para a redução populacional. A "necropolítica" é motivada sobretudo por objetivos econômicos ou de "higienização social".
O caso pioneiro de "necropolítica" seria o massacre promovido por Adolf Hitler, na Alemanha nazista. Mas podemos também mencionar o caso dos doentes e miseráveis da Índia que, acolhidos por uma estranha Madre Teresa de Calcutá - protegida por um verniz de religiosidade e moralidade bastante falsos - , morreram ao serem deixados sob tratamentos desumanos.
No Brasil, a necropolítica seria uma novidade, mas ela já ocorre desde os anos 1970 - e, talvez até antes, nos anos 1960, se verificarmos a imprensa policial - , de maneira sistemática durante a ditadura militar, na qual os extermínios de mulheres e homens trabalhadores (como camponeses e operários, em parte líderes sindicais) eram uma forma oculta de "controlar" o crescimento da população.
No caso das mortes no campo, também se oculta o fato de que o mandante do assassinato do seringueiro e ativista Chico Mendes, o fazendeiro Darly Alves, é um doente grave, a julgar pela sua aparência frágil e envelhecida, e pelas constantes notícias de sérias crises de úlcera ou talvez de algo pior. Mas a utopia do "alpinismo moral" (forma distorcida de misericórdia humana que investem na evolução social artificial e tendenciosa de um algoz) impede que se diga, também, que Darly pode um dia deixar esse planeta.
As antigas mortes de assassinos conhecidos, como de Leopoldo Heitor ou do jovem Cássio - que teria empurrado a jovem Aída Cúri para a morte, caindo de um edifício de Copacabana, em 1958 - , foram noticiadas pela mídia porque tais homicidas, mesmo cometendo feminicídio (termo inexistente na época, virada dos anos 1950 para os 1960), não eram representados sob a bandeira patriarcalista da "defesa da honra", que se encaixava nos padrões moralistas da ditadura militar.
Há o disparate entre as notícias de Manchete de janeiro de 1977, quando amigos de Doca Street, preocupados com seu tabagismo, temiam por sua saúde - e lembremos que o assassino de Ângela Diniz consumiu os mesmos cigarros, com doses pesadas de nicotina e outros venenos, que já mataram centenas de famosos que estavam em evidência nos anos 1970 - , e a matéria de O Globo de outubro de 2015 que tentou colocar o machista na lista dos "mais novos influenciadores digitais".
Isso se deve porque Manchete investia no jornalismo de verdade, sem terraplanismos de uma imprensa que, em parte, se formou a partir dos mecanismos ideológicos da ditadura militar e de um longo tempo em que, ao lado dos assassinatos sistemáticos de operários, camponeses, sem-teto e até moradores de rua, os feminicídios passaram a estar na pauta necropolítica antecipando Herodes, que matava os filhos já nascidos, enquanto os feminicidas hoje se apressam a matar as futuras mães.
As atrofiações moralistas de uma sociedade brasileira predominantemente conservadora, que, se está longe de voltar a admitir que a Terra é plana, ao menos considera a Covid-19 como "gripezinha", fazem com que feminicidas que fumem até seus pulmões não aguentarem mais vivam acima do esperado, só faltando virarem "musos fitness da terceira idade". O moralismo religioso esconde as piores neuroses, e nossa imprensa precisa resolver essa colaboração sutil com a necropolítica.
Esconder as tragédias dos feminicidas só faz com que mais mulheres inocentes sejam mortas, e a crueldade, embora repudiada, se reproduzisse como um ciclo vicioso no qual os feminicidas mais famosos estimulam as ações semelhantes de outros menos badalados. Se talvez ensinássemos que a ninguém se permite matar outrem, porque o assassino também morrerá um dia, pode ser que muitos crimes de morte sejam evitados, prevenindo das pressões que também levam os matadores ao caminho antecipado do túmulo. Também morre quem atira.
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