Há algo muito errado no pessoal do Rio de Janeiro. Desde a década de 1990, os cariocas - e, por associação, os fluminenses em geral - , antes voltados à vanguarda sócio-cultural, à resistência contra arbitrariedades e à diversidade e amplitude nas referências culturais, passaram a se tornar conformistas, conservadores, culturalmente superficiais e muito, muito reacionários.
O Rio trocou a Bossa Nova pelo "funk", uma aberração sonora que, originária da Miami anti-castrista, não dá para entender por que é acolhido, com submissão bovina, pelos esquerdistas. No rock, as pessoas deixaram a "garimpagem" de lado e passaram a ouvir "só os hits", a ponto de haver gente que é fã de uma banda por apenas um único sucesso.
Mas isso é fichinha diante da aberração que é o reacionarismo e o ódio. O Rio de Janeiro é local de residência ou de naturalidade de muitos dos valentões da Internet, os chamados cyberbullies, que sem ter o que fazer combinam com outros colegas desocupados, mas também com muita gente boa que embarca na brincadeira iludida com o carisma do agressor, uma campanha simultânea de desmoralização de alguma vítima escolhida numa ocasião.
Foi o Rio de Janeiro que elegeu o reacionário Eduardo Cunha para deputado federal, mostrando que os cariocas nos últimos dez anos andavam com a urna podre. Foi Cunha que armou a cilada que resultou no fim do governo Dilma Rousseff (paciência, ela foi eleita com maioria de votos legalmente conquistados), na ascensão do terrível Michel Temer e na imposição de uma agenda de mudanças econômicas nefastas que incluem a perda de direitos trabalhistas pela tal "reforma trabalhista".
Pois o Rio de Janeiro que ofereceu o pesadelo vivido por todo o país, mas também pelos próprios cariocas que comem o pão que o "irmãozinho pouco esclarecido" amassou, experimentou mais um episódio de muito rancor e violência só porque uma parcela de cariocas ficou contrariada com um desfecho bobo de um jogo de futebol.
Sabe-se que o Rio de Janeiro é reduto do mais rasteiro fanatismo esportivo, no qual só existe concorrência com o Rio Grande do Sul. Há controvérsias se os gaúchos, que torcem pelo Grêmio ou Internacional - quando os dois times jogam juntos, o jogo é apelidado de "Gre-Nal" - , ou os cariocas, que torcem pelo Flamengo, Fluminense, Botafogo ou Vasco, são os mais fanáticos.
O que se sabe é que o fanatismo do futebol carioca é doentio e faz com que os niteroienses, se esquecendo que sua Niterói já foi um dia capital do Estado do Rio de Janeiro, prefiram torcer por time de fora do que da própria cidade (existem clubes como Canto do Rio e Tio Sam, mas ninguém dá a bola - olha o trocadilho), chega ao ponto de ser regulador das relações sociais.
O futebol é o assunto único para a maioria dos homens no Grande Rio e para uma parcela de mulheres que preferem, todo domingo, irem a um estádio do que fazer um passeio romântico com um namorado. Para piorar, os cariocas são tão fanáticos por futebol que, na hora de conhecer alguém, primeiro perguntam o time antes de perguntar o nome.
Chegam a puxar assuntos sobre futebol para estranhos, sem saber se eles se interessam por isso ou não. E, no caso da pergunta do time, nem ligam para o cacófato, pois uns apelam para o cacófato "Que time é teu?" ("quem te meteu?"). Mas os cariocas às vezes apostam num cacófato, como, no caso da terrível gíria "balada", a primeira realização do quase presidenciável Luciano Huck, quando falam "tou na balada c'a galera" ("caga-lera").
Pois o futebol mostra o caráter provinciano dos cariocas, um provincianismo antes inimaginável - pelo menos antes de Pereira Passos, há mais de cem anos - , mas que hoje assusta até quem vive isolado sob as matas da Amazônia. Afinal, é sintoma do provincianismo a pouca variação no lazer, a baixa visão de mundo e uma teimosia de caipira metido a valentão, a "rei da colina".
Ontem, o Flamengo (cujo nome completo é Clube de Regatas Flamengo, daí o CRF de seu logotipo) jogou com o Independientes da Argentina, na final da Copa Sul-Americana, e terminou em empate por um a um. O clube argentino tornou-se campeão e o time carioca, vice. Apesar da boa colocação, os torcedores saíram furiosos.
Atos de vandalismo e agressões contra torcedores argentinos marcaram o fim do jogo e um pára-quedista torcedor do Flamengo chegou a cair no campo do Maracanã. Ele foi detido. A polícia teve que conter a violência das torcidas, com bombas de efeito moral. Dias antes, jogadores do Independientes quase foram vítimas de uma tentativa de agressão por parte dos flamenguistas, num hotel na Barra da Tijuca.
É irônico que o Rio de Janeiro é oficialmente protegido pelo "espiritismo". Diz-se que a suposta cidade de Nosso Lar (comprovadamente fictícia e plágio do mundo astral do reverendo inglês George Vale Owen) fica no céu sobre a cidade do Rio de Janeiro. O Grande Rio também tem uma rádio "espírita", a Rádio Rio de Janeiro, e um periódico, o "Correio Espírita", produzido em Niterói.
Por que, com tudo isso, o Rio de Janeiro é palco de ódio? Um ódio que contagia até radiófilos - vide os roqueirinhos de mentira que defendiam a canastrona Rádio Cidade - e busólogos - vide os "padronizetes" que ficam umas araras quando alguém reclama da pintura padronizada nos ônibus (medida considerada nociva em vários sentidos), além de ser o Estado em que o patético Jair Bolsonaro tem maior apoio eleitoral.
Isso é porque o "espiritismo" brasileiro é deturpado, seus membros brasileiros desfiguraram e bagunçaram com o legado original de Allan Kardec e, com isso, criaram uma série de desordens e confusões que só fazem esta "doutrina do amor" atrair as mais maléficas vibrações energéticas. Sabemos que os "espíritas" caem na choradeira quando são avisados disso, mas quem é que mandou bagunçar com uma doutrina reduzindo-a a um vale-tudo igrejeiro e ocultirsta? Quem faz errado, paga pelas consequências.
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