Em tempos de pandemia, o Rio de Janeiro tenta ser a "vedete" das capitais brasileiras, mas é tudo em vão. Com uma sociedade decadente, mais preocupada em rir das pequenas gafes de outras pessoas e mais preocupada com o futebol local do que com os próprios problemas da sua região metropolitana, o Rio que presenteou o golpe de 2016 nunca aprendeu, querendo ser a mesma pasmaceira dos últimos anos.
Gente gritando nas altas horas da noite a cada gol de um time de futebol carioca. Gente humilhando quem anda de jeito esquisito ou comete um escorregão de repente. Gente fumando cheia e si e achando que não vai morrer cedo, só porque conseguiu sobreviver no dia seguinte. Gente que só percebe seus problemas quando os sente na própria carne.
É o Rio de Janeiro que tentou padronizar as empresas de ônibus - pesadelo ainda existente em cidades como Niterói, São Gonçalo, Nova Iguaçu, Araruama, Teresópolis e Campos dos Goytacazes, entre outras - sob a patrulha dos "busólogos de Neanderthal", que falam em BRT mas pensam e agem como se ainda vivessem antes da invenção da roda.
É o Rio de Janeiro que tentou vender o "funk" como suposta vanguarda cultural, como contraponto à "careta" (sic) Bossa Nova. E que vende a fraquíssima Rádio Cidade, que se consagrou como rádio pop, como uma pretensa "rádio rock", presa numa jaqueta de couro que virou uma camisa de força, e para piorar com o papo de que "será assim hoje e sempre". E isso com os tais "sertanejos" e "pagodeiros" monopolizando uma pseudo-cultura popularesca, para completar a indigência cultural de um Rio que antes respirava cultura em tudo quanto era lugar.
Diz o meu amigo do Leblon, sobre a Rádio Cidade: "A rádio é muito perdida no rock. A rádio só toca sucessos, hit-parade. De bandas, nada além dos mesmos grupos de grunge, rock australiano, nu metal e poser que rolam na programação junto com os clones de Raimundos, Charlie Brown Jr. e Los Hermanos que aparecem na programação. Seus locutores nem tem o estilo dos verdadeiros radialistas de rock, falam como locutores de qualquer rádio pop e, apesar da boa pronúncia, não transmitem credibilidade, parecendo que não sabem a diferença de AC/DC e Iron Maiden".
Niterói, então, parece viver com anestesia geral nas veias o tempo todo. O niteroiense só percebe os problemas quando vive na carne. Mas alguns niteroienses e até gonçalenses já começam a reclamar na Internet que, para ir de carro dois bairros vizinhos, Várzea das Moças e Rio do Ouro, se leva de dez a vinte minutos, isso com o trânsito livre.
Há um terreno enorme que deveriam construir uma estrada para ligar os dois bairros e aliviar o tráfego da rodovia estadual RJ-106, mas ninguém faz coisa alguma. Será que foram obsediados por algumas almas perturbadas que rondam o "centro espírita" Remanso Fraterno?
Um morador de Baldeador, que pediu para se identificar, reclama: "Os formadores de opinião de Niterói vivem isolados nos edifícios nobres de Icaraí, que não sabem que a cidade tem muitas carências de mobilidade urbana. Gente esperando cinco minutos para atravessar um semáforo, quando devia haver passarelas no Centro e em bairros como Itaipu e Pendotiba. Gente que não está aí para a cidade, só fica repetindo pautas inofensivas, só publicam o que interessa para eles e que não cobra demais dos políticos e do empresariado. Mesmo nas redes sociais, esse pessoal formador está se lixando para o povo!".
Se percebermos bem, as imagens do Rio de Janeiro como cidade glamourosa no final dos anos 1950 e as recentes promoções de Niterói como "maior Índice de Desenvolvimento Humano" criam zonas de conforto aqui e ali, sendo tanta zona de conforto que a antiga qualidade de vida já começa a decair e o pessoal acha isso bom. Tem gente no Rio que gosta de reclamar das coisas, mas quando surge alguém para resolver os problemas, esse alguém sofre linchamento moral.
Continua o meu amigo do Leblon: "Tivemos a Bossa Nova, que apresentou o jazz para os jovens, e ninguém deu a mínima. No rock, a rádio Fluminense FM podia fazer frente às melhores emissoras de rock dos EUA, mas hoje a Rádio Cidade, que nunca foi rádio rock de verdade, passa vergonha até para as piores rádios de rock nos mais decadentes recantos da Itália e da Grécia. E se tivemos Leila Diniz esbanjando feminismo com maestria, temos que contentar, hoje, com o "feminismo de glúteos" de uma Valesca Popozuda. A que ponto chegou o Rio de Janeiro"?
Meu amigo Eduardo, do Centro do Rio, deu seu depoimento, numa outra conversa: "É porque o Rio de Janeiro, apesar da imagem glamourosa dos Anos Dourados, perdeu a condição de capital do país e nunca aceitou isso. Vingou-se querendo a fusão com o antigo Estado do Rio de Janeiro, deixando a capital Niterói como uma cidade subalterna, quase um 'distrito' da ex-Cidade Maravilhosa. O mais absurdo é que os niteroienses aceitaram a fusão da Guanabara com o Estado do Rio e hoje Niterói mais parece uma cidade do interior que nenhuma cidade do interior deseja mais ser".
Ah, é o Rio de Janeiro onde os "espíritas" acreditam estar sob a "colônia espiritual" de Nosso Lar. Um Rio de Janeiro que, como Niterói, tornaram-se berços do "movimento espírita", que na fachada se apresenta como uma "fusão do cientificismo de Allan Kardec com a Teologia da Libertação", mas no conteúdo não é mais do que a repaginação da apodrecida e medonha Teologia do Sofrimento.
Isso reflete na mentalidade reacionária dos cariocas e no estado de espírito ultraconservador que deu um tempo mais ou menos entre 1955 e 1960, e que, depois de então, começou-se, aos poucos, a se desenhar uma sociedade que se contenta com pouco, desde que o Brasil e o Rio de Janeiro (em âmbito estadual) vivessem cenários políticos conservadores.
Não dá para os cariocas lavarem as mãos dizendo que não promoveram o golpe de 2016. De uns anos para cá, os cariocas ficaram ruins de votos, votando sempre nos políticos de direita que, mais tarde, são "linchados" pelos mesmos que lhes elegeram.
Os cariocas reelegeram, por coisa nenhuma, Jair Bolsonaro deputado federal em 2014. Criaram o ovo da serpente do golpe de 2016, popularizando a corrupta Operação Lava Jato de Curitiba - um paralelo com a "curitibanização" que se tentou fazer do sistema de ônibus carioca em 2010 - e criando raiz para o bolsonarismo se tornar um fenômeno nacional e dar no governo catastrófico que hoje encaramos.
Não dá para fingir que os cariocas, em maioria, não são reacionários. Não dá para sonhar com um progressismo inexistente, mesmo evocando paisagens lindas, como Praia de Copacabana, musas do Carnaval, arquibancada feliz no Maracanã, bossanovista tocando violão na varanda de seu prédio em Ipanema. Tenhamos paciência, tudo isso acabou e o Rio de Janeiro hoje dança conforme a música reaça do Sul e Sudeste brasileiros.
Mas, em compensação, ninguém humilha o outro sem pagar a conta. Um dia as pessoas fazem bullying, comandam linchamento virtual nas redes sociais, usam o futebol como "moeda de troca" para as relações sociais (quem não gosta de futebol é alvo de discriminação, das mais cruéis) e impõem o pragmatismo a que se reduziu a realidade sócio-cultural carioca, somando-se a isso uma Niterói feliz em se reduzir a um capacho da cidade vizinha e mais famosa.
Mas, no outro, as pessoas que impõem um pensamento único, humilham quem se comporta de maneira pouco convencional, perdem o tempo rindo das gafes dos outros acabam sofrendo o efeito bumerangue e, sem querer, também cometendo gafes e sofrendo gozações piores, encrencas e, até mesmo, recebendo processos criminais.
O carioca costuma fazer chacota contra quem não age conforme as convenções sociais, mas, convenhamos, o carioca é que recebe chacota do resto do país por causa do seu pragmatismo que reduz a vida a quase nada e pelos desastres diversos que deixa ocorrerem no Grande Rio. E, o que é pior, se o carioca fica zoando de quem é diferente, é zoado pelo resto do Brasil por querer tudo igual.
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