HÁ BRASILEIROS QUE QUEREM VOLTAR PARA 1974.
Algo muito preocupante está ocorrendo no Brasil. A retomada ultraconservadora, um fenômeno inesperado até 2013, apesar dessa tendência estar latente no país desde a década de 1990, está voltando a todo vapor, que muitas pessoas querem a volta dos padrões brasileiros de, pelo menos, 1974, na melhor das hipóteses, pois, na pior delas, querem a volta ao século XVIII.
Os "heróis" da sociedade brasileira variam entre ídolos cafonas, generais, personalidades da mídia conservadora, torturadores ou antigos políticos civis da ditadura militar, velhos tecnocratas do transporte e até velhos feminicidas doentes (mas que todos acreditam continuarem "saudáveis como touros").
É um Brasil velho e com cheiro de mofo que no entanto muitos não aceitam que tenha acabado ou possa acabar e querem retroceder o calendário na marra, apenas aceitando pequenas diferenças de contexto (como as redes sociais da Internet).
Até mesmo ídolos cafonas são, pasmem, considerados "símbolos de modernidade" e a chamada "música brasileira" se perdeu nas aventuras bregas de 1974-1979. Um Brasil muito mais retrógrado do que o de 1963-1964 veio à tona entre o auge do governo do general Emílio Garrastazu Médici e o decorrer do governo do colega Ernesto Geisel, e, infelizmente, muitos querem o retorno a esses tempos. Por que será?
Isso se explica porque temos uma sociedade presa por paradigmas dessa época. O Brasil se prendeu a paradigmas, totens, símbolos, personagens, daquele período. Sempre ficou difícil se livrar deles. Sempre foi difícil se livrar dos entulhos de 1974, uma época em que as pessoas conservadoras ou mesmo aquelas "progressistas, mas nem tanto" achavam "equilibrada" e "próspera".
1974 foi o ano em que os estudiosos de História definem como uma época em que a herança do "milagre brasileiro" do governo Médici se combinou com a "democracia controlada" de Ernesto Geisel, que a definiu como "distensão política da Revolução" ("revolução" é como os militares chamavam a ditadura, naquela época).
Até mesmo setores das esquerdas acabaram herdando paradigmas de direita: seus ídolos musicais, por exemplo, são retrógrados artistas de música brega, medíocre, confusa, malfeita e, ao mesmo tempo, bairrista e americanizada. Seus ídolos comportamentais criam apenas polêmicas sexuais anódinas que são superestimadas e seus ídolos esportivos são estrelas do futebol que apoiam políticos de direita.
Seus ídolos religiosos seguem um modelo conservador de espiritualismo e filantropia. Daí os "médiuns espíritas", que tiveram em 1974 um período de suposta redefinição, na verdade uma rearticulação de interesses, como forma de, ao mesmo tempo, consolidar a herança roustanguista e dissimulá-la, sob a desculpa de "recuperação das bases doutrinárias espíritas originais".
MORTE DE WANTUIL
1974 foi o ano de falecimento do ex-presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas. Tendo uma longa trajetória comandando a federação, Wantuil havia se aposentado do cargo em 1970, em meio a muitos escândalos, como denúncias de enriquecimento sobre as obras de Francisco Cândido Xavier (originalmente pupilo de Wantuil) e o envolvimento deste com o escândalo da falsa médium Otília Diogo.
Foi um período muito difícil para o "movimento espírita". O suposto médium curandeiro José Pedro de Freitas (sem parentesco com Wantuil), o Zé Arigó, faleceu misteriosamente num acidente de carro, em 11 de janeiro de 1971. Meses depois, Chico Xavier chocou a sociedade ao fazer defesa convicta da ditadura militar num programa de TV de grande audiência, o Pinga Fogo, que teve audiência ainda maior por causa da figura pitoresca do "médium" e ídolo religioso.
Houve também denúncias de que a Federação "Espírita" do Estado de São Paulo (FEESP), única federação com voz ativa na FEB comandada pelo centralizador Wantuil, estava preparando uma nova tradução da obra de Allan Kardec que fosse ainda mais deturpada que as de Guillón Ribeiro e Salvador Gentile. O escândalo não foi consumado porque outro tradutor, José Herculano Pires, único a respeitar os textos originais, denunciou o plano em programas de rádio, causando repercussão.
O ano de 1974 foi então o ano em que a crise do roustanguismo atingiu níveis insustentáveis. Mas a crise se resolveu não da melhor maneira, mas ao sabor das conveniências de interesses. Diante da visibilidade com que tiveram o grupo dos "científicos", fiéis às bases doutrinárias, como Herculano Pires e Deolindo Amorim, os "místicos" resolveram fazer um "acordo" que resultou na "fase dúbia", oficialmente denominada de "kardecismo".
Esse suposto acordo, movido pelos interesses dos roustanguistas, fez com que alguns astros do grupo dos "místicos" (ligados a J. B. Roustaing), como os próprios Chico Xavier e Divaldo Franco, encenassem uma suposta ruptura com a cúpula da FEB, se aproximassem tendenciosamente dos "científicos" e fingirem aderir à recuperação das bases espíritas originais, uma promessa que se comprovou nunca ter sido cumprida corretamente.
Afinal, não adianta, por exemplo, Divaldo Franco expor, como um aluno em prova oral, mas com ares de um pretenso professor, a correta teoria espírita, aparentemente "compreendendo bem" a Doutrina Espírita e ganhando a falsa reputação de "espírita autêntico".
Em outras ocasiões, Divaldo demonstrou manter seu igrejismo extremado, assim como Chico Xavier se manteve ainda mais igrejista do que nos tempos de Wantuil, quando, ao menos, o "médium" encanava de produzir livros pseudo-científicos. Se bem que essas aventuras pedantes eram mais ideias do então parceiro Waldo Vieira, que, depois do caso Otília Diogo, rompeu com o antigo ídolo.
"ESPIRITISMO" CONSERVADOR
O "espiritismo" brasileiro, por ter fugido das bases kardecianas, eliminou o cientificismo progressista de Kardec, trocando-o por uma catolicização inicialmente baseada em Jean-Baptiste Roustaing, mas que depois, com as adaptações brasileiras pelos livros lançados por Chico Xavier, fez recuperar, em vez das bases espíritas originais, a essência do antigo Catolicismo jesuíta que dominou o Brasil durante quase todo o período colonial.
O grande problema é que, desde a ditadura militar, o Brasil carregou na dissimulação. Na ditadura, os militares definiram seu regime como "revolução" e o classificaram como "democrático", e o jogo das aparências se dava pelo fato de não haver um ditador determinado, mas um rodízio de generais ditadores.
Imagine então hoje em dia, em que praticamente tudo é dissimulado? O "espiritismo", então, nem se fala! A deturpação igrejeira se intensificou cada vez mais, mas o aparato da "fidelidade doutrinária", movido por tendenciosas exposições teóricas "corretas", mantém as aparências de "espiritismo autêntico" que faz muitos incautos e muitíssimos leigos dormirem tranquilos.
Ultraconservador, o "espiritismo" brasileiro, no entanto, consegue ser aceito até por setores das esquerdas que, ingenuamente, apoiam os "médiuns espíritas" brasileiros, que claramente demonstram posturas conservadoras e defendem agendas nada esquerdistas.
Os "espíritas" condenam o aborto e apoiam as escravizantes reformas trabalhista e previdenciária. O "espiritismo" brasileiro corrobora com os machistas na criminalização das vítimas. Chico Xavier defendeu a ditadura. Divaldo Franco homenageou João Dória Jr. e apoiou a terrível "farinata". João de Deus fez questão de saudar Michel Temer e sonha em ver o retrógrado juiz Sérgio Moro presidente do Brasil. Os "médiuns" também são blindados pela Rede Globo, símbolo maior do poder midiático.
Vão dizer que isso é "coincidência", "ingenuidade" ou porque "não se mistura política com religião". Quanta ingenuidade. Mas os esquerdistas criticam os neopentecostais, que falam contra o aborto até em caso de estupro ou riscos à vida da gestante, que despejam preconceitos sociais, que praticam falsa caridade visando a promoção pessoal, e aí a desculpa da "não mistura" de política e religião desaparece.
Deveriam olhar os "médiuns espíritas" com cuidado, em vez de poluir os portais progressistas com textos exaltando figuras retrógradas como Chico Xavier e Divaldo Franco. Os dois remetem a padrões moralistas e religiosos antiquados, adotando discursos piegas e apelos emotivos extremos, porém muito cafonas.
Se isso é visto como "progressista", é um mal sinal, e significa que mesmo as esquerdas se encontram presas em padrões conservadores do Brasil de 1974, o ano que ainda não acabou e parece nunca mais acabar. Lamentavelmente.
Algo muito preocupante está ocorrendo no Brasil. A retomada ultraconservadora, um fenômeno inesperado até 2013, apesar dessa tendência estar latente no país desde a década de 1990, está voltando a todo vapor, que muitas pessoas querem a volta dos padrões brasileiros de, pelo menos, 1974, na melhor das hipóteses, pois, na pior delas, querem a volta ao século XVIII.
Os "heróis" da sociedade brasileira variam entre ídolos cafonas, generais, personalidades da mídia conservadora, torturadores ou antigos políticos civis da ditadura militar, velhos tecnocratas do transporte e até velhos feminicidas doentes (mas que todos acreditam continuarem "saudáveis como touros").
É um Brasil velho e com cheiro de mofo que no entanto muitos não aceitam que tenha acabado ou possa acabar e querem retroceder o calendário na marra, apenas aceitando pequenas diferenças de contexto (como as redes sociais da Internet).
Até mesmo ídolos cafonas são, pasmem, considerados "símbolos de modernidade" e a chamada "música brasileira" se perdeu nas aventuras bregas de 1974-1979. Um Brasil muito mais retrógrado do que o de 1963-1964 veio à tona entre o auge do governo do general Emílio Garrastazu Médici e o decorrer do governo do colega Ernesto Geisel, e, infelizmente, muitos querem o retorno a esses tempos. Por que será?
Isso se explica porque temos uma sociedade presa por paradigmas dessa época. O Brasil se prendeu a paradigmas, totens, símbolos, personagens, daquele período. Sempre ficou difícil se livrar deles. Sempre foi difícil se livrar dos entulhos de 1974, uma época em que as pessoas conservadoras ou mesmo aquelas "progressistas, mas nem tanto" achavam "equilibrada" e "próspera".
1974 foi o ano em que os estudiosos de História definem como uma época em que a herança do "milagre brasileiro" do governo Médici se combinou com a "democracia controlada" de Ernesto Geisel, que a definiu como "distensão política da Revolução" ("revolução" é como os militares chamavam a ditadura, naquela época).
Até mesmo setores das esquerdas acabaram herdando paradigmas de direita: seus ídolos musicais, por exemplo, são retrógrados artistas de música brega, medíocre, confusa, malfeita e, ao mesmo tempo, bairrista e americanizada. Seus ídolos comportamentais criam apenas polêmicas sexuais anódinas que são superestimadas e seus ídolos esportivos são estrelas do futebol que apoiam políticos de direita.
Seus ídolos religiosos seguem um modelo conservador de espiritualismo e filantropia. Daí os "médiuns espíritas", que tiveram em 1974 um período de suposta redefinição, na verdade uma rearticulação de interesses, como forma de, ao mesmo tempo, consolidar a herança roustanguista e dissimulá-la, sob a desculpa de "recuperação das bases doutrinárias espíritas originais".
MORTE DE WANTUIL
1974 foi o ano de falecimento do ex-presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas. Tendo uma longa trajetória comandando a federação, Wantuil havia se aposentado do cargo em 1970, em meio a muitos escândalos, como denúncias de enriquecimento sobre as obras de Francisco Cândido Xavier (originalmente pupilo de Wantuil) e o envolvimento deste com o escândalo da falsa médium Otília Diogo.
Foi um período muito difícil para o "movimento espírita". O suposto médium curandeiro José Pedro de Freitas (sem parentesco com Wantuil), o Zé Arigó, faleceu misteriosamente num acidente de carro, em 11 de janeiro de 1971. Meses depois, Chico Xavier chocou a sociedade ao fazer defesa convicta da ditadura militar num programa de TV de grande audiência, o Pinga Fogo, que teve audiência ainda maior por causa da figura pitoresca do "médium" e ídolo religioso.
Houve também denúncias de que a Federação "Espírita" do Estado de São Paulo (FEESP), única federação com voz ativa na FEB comandada pelo centralizador Wantuil, estava preparando uma nova tradução da obra de Allan Kardec que fosse ainda mais deturpada que as de Guillón Ribeiro e Salvador Gentile. O escândalo não foi consumado porque outro tradutor, José Herculano Pires, único a respeitar os textos originais, denunciou o plano em programas de rádio, causando repercussão.
O ano de 1974 foi então o ano em que a crise do roustanguismo atingiu níveis insustentáveis. Mas a crise se resolveu não da melhor maneira, mas ao sabor das conveniências de interesses. Diante da visibilidade com que tiveram o grupo dos "científicos", fiéis às bases doutrinárias, como Herculano Pires e Deolindo Amorim, os "místicos" resolveram fazer um "acordo" que resultou na "fase dúbia", oficialmente denominada de "kardecismo".
Esse suposto acordo, movido pelos interesses dos roustanguistas, fez com que alguns astros do grupo dos "místicos" (ligados a J. B. Roustaing), como os próprios Chico Xavier e Divaldo Franco, encenassem uma suposta ruptura com a cúpula da FEB, se aproximassem tendenciosamente dos "científicos" e fingirem aderir à recuperação das bases espíritas originais, uma promessa que se comprovou nunca ter sido cumprida corretamente.
Afinal, não adianta, por exemplo, Divaldo Franco expor, como um aluno em prova oral, mas com ares de um pretenso professor, a correta teoria espírita, aparentemente "compreendendo bem" a Doutrina Espírita e ganhando a falsa reputação de "espírita autêntico".
Em outras ocasiões, Divaldo demonstrou manter seu igrejismo extremado, assim como Chico Xavier se manteve ainda mais igrejista do que nos tempos de Wantuil, quando, ao menos, o "médium" encanava de produzir livros pseudo-científicos. Se bem que essas aventuras pedantes eram mais ideias do então parceiro Waldo Vieira, que, depois do caso Otília Diogo, rompeu com o antigo ídolo.
"ESPIRITISMO" CONSERVADOR
O "espiritismo" brasileiro, por ter fugido das bases kardecianas, eliminou o cientificismo progressista de Kardec, trocando-o por uma catolicização inicialmente baseada em Jean-Baptiste Roustaing, mas que depois, com as adaptações brasileiras pelos livros lançados por Chico Xavier, fez recuperar, em vez das bases espíritas originais, a essência do antigo Catolicismo jesuíta que dominou o Brasil durante quase todo o período colonial.
O grande problema é que, desde a ditadura militar, o Brasil carregou na dissimulação. Na ditadura, os militares definiram seu regime como "revolução" e o classificaram como "democrático", e o jogo das aparências se dava pelo fato de não haver um ditador determinado, mas um rodízio de generais ditadores.
Imagine então hoje em dia, em que praticamente tudo é dissimulado? O "espiritismo", então, nem se fala! A deturpação igrejeira se intensificou cada vez mais, mas o aparato da "fidelidade doutrinária", movido por tendenciosas exposições teóricas "corretas", mantém as aparências de "espiritismo autêntico" que faz muitos incautos e muitíssimos leigos dormirem tranquilos.
Ultraconservador, o "espiritismo" brasileiro, no entanto, consegue ser aceito até por setores das esquerdas que, ingenuamente, apoiam os "médiuns espíritas" brasileiros, que claramente demonstram posturas conservadoras e defendem agendas nada esquerdistas.
Os "espíritas" condenam o aborto e apoiam as escravizantes reformas trabalhista e previdenciária. O "espiritismo" brasileiro corrobora com os machistas na criminalização das vítimas. Chico Xavier defendeu a ditadura. Divaldo Franco homenageou João Dória Jr. e apoiou a terrível "farinata". João de Deus fez questão de saudar Michel Temer e sonha em ver o retrógrado juiz Sérgio Moro presidente do Brasil. Os "médiuns" também são blindados pela Rede Globo, símbolo maior do poder midiático.
Vão dizer que isso é "coincidência", "ingenuidade" ou porque "não se mistura política com religião". Quanta ingenuidade. Mas os esquerdistas criticam os neopentecostais, que falam contra o aborto até em caso de estupro ou riscos à vida da gestante, que despejam preconceitos sociais, que praticam falsa caridade visando a promoção pessoal, e aí a desculpa da "não mistura" de política e religião desaparece.
Deveriam olhar os "médiuns espíritas" com cuidado, em vez de poluir os portais progressistas com textos exaltando figuras retrógradas como Chico Xavier e Divaldo Franco. Os dois remetem a padrões moralistas e religiosos antiquados, adotando discursos piegas e apelos emotivos extremos, porém muito cafonas.
Se isso é visto como "progressista", é um mal sinal, e significa que mesmo as esquerdas se encontram presas em padrões conservadores do Brasil de 1974, o ano que ainda não acabou e parece nunca mais acabar. Lamentavelmente.
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