No filme distópico sul-coreano Parasita (Gisaengchung), de 2019, uma família em processo de empobrecimento, os Kims, trama uma ascensão social na casa de uma família rica, os Parks, expulsando seus empregados e substituindo-os. Entre os expulsos, estava uma governanta, Moon-kwang, demitida por conta de uma grave alergia.
Só que Moon retorna para a casa dos Park, para buscar o marido Geun-sae, foragido para evitar agiotas. Geun teria sido sócio de negócios do Sr. Park, patriarca da rica família e poderoso empresário. Com o retorno dos Park de um acampamento, muitas reviravoltas acontecem. Dias depois, quando ocorre uma festa, Geun-sae sai do seu esconderijo, fere gravemente o protagonista Ki-woo, o jovem da família Kim, e, vingativo, esfaqueia mortalmente a irmã do rapaz, Ki-Jeong.
Crônica dos tempos distópicos dos últimos anos, em que as elites dominantes do poder econômico reivindicam a recuperação ou a preservação de seus privilégios, Parasita chama a atenção por esse ato de Geun-sae, o "escorraçado" que reaparece para o acerto de contas durante uma festa infantil. E isso diz muito para um Brasil que não aceita admitir sua tragédia distópica, quando até as esquerdas parecem querer voltar para 2002, tempos de alianças fisiológicas para fins pragmáticos.
Diante do silêncio sepulcral das esquerdas "namastê" e das esquerdas "nem tão namastê assim" em relação ao direitismo de Francisco Cândido Xavier, que faz Carlos Vereza parecer um acanhado principiante, o "médium" é defendido por esquerdistas sob a mesma desculpa de "nem direita nem esquerda" que os bolsonaristas usam para seus fins, como se "não fosse ideológico" defender, sob o verniz da religião, a conformação com a própria desgraça e com a servidão no trabalho precário, presente nas pregações medievais e reacionárias do "bom homem".
Há apenas um silêncio omisso e consentidor, do tipo "vocês pensem o que quiserem" ou "estou me lixando se Chico Xavier é ou não de direita", que chega mesmo a subjugar os jornalistas investigativos, que quando veem nas pautas que o alvo da investigação seria o "médium", simplesmente se recusam a fazer o trabalho, entorpecidos com a imagem glamourizada do dito "carteiro de Deus".
Aí nos lembramos de Amauri Xavier, um daqueles que foram derrubados no caminho para garantir a ascensão vertiginosa de Chico Xavier. Muitos se encantam com as narrativas oficiais a respeito dele, mesmo aqueles que deveriam manifestar algum ceticismo e algum senso crítico, por demonstrarem esse desempenho em outros assuntos, porque o "método Malcolm Muggeridge" funcionou e Chico Xavier é uma espécie de "Aécio Neves que deu certo" - não bastasse o amor recíproco entre "médium" e tucano, manifesto no fim da vida do religioso - , blindado até a menor das ossadas.
"Tem que ser uma boa história", recomendava Luciano Huck a quem narrasse uma experiência para o quadro Lata Velha do Caldeirão do Huck. Pelo jeito Huck viu na vida de Chico Xavier uma "boa história", ao ir ao cinema e ver, com sua espoa Angélica, o filme biográfico dramatizado do "médium", em 2010. E quando mal os mineiros sabem da existência da cidade de Pedro Leopoldo (pensam ser uma cidade perdida na fronteira com Goiás, quando ela é um recanto semi-rural da Grande Belo Horizonte), uma das edições do Lata Velha foi realizada na terra natal do "bondoso médium".
Como monopoliza a narrativa "padrão Muggeridge" que transforma Chico Xavier numa "fada-madrinha do mundo real", sempre envolto em atribuições agradáveis enquanto os episódios negativos sempre são da "culpa de terceiros", como num conto maniqueísta, não sabemos o quanto o "bondoso médium" puxou o tapete alheio para se dar bem na vida. Como a vida de Chico Xavier "começa" no Globo Repórter de 1978 e nas "cartinhas mediúnicas" (fake), todos os aspectos mais sombrios de sua vida são postos para... debaixo do tapete. Só que o tapete do "médium".
Dentro do Brasil que vivemos hoje, sob um Jair Bolsonaro que parece estar abençoado por Chico Xavier, porque não há circunstância que possa derrubar o presidente - já "atingido" por denúncias de "laranjal" miliciano, pelo coronavírus, por escândalos arrepiantes, pelos descasos com a Amazônia e o Pantanal e, recentemente, pela alta do arroz - , temos também caso de estupro contra a influenciadora digital Mariana Ferrer.
Ela estava se divertindo na casa noturna Café de La Musique, em Jurerê Internacional, Florianópolis, quando foi assediada e depois drogada pelo rico empresário André de Camargo Aranha, figurão do marketing esportivo. Apesar das provas coletadas, o juiz catarinense Rudson Marcos parece ter "incorporado" o lendário jurista carioca João Frederico Mourão Russell (que passou pano em Chico Xavier no processo do caso Humberto de Campos) ao dizer que o caso é "improcedente", absolvendo o acusado, que agora está livre, leve e solto para assediar qualquer "mina".
As provas envolveram imagens de câmeras internas, marcas de contato corporal e de esperma na roupa íntima da jovem, além de conversas. O juiz julgou as provas "conflituosas", aqui lembrando, no caso, o Alexandre Caroli Rocha, que passou pano no caso Humberto de Campos achando que o caso depende de procedimentos que o próprio "movimento espírita" não realiza, como estudar a comunicação com os mortos e como é realmente a vida espiritual.
Para quem não sabe, Caroli Rocha deu um tiro no pé, porque ele se contradisse. Afinal, os partidários de Chico Xavier consideram que os dois "problemas" já estão resolvidos, a "comunicação com os mortos" e a "vida espiritual", neste caso narrada em Nosso Lar.
Querendo bancar o "isentão", Caroli Rocha disse que essas duas atribuições "ainda dependiam de estudos". Uma grande covardia. O que ele queria é evitar que se contestasse a obra "mediúnica" creditada a Humberto de Campos, que sabemos ser uma grande e vergonhosa farsa, por não estarem à altura do que o autor maranhense nos deixou em vida.
COMO AMAURI XAVIER "RETORNARÁ" PARA ACERTO DE CONTAS COM O "ESPIRITISMO" BRASILEIRO?
A ascensão de Chico Xavier se deu de arrivismo em arrivismo. Produziu sensacionalismo com obras literárias fake, pioneiras na literatura fraudulenta que mesmo Suely Caldas Schubert e Ana Lorym Soares, mesmo sem querer, acabaram admitindo, detalhando, sem querer, as práticas desonestas que envolveram não só os dirigentes "espíritas", que mexiam nas "psicografias" já depois de publicadas, mas sob o apoio mais explícito, mais entusiasmado e até colaborador do próprio "médium"!
Isso irritou os meios literários, com muita razão, que apontaram problemas nas obras "mediúnicas". Uma leitura simples veria, por exemplo, em Parnaso de Além-Túmulo, que os nomes de Olavo Bilac e Auta de Souza "perderam" seus estilos poéticos peculiares, passando a "escrever", do "além-túmulo", com o estilo pessoal de Chico Xavier. Mil teorias tentam legitimar essa falha com mil relativizações, em vão. O que se observa é que as obras são fake, mesmo. Fakes de Cristo, fakes do bem, mas fakes de qualquer maneira, o que é uma desonestidade, o que deixaria Jesus Cristo indignado.
No entanto, os críticos literários foram demonizados como pretensos "pilatos" a fazer julgamento contra um "homem de bem". Grande terraplanismo religioso! E Antônio Wantuil de Freitas ainda fez despacho de macumba, conforme denunciam alguns bons samaritanos, e o livro bombástico que Osório Borba prometeu lançar nunca foi lançado e o fundamental livro de jornalismo investigativo de Attila Paes Barreto, O Enigma Chico Xavier Posto à Clara Luz do Dia, de 1944, caiu no esquecimento.
A esperteza de Chico Xavier aliada ao estrategismo de Wantuil de Freitas fizeram com que obstáculos fossem derrubados conforme as circunstâncias, de vez em quando apelando para uma armadilha linguística chamada "bombardeio de amor", o mais traiçoeiro truque de seduzir e dominar trouxas por um variado simulacro de beleza e afetividade profundas.
Chico Xavier obteve a impunidade através do covarde juiz Mourão Russell - não muito diferente do que hoje agem nomes como Deltan Dallagnol, Sérgio Moro, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Carmen Lúcia, Marcelo Bretas e Dias Toffoli - , a Federação "Espírita" Brasileira jogou Attila Paes Barreto no limbo (espécie de "depósito de lixo" no qual há muito repousava o "Sr. T", Ângelo Torterolli, o pioneiro no combate à deturpação espírita), e, anos depois, ainda assediou Humberto de Campos Filho.
Humberto Filho, aliás, de um elegante cético que firmemente não acreditava que as "psicografias" eram realmente do seu falecido pai do mesmo nome, se rebaixou a um idiota em 1957, chorando feito um bebê abraçado a um esperto Chico Xavier, que armou um falsete para enganar ainda mais o sujeito, que, abobalhado, ainda foi fazer sopinhas e ver amostras de Assistencialismo não muito diferentes da "caridade" que hoje Luciano Huck faz no Brasil e, no exterior, Bill Gates e Elon Musk.
E quando o caminho de Chico Xavier estava sob céu de brigadeiro, afastando a família Campos de continuar processando o "médium" pela usurpação da memória de Humberto de Campos, eis que veio Amauri Xavier afirmando que o que o tio fazia era uma fraude, que as obras "psicográficas" eram plágios grosseiros, vindos da imaginação fértil do "carteiro de Deus".
Só que, uma vez divulgadas as denúncias, primeiro no Diário de Minas, depois na revista Manchete - incluindo a gravíssima notícia das ameaças de morte que o "meio espírita" (supostamente incapaz de desejar mal ao pior inimigo) fez contra Amauri - , o jovem sobrinho de Chico Xavier foi alvo de uma campanha de difamação violenta, feita não só por adeptos (como um delegado de polícia, amigo do "bondoso médium", exibindo uma fúria que hoje seria definida como "bolsonarista") mas pelos próprios "espíritas", tidos como "incapazes de manifestar um milésimo de segundo de rancor ao próximo).
Calúnias foram feitas contra Amauri Xavier, apedrejado pelos próprios "espíritas" que ainda se autoproclamam "imperfeitos e pecadores", e inventou-se que ele invadia casas pulando os muros e falsificava dinheiro. Ele foi acusado por supostamente ter rasurado uma nota de dinheiro tentando adulterar o valor da quantia. Foi esta mesma lorota que, há uns meses atrás, um policial nos EUA, que saiu impune, enforcou o inocente negro George Floyd, um caso que provocou uma grande revolta mundial, refletindo no nosso país.
Amauri foi internado num sanatório "espírita", onde teria sofrido maus tratos, tamanho o ódio que ele provocou entre os "espíritas". Em 1961, Amauri acabou sendo expulso, pelo seu comportamento difícil. Um sujeito do "meio espírita" se fez de amigo do jovem rapaz e, aproveitando do vício de Amauri por bebida alcoólica, teria chamado ele para "tomar umas" e, aproveitando sua distração, colocou um veneno na bebida dele, o que fez ele morrer, pouco depois, de hepatite tóxica.
Chico Xavier ainda se envolveu, entre 1963 e 1964, com Otília Diogo e suas fraudes de materialização, depois desmascaradas em 1970. Chico Xavier não foi considerado cúmplice, e as revelações sobre essa cumplicidade só foram divulgadas tardiamente, por acidente, como que num "fogo amigo", por Nedyr Mendes da Rocha no livro O Fotógrafo dos Espíritos, em 1979. O "médium" parecia entusiasmado e estar acompanhando todo o processo fraudulento.
No programa Pinga Fogo da TV Tupi, Chico Xavier defendeu a ditadura militar com um radicalismo próprio dos reacionários extremos, parecendo até sentir raiva de João Goulart como se estivesse, ainda, em 1964 (as declarações foram em 1971). Defendeu a ditadura militar num momento de repressão radical e extrema, e o "bondoso médium" exaltou o AI-5 como medida para "combater o caos" (eufemismo dado pela direita, na época, para classificar os que se opunham à ditadura).
Para piorar mais as coisas, Chico Xavier foi condecorado pela Escola Superior de Guerra, em passagem revelada por outro "fogo amigo", do simpatizante "leigo" Marcel Souto Maior, com base em matérias da Veja e Última Hora (a essas alturas um "puxadinho" da Folha de São Paulo), em 1972. A ESG lhe deu espaço para palestras e condecorações.
Alguém em sã consciência acharia que, num momento daqueles, de radicalização da ditadura, Chico Xavier não seria colaborador do poder ditatorial se a ESG lhe tivesse concedido prêmios e espaço para palestras? Se houve essa homenagem, deixemos de enrolação: Chico Xavier FOI MESMO COLABORADOR DA DITADURA MILITAR. Senão, essa homenagem que os opressores deram a um pretenso humanista nunca teria acontecido.
A revista Realidade havia, em 1971, também desmascarado Chico Xavier, tanto pelo trote montado pelo jornalista José Hamilton Ribeiro (depois conhecido como repórter do Globo Rural), que incluiu a esposa idosa de um dirigente "espírita" de Curitiba, internada por grave doença, dada precipitadamente como morta. Suposta psicografia atribuída a ela foi divulgada, mas ela estava viva. O fato dela morrer horas depois não legitima a fraude, até porque, com o falecimento, ela ainda teria que se acostumar com o além-túmulo, não teria a pressa de correr para deixar mensagem por intermédio de Chico Xavier!
Houve também um cidadão fictício que Zé Hamilton pediu para Chico Xavier "psicografar" e ele "psicografou". Só que o cidadão nunca existiu. E ainda houve a divulgação de um exame médico pelo qual soubemos que o suposto dom que fez o festejado Chico Xavier ser considerado "o maior médium do Brasil" nunca passou de perturbações mentais que produziram alucinações.
Com tantas irregularidades, que faziam, num país menos ingênuo, que Chico Xavier fosse desmascarado por definitivo e tornado ABSOLUTAMENTE INAPROVEITÁVEL em qualquer vírgula impressa ou dita em sua obra doutrinária, os brasileiros, tomados de fascinação obsessiva, passaram mão em todo detalhe da vida e trajetória de Chico Xavier, relativizado ao gosto das fantasias de qualquer um. Uma atitude que parece linda, mas não é, e, sim, uma atitude covarde e vexaminosa.
Quando se põe em xeque o mito de Chico Xavier, desqualificando de maneira dura e firme, estamos levando como base os ensinamentos nem sempre agradáveis da Codificação. Estamos seguindo o próprio Allan Kardec, quando disse "O que a Lógica e o Bom Senso reprovam, rejeitai corajosamente", e mensageiros como Erasto: "É mais fácil rejeitar dez verdades do que aceitar uma única mentira".
E aí notamos o quanto o juiz Rudson Marcos, não sabemos de que religião mas que parece parodiar a máxima erastiana para inocentar um rico estuprador, agiria se ele fosse "espírita" e acusasse Mariana Ferrer de "cumprir dívidas morais" com André de Camargo Aranha. Por sorte é que não temos bolsonaristas claramente "espíritas" e, oficialmente, se subestima a postura bolsonarista no "movimento espírita", apesar das afinidades no caminho arrivista de Chico Xavier e Jair Bolsonaro.
Em todo caso, a Verdade não tem donos. Muitos tratam Chico Xavier como o "senhor da Verdade", mesmo que tentem desmentir as posses da verdade absoluta, no discurso. Um pretenso "dono da Verdade" que escraviza a Lógica e a Razão, só as aceitando quando não ameaçam os dogmas religiosos trazidos ou associados ao "médium", e, quando ameaçam, são acusadas, pela cegueira das paixões religiosas, de "intolerância" e "criminalização do trabalho do bem".
Quer dizer, produzir fakes do bem, praticar Assistencialismo fajuto, fazer apologia da desgraça humana em obra doutrinária e exaltar e ser homenageado por opressores, tudo "sem ideologias", pode, né? Se pelo menos as esquerdas rejeitassem essa postura, seria um ganho para o Brasil, com as forças progressistas se desapegando das paixões religiosas.
Mas em todo caso, a Verdade sempre vem, e um Amauri Xavier escorraçado como um Geun-sae da "seara espírita", tende a "retornar" em plena festa do "espiritismo" brasileiro, no momento em que esta religião se aproveita da ruína de neopentecostais e católicos de direita para se tornar a "terceira via" da fé brasileira.
Amauri "voltará" através de novas revelações sobre os podres de Chico Xavier que a cegueira emotiva de simpatizantes, seguidores e fanáticos. Ninguém deveria conquistar o sucesso da vida puxando o tapete dos outros e Chico Xavier se ascendeu puxando o tapete daqueles que lhe atrapalhavam o caminho, de gente íntegra como Attila Paes Barreto até a farsante Otília Diogo, passando pelo atormentado Amauri Xavier. E se ninguém é dono da Verdade, muito menos assim seria um mistificador traiçoeiro como Chico Xavier.
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