No Brasil, as autoridades não promovem a padronização visual dos ônibus por motivos fraternos e porque as diferentes empresas de ônibus "são irmãs" a serviço de Nosso Senhor Jesus Cristo. O buraco é mais embaixo e, além de acobertar a corrupção político-empresarial, partidarizar o transporte coletivo (os governantes acabam sendo "eleitos" pelos empresários de ônibus, usando a mobilidade urbana como álibi para o cabresto eleitoral), serve de marketing para governantes incompetentes.
Afinal, esses governantes não investem em Saúde e Educação, pouco fazem para a população pobre, e apenas investem em simulacros de "grandes projetos", de "medidas em favor da população carente", verdadeiras conversas para boi dormir que atendem mais a interesses que envolvem especulação imobiliária e outras tramoias por trás do discurso sempre mirabolante do superprefeito e do supergovernador que adotam esse papo mentiroso.
Eles precisam botar seus logotipos nos ônibus, que carregam, com tendenciosa ênfase, a expressão "Prefeitura de Cidade Tal" ou "Governo do Estado Tal", e, embora falem que a pintura padronizada combate a "poluição visual" (um argumento tão hipócrita quanto discriminatório à diversidade, sugerindo um "racismo" semiótico camuflado pelo tema das pinturas nos ônibus), é justamente poluir os ônibus com muita "informação" que as autoridades acabam fazendo.
O número do carro é uma sopa de letrinhas e algarismos. Parecem aqueles códigos alfanuméricos dos arquivos do Pinterest e do Facebook. Deixa qualquer um com a cuca fundindo, exceto os busólogos de Neanderthal (com as mentes voltadas para antes da invenção da roda) que xingam os outros de "seu m****" e adoram a pintura padronizada porque dá para brincar de joguinho com seus pares, nas redes sociais.
E aí tem o nome do consórcio, o logotipo da Secretaria de Transportes, da autarquia associada (em tese) à mobilidade urbana, do sindicato patronal de empresários de ônibus, do tipo de ônibus usado (se é piso baixo ou biarticulado, já tem logotipo específico) etc. Os pichadores das ruas até ficam perguntando: "Puxa, se a gente é impedida de ficar fazendo pichações, porque nos ônibus há tanta pichação?".
Em qualquer cidade, o pesadelo dos ônibus padronizados e sua defesa obsessiva das autoridades - que nem sabem o que estão falando com tanto tecniquês falado em prol dos "ônibus iguaizinhos" - faz com que as pessoas comuns, que precisam pagar as inúmeras contas mensais que recebem, sejam obrigadas ainda a diferir uma empresa de ônibus de outra, porque, muitas vezes, pegar o ônibus errado é uma catástrofe.
Só os busólogos de Neanderthal, crentes na "mobilidade urbana da pedra lascada", é que acreditam que isso não traz problemas. Não são eles que pagam as contas - quando trabalham, têm office boys para cumprir a tarefa - e eles nem andam de ônibus, porque veem os veículos por fora. Eles ignoram que tem gente que tem correria danada pelas ruas, pagando contas num banco e depois tendo que ir a outro, indo de um bairro para outro, de uma rua para outra. Usar Bilhete Único para pegar mais de um ônibus nem sempre resolve os problemas.
Tem gente estudando para concurso público, não suportando tanta carga de conhecimento para decorar na mente, e ainda tem que diferir a empresa de ônibus desejada de uma outra. E se pegar o ônibus errado, perde a prova, porque mesmo com o Bilhete Único pagando uma passagem para dois ônibus, a pessoa já teve o seu prejuízo, coisa que os trogloditas da busologia bolsonarista não conseguem perceber e, quando esclarecidos, ainda xingam... de "seu m****".
Sob o véu da pintura padronizada, os sistemas de ônibus decaem assustadoramente, os veículos apenas são limpinhos, mas são velhos e sucateados por dentro. Há carros de mais de 50 anos em circulação, mas eles são reencarroçados, com aparato de ônibus novos, mas chassis do tempo da vovó. Prometem superônibus com aparência de foguete, articulados, chassis da Suécia, ar condicionado, Wi-Fi etc, mas esses superônibus só duram uns três anos e são substituídos pelos "cabritos", termo usado para definir os ônibus convencionais com "chassis de caminhão".
E o pior é que, em Florianópolis, Belo Horizonte, Goiânia e Recife os ônibus têm pinturas que lembram viatura policial, seja polícia militar (BH), seja polícia comunitária (as demais). Em Niterói, Cuiabá, Nova Iguaçu, Cabo Frio, Teresópolis, Vitória e São Gonçalo eles têm pintura que lembra embalagem de goma de mascar.
Quando prevaleceram os ônibus padronizados na cidade do Rio de Janeiro (quando passaram a atuar os busólogos de Neanderthal, difamando outros busólogos que não praticavam trogloditismo digital), o visual era de remédio Buscopan, maravilhoso para os "padronizetes" (adeptos da pintura padronizada), só com o pequeno problema, para eles, de não usar um design mais próximo da embalagem do Rivotril.
E como citamos Florianópolis, recebemos a mensagem de Márcio Fernandes Lutz, de São José, cidade vizinha, reclamando dos ônibus padronizados que só estão de acordo porque a capital catarinense é reduto do bolsonarismo.
"Aqui em São José, como lá em Joinville e Blumenau, só tem ônibus igualzinho. Você tem que ficar esperto, porque senão pega o ônibus errado e, se for de noite, pode saltar do ônibus com um ladrão, traficante ou miliciano pronto para lhe matar. Mas aí botaram a padronização visual em Florianópolis, com o nome hipócrita de Consórcio Fênix, porque isso não tem a ver com renascer das cinzas mas se queimar todo, só repintando as cores num só padrão para confundir os passageiros. Para quem anda de carro, é ótimo, o pessoal que defende tudo isso nas redes sociais não anda de ônibus!
Mas o povão que pega ônibus sem saber se a empresa é Canasvieiras, Emflotur ou Transol, que precisa ver o letreiro de ônibus para não embarcar numa viagem furada, esse pessoal sofre. A gente tem que pagar as contas nos bancos, pagar a conta certa porque, se pagar a conta errada, perde o dinheiro e dá uma trabalheira para resgatar tudo na Justiça.
O pessoal que estuda para serviço público, então, sofre mais ainda. Precisa memorizar a tonelada de conhecimentos do programa de estudos, ter, durante alguns meses, o saber de um superjurista e de um grande matemático juntos, e ainda escrever direito uma redação, é tanta coisa para estudar que a pessoa fica louca. E ainda tem que pegar um ônibus que já demora para vir, e quando vem pode ser o ônibus errado, mas que exibe as mesmas cores do ônibus certo, e se a pessoa pega o ônibus errado, adeus concurso. E não tem Bilhete Único que resolva, porque a passagem não foi gasta, mas a prova foi perdida e a chance de emprego, também.
É certo que devolver as identidades visuais das empresas de ônibus não vai resolver muita coisa, mas ela elimina muitas dificuldades. Com cada empresa mostrando sua pintura, a gente pode identificar o ônibus que vai pegar e pode também identificar a empresa que mostra mau serviço, que na pintura padronizada se esconde sob as mesmas cores de empresas com serviço mais razoável".
Uma reportagem de Carta Capital mostra que a capital catarinense, oficialmente considerada uma das capitais do país "com maior Índice de Desenvolvimento Humano", apresenta não só um sério problema de favelização, como aponta uma mentalidade direitista, bem no espírito do bolsonarismo - antes de sua atitude politicamente correta de propostas assistencialistas como Renda Brasil - , de querer expulsar o povo pobre das favelas sem lhes dar uma moradia digna com qualidade de vida.
Aliás, a mentalidade elitista veio também no Rio de Janeiro de Eduardo Paes que, depois dos ônibus padronizados, quis extinguir as linhas de ônibus da Zona Norte para a Zona Sul, forçando a baldeação dos passageiros - como se o Bilhete Único fosse um brinquedo - e dando, a uma gigante demanda de banhistas pobres, um débil consolo de criar uma praia artificial de Madureira, com um horário limitado como o de um parque público, das nove da manhã às dez da noite. Era uma maneira de Eduardo Paes se passar por bom moço, evitando o povo de ir para os bairros da Zona Sul.
Sim, é o Eduardo Paes que setores das esquerdas tentam apoiar, timidamente, se esquecendo que ele não é mais do que um sub-Luciano Huck no estilo de linguagem e na mentalidade falsamente desenvolvimentista, não muito diferente de qualquer bolsonarista, a não ser pelo fato de evitar uma retórica raivosa e promover uma falsa interação social, andando de skate, aparecendo ao lado de pobres etc.
Eduardo Paes, queridinho de parte das esquerdas apesar do seu perfil direitista e de estar no partido de Rodrigo Maia, o DEM, expulsou moradores de favelas e casas populares, dando apenas a uma pequena parte deles um aluguel social que mal dá para alugar uma latrina, e destruiu conjuntos habitacionais e áreas de proteção ambiental para colocar lá edifícios olímpicos que hoje estão abandonados, sem a menor serventia social. Tudo por grandiloquência e demagogia.
Em Florianópolis, o grupo ND (Notícias do Dia), filiado à Record TV, iniciou uma campanha para expulsar os favelados e destruir as favelas, deixando o povo pobre ao léu e pensando apenas numa "cidade inteligente" para beneficiar os ricos.
E aí vemos que o papo furado de "poluição visual" no caso dos ônibus de visual diversificado revela uma bomba semiótica: a projeção discriminatória. Ou seja, assim como rejeitar fenômenos culturais antigos, que camuflam a discriminação social contra os idosos através de uma discriminação simbólica, a desculpa da "poluição visual" mascara o racismo e promove a padronização social a partir do exemplo simbólico das empresas de ônibus terem que usar uma mesma pintura.
Em certos casos, não o de Florianópolis - onde apenas UMA PINTURA define o visual das diferentes empresas de ônibus municipais - , divide-se os ônibus em zonas de bairros, como prevaleceu no Rio de Janeiro na década passada, criando assim um apartheid simbólico, na projeção discriminatória de transferir o racismo para o aspecto simbólico do transporte coletivo. Assim, as cores adotadas para linhas suburbanas já definem a discriminação subliminar ao povo pobre.
Em outras palavras, a projeção discriminatória transfere a discriminação social para simbologias no sentido de evitar que atinjam pessoas ou grupos sociais.
O próprio aparato da "igualização" no visual das empresas de ônibus têm um caráter higienista. Pois, contrapondo à ideia de "poluição visual", as autoridades ensaiam seu higienismo nas empresas de ônibus, criando um visual supostamente harmonioso, mas que complica a vida dos cidadãos, com tanto ônibus igualzinho que desnorteia as mentes de quem tem as mentes sobrecarregadas em compromissos pessoais.
Gente que está ocupada demais para ir à faculdade para estudar e até fazer seminários nas matérias cursadas, para pagar as contas que acumulam em suas mãos, e nem todas num mesmo banco ou agência de banco, que precisa estudar para concurso, trabalhar nas suas profissões e tudo o mais, mas que só no caso de ir e vir, precisa prestar atenção na diferença da empresa A com as empresas B e C, porque tudo está igual visualmente e confunde os cidadãos.
Quem é pobre, então, sofre mais ainda, porque está sujeito a essa dificuldade de discernimento, mas enfrentando ônibus superlotados, dentro de um sistema que, na capital catarinense, está demorando demais a renovar as frotas de ônibus, pois num sistema de ônibus padronizados e poder centralizado dos secretários municipais ou estaduais de Transportes, a renovação se torna mais burocratizada e só é autorizada quando atende à propaganda política das autoridades envolvidas. Daí que leva tempo para as empresas visualmente padronizadas se livrarem de carros velhos, não raro já desgastados.
A Florianópolis dos ônibus padronizados, como em outras cidades que adotam esse apartheid simbólico sobre rodas, "higienizando" visualmente as empresas de ônibus - até para tornar iguaizinhas para dificultar o reconhecimento popular da empresa que presta mau serviço ou está envolvida em corrupção - , é a mesma que ignora que as favelas existem porque o povo pobre foi expulso das residências dignas, por conta do aluguel caríssimo que nem o trabalho precarizado consegue arcar.
Além disso, essa "mobilidade urbana" da "higienização" visual dos ônibus apenas antecipa uma "higienização" ainda pior, deixando negros e mestiços, ou mesmo brancos pobres, sob os riscos de suas tragédias pessoais, enquanto a "boa sociedade" sonha com uma paisagem do jogo The Sims, bonitinha, padronizada, "limpinha" e feita para inglês e cidadão de Barcelona ver. Os ônibus padronizados servem de lona para o espetáculo trágico que, em vários aspectos, que ameaça o povo pobre e as classes trabalhadoras.
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