Enquanto continua sendo cultuado como "fada-madrinha" para os adultos do mundo real, Francisco Cândido Xavier é blindado até nos seus piores erros, ainda mais que a narrativa "gente como a gente" do complexo de vira-lata que assola o Brasil transformou o anti-médium mineiro em alguém "imperfeito", temporariamente retirado do antigo pedestal montado por seguidores e simpatizantes.
Mas fora dessa imagem de "fada-madrinha", consagrada por frases piegas, Chico Xavier esconde incidentes terríveis, que não devem ser entendidos como errinhos de nada. São erros muitíssimo graves, que envolvem falsidade ideológica, juízo de valor, fraudes literárias e defesa de ideias moralistas retrógradas, além de apoio a fraudes de materialização.
Há o caso da apropriação do nome de Humberto de Campos, que mostra indícios de revanchismo por parte do "médium", que não gostou da resenha que o escritor maranhense escreveu para o Diário Carioca, desaprovando a obra "psicográfica" Parnaso de Além-Túmulo.
Não se sabe por que acaso, talvez por alguma maldição, Humberto faleceu pouco depois e aí Chico Xavier, para convencer os chefões da Federação "Espírita" Brasileira - descontando o respaldo do próprio presidente, Antônio Wantuil de Freitas - a autorizar o uso do nome do falecido escritor, inventou um sonho em que o autor maranhense, se destacando de uma multidão, se apresentou ao "médium".
A suposta parceria já causava estranhezas porque o estilo pessoal que Humberto se manifestou em vida praticamente se perdeu. O suposto autor espiritual "retornava" com uma prosa mais cansativa, deprimente e forçadamente culta, e no lugar da variedade temática, apareciam apenas temas religiosos e textos moralistas.
A comunidade literária desconfiou imediatamente. E com muita razão. Juntos, Parnaso de Além-Túmulo, estranhamente sofrendo reparações editoriais sucessivas, mostrava verdadeiros pastiches e até paródias de conhecidos poetas e prosadores brasileiros e até portugueses. Os pastiches eram tão risíveis que se fez um pastiche de Antero de Quental, poeta português, e se creditou como Augusto de Campos, poeta simbolista brasileiro.
Nenhum escritor considerou autêntica a "psicografia literária" de Chico Xavier. O mais próximo que chegou disso foi Agrippino Grieco, inicialmente motivado pela saudade que tinha do amigo Humberto. Mas nem ele podia dizer que a obra era autêntica e, quando recebeu o esclarecimento do jornalista Attila Paes Barreto - autor do fundamental O Enigma Chico Xavier Posto à Clara Luz do Dia, uma preciosidade que precisa ser recuperada na Internet - , caiu na real e desconsiderou tais "psicografias".
Outros autores, como Apparicio Torelly (o Barão de Itararé), Monteiro Lobato e Raimundo Magalhães Júnior (ou R. Magalhães Júnior) apenas se abstiveram de autenticar ou não as "psicografias", preferindo uma postura neutra a respeito. Numa ação tendenciosa, a FEB tentou usar seus depoimentos como pretensa autentificação da obra de Chico Xavier, mas isso é um erro. Nem todos que se recusam a negar algo estão afirmando isso. Nem toda negação à negação é necessariamente uma afirmação.
IMPUNIDADE
O caso Humberto de Campos, um processo judicial movido pelos herdeiros do escritor, resultou em impunidade a Chico Xavier. O juiz suplente João Frederico Mourão Russell, um precursor de Sérgio Moro e Marcelo Bretas, declarou a ação contra o "médium" e a FEB "improcedente", dando num empate jurídico que favoreceu o beato de Pedro Leopoldo, dando em impunidade. Uma carta fake que Chico e Wantuil escreveram sob o nome de Humberto foi divulgada lamentando o processo judicial dos herdeiros e, estranhamente, defendendo a própria omissão da identidade autoral a si mesmo.
A única condição imposta a Chico Xavier é que evitasse usar o nome de Humberto de Campos. Espertos, Chico e Wantuil criaram um pseudônimo, "Irmão X", para uso externo, ou seja, nos meios laicos como as livrarias em geral. Internamente, as "casas espíritas" continuariam sabendo que era o nome de Humberto de Campos que continuava sendo atribuído.
Mas, em 1957, seis anos após o falecimento da viúva de Humberto, Catarina Vergolino de Campos, e sabendo que o filho homônimo (ou seja, Humberto de Campos Filho) virou produtor e diretor de TV e se interessou pelo "espiritismo" brasileiro por conta de um lobby movido por colegas no meio televisivo, Chico Xavier resolveu armar uma emboscada religiosa para dominá-lo.
Assim, o Grupo "Espírita" da Prece, entidade da qual Chico Xavier fazia parte, em Uberaba, realizou um evento que misturou palestra doutrinária, Assistencialismo e passeio numa caravana. Humberto Filho foi assediado por Chico Xavier que, depois da doutrinária, o dominou através de um abraço e fez sussurros que desnortearam o rapaz, que chorou feito uma criança e ainda ficou mais confuso quando o "médium" usou um falsete. Humberto ficou mais confuso, pensando se era ou não a voz de seu pai.
"QUEIMA DE ARQUIVO"
Quando assediava e dominava Humberto de Campos Filho, dando fim aos processos judiciais recorrentes à sentença de Mourão Russell, Chico Xavier estava envolvido com fraudes de materialização, por volta de 1953 e 1954. Além disso, ele havia assediado também o jovem viúvo Arnaldo Rocha, ex-esportista, que havia perdido a esposa Irma de Castro Rocha, a Meimei, quando ela tinha apenas 24 anos.
Movido pela saudade extrema da esposa, Arnaldo foi dominado quando Chico Xavier alegou receber o espírito da esposa, e decidiu difundir mensagens que imitavam o estilo de uma professora de ensino primário (hoje ensino fundamental). Desenvolvendo, com isso, sentimentos obsessivos, Arnaldo tornou-se parceiro do "médium" e foi um dos poucos a mencionar a controversa experiência do "mui amigo" na psicofonia.
Essa "psicofonia", dizem, variava entre os falsetes do próprio Chico Xavier creditados a supostas pessoas mortas como, em outros casos, ele teria feito mímica dublando vozes de locutores em off que, nos bastidores, falavam pelos microfones imitando vozes também atribuídas a gente morta. De tão pouco habilidosa, a suposta psicofonia de Chico Xavier, realizada em 1954, acabou no esquecimento.
Em 1958, o sobrinho Amauri Xavier Pena, então trabalhando para seguir a mesma atividade do tio, resolveu denunciar as fraudes, depondo para o Diário de Minas e para a revista Manchete (09 de agosto de 1958). Segundo ele, Chico Xavier não psicografava, mas inventava tudo de sua própria mente. O próprio Amauri se sentia com a consciência pesada de ter que fazer o mesmo trabalho e, por isso, resolveu denunciar.
A partir daí, Amauri foi vítima de ameaças de morte que a matéria de Manchete já adiantava ser "por envenenamento". Ele também foi vítima de campanha difamatória e caluniadora dentro do "meio espírita" e alvo das mais escalafobéticas acusações. Uma delas, a de "falsificar dinheiro" desenhando num papel-moeda, foi a mesma desculpa usada pelo ex-policial estadunidense Derek Chauvin para matar, por estrangulamento pelo joelho, o segurança negro George Floyd, em 2020.
A maior acusação contra Amauri, no entanto, foi a do alcoolismo. Não há provas de que Amauri teria sido alcoólatra e ele teria apenas consumido bebida alcoólica "socialmente" (em doses moderadas), em sua vida. Mas essa acusação - a mesma que anti-petistas fizeram contra Lula na época do suposto "escândalo do Mensalão", em 2005 - foi insistida visando desacreditar Amauri, também acusado de denunciar Chico Xavier porque "estaria apaixonado por uma jovem moça católica".
Há indícios de que Amauri, ao ser levado para um sanatório em Sabará, Minas Gerais, sofreu agressões físicas. Internado por alguns dias, foi dispensado e, ao sair para a vida livre, foi assediado por um falso amigo, que inicialmente parecia ser seu confidente, até que aproveitou a distração do sobrinho de Chico Xavier e colocou veneno na bebida do rapaz, que sofreu uma hepatite tóxica e faleceu, em 1961.
O falecimento foi motivado por uma "queima de arquivo", porque Amauri estava disposto a denunciar atividades de Chico Xavier, da União "Espírita" Mineira e da FEB, relacionadas a fraudes literárias. As mesmas denúncias seriam vazadas, sem querer, pela historiadora Ana Lorym Soares, na sua obra O Livro Como Missão: a Publicação de Textos Psicografados no Brasil dos Anos 1940 a 1960, mas ela preferiu uma narrativa complacente e acrítica em vez de explorar o escândalo em suas mãos.
Afinal, as fraudes literárias demonstravam serem atividades criminosas dos membros da FEB nessa época. E quem imaginava que Chico Xavier saía como vítima, se enganou, porque ele, através de cartas enviadas a Wantuil, não só aprovava as modificações editoriais como se oferecia a fazê-las quando disponível.
Não bastasse a falsidade ideológica das pretensas autorias espirituais, as obras "psicográficas" ainda sofriam modificações visando atender às conveniências diversas (como corrigir falhas de imitação, como a falta de métrica em certos poemas) e também desqualificar os espíritos benfeitores, dando à FEB e a Chico Xavier a superioridade sobre a missão "psicográfica". Uma posição feita à revelia e ao mais completo arrepio aos ensinamentos espíritas.
COLABORADOR DA DITADURA MILITAR
Nos anos 1960, Chico Xavier ainda se envolveu em incidentes graves. Suas fraudes literárias tinham o efeito irônico de inspirarem outros plágios, feitos pelo então iniciante Divaldo Pereira Franco, que, denunciadas por um membro da cúpula da FEB, Luciano dos Anjos, causou um escândalo que custou a amizade dos dois "médiuns".
Isso foi em 1962. Em 1963, Chico Xavier se envolveu com fraudes de materialização, comandadas por Otília Diogo, episódio que depois virou escândalo e fez o discípulo do "médium", Waldo Vieira, romper a amizade com seu antigo ídolo e parceiro. Só Otília foi desmascarada, mas fotos de Nedyr Mdnes da Rocha, sem querer, mostraram indícios de que Chico Xavier era cúmplice das fraudes, mostrando os instrumentos que a farsante utilizaria no seu espetáculo ilusionista que supostamente evocava a materialização da Irmã Josefa, do dr. Alberto Veloso e até de um menino de nove anos.
Em 1969, outro escândalo estourou nos bastidores da FEB, quando se denunciou que os livros de Chico Xavier tinham o dinheiro da venda destinado para as contas pessoais dos dirigentes da instituição, pondo em xeque a "caridade" a que se destinaria o lucro das vendas. Chico Xavier havia combinado isso com Wantuil mas, para salvar sua pele, fingiu estar "muito entristecido" com o uso do dinheiro para fins tão gananciosos.
Em 1971, Chico Xavier dá depoimentos exaltando a ditadura militar no programa Pinga Fogo da TV Tupi. Escreve um poema, usando o nome de Castro Alves, para exaltar os militares. Sua defesa da ditadura era tão radical que, contrariando sua "bondosa imagem", ele aprovava o AI-5 como "medida necessária para combater o caos".
Chico Xavier dizia que os militares, incluindo torturadores como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, estariam "fazendo do Brasil um 'reino de amor'". E ainda não mediu escrúpulos para aceitar homenagens da Escola Superior de Guerra, nomenclatura que deveria ter horrorizado o "médium".
A narrativa oficial em torno do apoio de Chico Xavier à ditadura militar é risível. Além da desculpa principal ser a de que "o médium queria salvar a própria pele", o acadêmico Ronaldo Terra, em ato constrangedor na sua monografia Fluxos do Espiritismo Kardecista no Brasil: Dentro e fora do continuum meidúnico, definiu a posição do "médium" como "fruto de sua santidade", uma tese sem pé nem cabeça sustentada por uma interpretação leviana das fontes apresentadas.
A verdade é que Chico Xavier colaborou mesmo com a ditadura militar. Sim, a mesma acusação que soa infundada quando atribuída ao cantor Wilson Simonal é, para desespero de muitos, repleta de sentdo em relação a Chico Xavier, que foi condecorado e fez palestras na Escola Superior de Guerra. Até o reino mineral sabe que a Escola Superior de Guerra não realizaria eventos assim se o homenageado não fosse um colaborador estratégico da ditadura militar.
NÃO SÃO ERROS PEQUENOS
Esses incidentes envolvendo Chico Xavier não podem ser entendidos jamais como "erros pequenos", desses que não comprometem a adoração dada ao "médium" pelos internautas nas redes sociais. Eles não são erros eventuais nem acidentais, mas erros extremamente graves, que em países menos ingênuos botariam Chico Xavier na cadeia, em regime fechado e sob o mais enérgico repúdio popular.
Só mesmo um Brasil vira-lata, que passa pano em tudo, é desinformado e tem orgulho de ser ignorante, que permite uma coisa dessas, que é o apego doentio ao "médium", que já teria feito mal suficiente ao arruinar totalmente o Espiritismo e ter feito práticas e posicionamentos que O Livro dos Médiuns reprova veementemente.
Mas diante de tantos outros erros e incidentes, que colocam Chico Xavier como uma figura traiçoeira, farsante e reacionária, é preocupante que pessoas ainda insistam em adorá-lo, mesmo cedendo em parte do seu deslumbramento, substituindo o "semi-deus" por "pessoa imperfeita e boa", fazendo uma "carteirada" por baixo que mal consegue disfarçar a fascinação obsessiva pelo "médium", que estimula uma emotividade tóxica que faz as pessoas serem escravas e reféns do "médium".
Daí o medo de ver que o mito de "fada-madrinha" de Chico Xavier, diante de tantos escândalos, pode ser derrubado com a divulgação das denúncias. Isso porque são fatos verídicos que dependem apenas de uma investigação complementar e de denúncias oficiais na grande mídia. O incrível é que Allan Kardec recomendava: "É melhor cair um homem do que todo aquele que for enganado por ele". Em nome de um mito fantasioso, as pessoas invertem tais ensinamentos para blindar Chico Xavier.
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