Nada como andar para trás. O mais grave problema do Espiritismo feito no Brasil foi justamente investir em dois de seus maiores erros, como a influência do Catolicismo e o desconhecimento das técnicas de mediunidade. Tanto um quanto outro acabam gerando outros erros que corromperam a Doutrina Espírita em sua pretensa forma brasileira.
E por que ela andou para trás? Porque, originalmente, a Doutrina Espírita, sistematizada na França em 18 de abril de 1857 com O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, procurava avançar no estudo dos fenômenos da espiritualidade, indo em passos além do espetáculo das mesas giratórias, que faziam muito sucesso naquele país.
Eram conhecidos os espetáculos de mesas girantes e tábuas Ouija, nos quais as pessoas acreditavam poder sentir a presença de espíritos falecidos, e poder entrar em contato com eles através de um sistema de códigos.
Eram feitas sessões nas quais uma pessoa tida como dotada de "mediunidade" manipulava as mesas através da relação de perguntas e respostas. Nas tábuas Ouija, um ponteiro é manipulado apontando letras e números que indicariam uma mensagem "espiritual".
Nas mesas giratórias, há casos também de copos se movendo ou de barulhos de pancadas que serviriam de supostas respostas dos espíritos. Tudo isso se tornou um grande sucesso na Europa e nos EUA no século XIX. Um famoso caso foi o das irmãs Fox, estudado por Allan Kardec.
Todavia, esses processos acabaram se revelando fraudulentos. Kardec sabia muito bem disso, ele que era o homem de Ciência, famoso pedagogo e cientista, seguidor de Pestalozzi e apreciador de Mesmer. A partir daí ele passou a estudar minuciosamente os fenômenos da espiritualidade, alertando as pessoas da cautela que se deve ter com o tema.
E o que aconteceu no Brasil? Justamente o contrário. Apreciadores pouco aprofundados do pensamento de Kardec resolveram criar um "espiritismo" à moda da casa cujo primeiro esforço foi moldar a doutrina para agradar a Igreja Católica que era considerada a religião dominante no país.
Nessa época, os "espíritas" eram perseguidos e os "centros espíritas" eram reprimidos pela polícia. É certo, todavia, que os processos de mediunidade eram precários e duvidosos, movidos mais pelo transe do que por qualquer conhecimento científico e um estudo sério, ainda que cheio de dúvidas.
Para piorar, Kardec foi deixado de lado pelos delírios místicos e moralistas de Jean-Baptiste Roustaing. O resultado? Um "espiritismo" que desconhecia a Ciência Espírita e que era carregado de preconceitos religiosos próprios do Catolicismo vigente no Brasil, que era herdado de seu similar português e que, por conseguinte, mantivera práticas e valores medievais.
O que isso significa? Que o Espiritismo, como conhecemos no Brasil, não passa de uma atualização do Catolicismo Medieval, e seu completo desconhecimento de mediunidade o faz equiparar seus ritos e crenças não a um avanço das pesquisas da Ciência Espírita, mas um retrocesso da mesma para os parâmetros das mesas girantes e da tábua Ouija.
A coisa parece diferente, com supostos médiuns com uma das mãos na testa escrevendo rapidamente uma mensagem que, depois, se vê claramente religiosa, da qual se mostra o mesmíssimo roteiro, com poucas variações fundamentais e independente de cada personagem, podendo ser uma freira ou um junkie:
"Querida mamãe, querida família, eu morri por causa de uma desgraça, quanto sofrimento eu tive, até ser socorrido por benfeitores que me colocaram na colônia espiritual e me mostraram o Evangelho de Jesus. Sinto melhor e hoje retorno para pedir que unamos na fraternidade em Cristo".
No entanto, tudo isso virou um espetáculo a atrair famílias e a formar muitas filas nos "centros espíritas" que ofereciam o "serviço" de "divulgar psicografias". Os "médiuns" usavam os nomes dos mortos, mas escreviam mensagens da própria mente, carregando nas "palavras de amor" para evitar suspeitas. As caligrafias quase sempre só mostravam a letra do "médium".
Isso virou um espetáculo que a grande mídia brasileira tentou explorar. Tudo virou uma indústria de exploração das tragédias juvenis, a pretexto de oferecer "consolo" às famílias. Só que tudo descambou para o sensacionalismo, com a exposição de parentes saudosos pelos jovens falecidos, que poderiam muito bem sofrer suas tristezas na sua privacidade.
Em vez disso, a tragédia vira espetáculo, as mensagens apócrifas viram falsos atestados de recados dos filhos mortos - que não escreveram uma vírgula nessas mensagens - , que não passam de propaganda religiosa e estimulante para o estrelismo dos supostos "médiuns". Os casos Chico Xavier e Divaldo Franco são ilustrativos nisso.
Por isso, tudo se rebaixou ao espetáculo sensacionalista de pessoas desinformadas e desprevenidas buscarem contatos com os mortos de maneira mórbida e invigilante. Kardec tentou avançar com seus questionamentos e pesquisas sérios. Mas o "espiritismo" brasileiro regrediu, reduzindo a prática mediúnica ao sensacionalismo equiparado às mesas girantes e tábuas Ouija de outrora.
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